PORTUGUESES: MUITOS SÃO OS CULPADOS POUCOS VÃO PRESOS.

CRÓNICA 66 O ROMANO SÉRGIO GALBA E OS PORTUGUESES: MUITOS SÃO OS CULPADOS POUCOS VÃO PRESOS. 28 junho 09

Há dias ouvi um comediante português dizer algo muito acertado: muitos são os culpados, mas nem todos vão presos. Com efeito e na sequência do que a Bíblia nos diz “Porque muitos são chamados, mas poucos escolhidos” [Mt 22: 14], a lei portuguesa não discrimina quem vai preso, mas o pragmatismo da sociedade portuguesa assim o obriga. Vejamos, se todos os culpados fossem presos, Portugal ficava sem políticos, sem deputados, sem presidentes da câmara, sem vereadores, sem ministros, sem secretários de estado, sem diretores gerais, sem inspetores, e por aí diante. Ora convenhamos que a Assembleia da República, o atual Parlamento português, pode funcionar poucos dias, mas ainda vai dando ocupação a 230 deputados e aos seus assessores. Não se imagina aquele órgão de soberania vazio, por estarem todos arguidos, detidos preventivamente ou a cumprirem pena pelos inúmeros crimes de que obviamente deveriam ser acusados.

O país pararia se a justiça fosse cega como deveria ser e prendesse todos os culpados. Aliás, crê-se que seria difícil isso acontecer, pois Portugal teria de pedir ajuda aos países vizinhos para poder encontrar celas disponíveis para tanta gente. À medida que fossem presos os representantes do povo iriam, na boa tradição inquisitorial portuguesa, incriminar os seus constituintes que os corromperam, e teríamos um efeito bola de neve. Assim, à medida que iam presos, os representantes da nação, também iria com eles a turbamulta dos que neles votaram. O país depois de parar ficaria deserto. Estamos crentes de que só assim seria possível governar este jardim à beira-mar plantado. Isto enquanto não nasce um líder capaz. Não precisa ser sobrenaturalmente dotado, basta ser alguém que ponha o interesse nacional à frente do interesse próprio ou partidário.

Dê-se razão a Sérgio Galba, brioso capitão das Hordas Romanas que invadiram a Península e conquistaram a Lusitânia, onde se instalaram para dominar, mas só obtiveram a vitória com o assassinato de Viriato, por traição. Quando Galba escreveu a César Augusto a dar notícias das gentes deste extremo do Império, fê-lo nestes termos: “Estes lusitanos nem se governam, nem se deixam governar”. E os séculos parecem dar-lhe razão.

Vejamos como conseguiram os Romanos pacificar esta terra e estas gentes há quase vinte séculos:

Emerge em Cartago o general chamado Amílcar Barca que embarca para a Península Ibérica à frente de um poderoso exército em 237 a.C., para consolidar e alargar o domínio púnico na Península, e pagar os tributos a Roma. A política expansionista de Cartago não representava uma agressão a Roma, mas seria considerada como parte de um plano para um grande confronto. Barca desembarca em Gadir (Cádis) em 237 a.C. morreria em combate, sendo substituído pelo genro Asdrúbal que fundou Nova Cartago (Cartagena), centro das minas de prata da região. Após a morte de Asdrúbal, Aníbal Barca (filho de Amílcar) foi nomeado comandante na Península e inicia um processo expansionista. Ataca os povos do interior e do sul da Península, conquistando Salmantica (Salamanca) e Arbucala (Zamora), e fundando Portus Hannibalis (Portimão, Algarve) para apoiar a navegação atlântica. Há vestígios da presença cartaginesa em Ossonoba (Faro). Isto preocupou Roma.

A situação explodiu quando Sagunto (cidade a sul do rio Ebro) pediu proteção a Roma, concedida em 220 a.C. Aníbal atacou e tomou a cidade, dando início à II Guerra Púnica. A Península Ibérica dividia-se entre o sul e leste mediterrânico, uma civilização ibérica com influências semitas e helénicas, no caso da Catalunha, e o norte ou interior de feição continental. A região do Ebro constituía a parte oriental celtibera. Não eram um só povo, mas uma amálgama étnica essencialmente indo-europeia.

Os Celtiberos opunham-se aos Vaceus, Vetões e Celtas, não sendo claras as afinidades étnicas entre estes. Foram usados como mercenários pelos dois lados do conflito. Foi importante a cavalaria ibérica do exército de Aníbal na batalha de Cannae. A norte localizavam-se os Vascões (Bascos), os Cântabros e Ástures (nunca totalmente submetidos) e finalmente os Calaicos (Galegos).

Os Cartagineses aproveitaram as particularidades da Península e da população, ao utilizarem as cidades a sul como polos de controlo dos recursos regionais, e a recorrerem às populações do norte para os seus exércitos. Houve emissões de moeda por cidades cartaginesas na Península Hispânica para pagar aos mercenários.

Em 197 a.C., Roma delineia o primeiro projeto de uma administração provincial e envia dois governadores para dividir a Península Ibérica na província da Hispânia Ulterior (ocidente) e na Hispânia Citerior (oriente).

Após 194 a.C., há confrontos entre Romanos e Lusitanos, com a derrota romana no ataque a Ilipa, no Guadalquivir. Nos anos seguintes, a influência romana estende-se para o interior. Em 155 a.C., Roma controlava todo o Ebro até ao território basco, a Andaluzia, e parte do Alentejo. Começou nesse ano (155 a.C.) a Guerra Lusitana, que se prolongou até 138 a.C. Em 152 a.C., a Celtibéria revoltou-se, levando Roma a uma guerra sangrenta em duas frentes.

Em 155 a.C., um numeroso grupo de lusitanos e de Vetões atacou as regiões meridionais da Hispânia Ulterior. Os combates sucederam-se, até 150 a.C., frequentemente favoráveis aos Lusitanos, mas uma ação concertada dos governadores da Ulterior e da Citerior permitiu infligir uma pesada derrota que os forçou à paz.

Sérvio Sulpício Galba concedeu aos 30.000 guerreiros Lusitanos três locais de residência diferentes, aí chacinando 8.000, e aprisionando mais alguns milhares. Os historiadores romanos exageravam pelo que é de assumir que fossem bandos de guerreiros. Esta guerra não terá começado como uma operação de pilhagem e saque, mas como reflexo natural do reenquadramento territorial.

Os Lusitanos pretenderiam ocupar novos territórios. É possível com os confrontos com os Romanos tenham provocado uma brutal queda demográfica. Os exércitos Lusitanos não passavam de bandos isolados e desorganizados. Só os Romanos constituíam uma entidade política organizada. Esta situação fornece a tónica para a “Guerra Lusitana”, descrita como “um incêndio que teimava em se reacender”. Após a matança promovida por Galba, seguiu-se um período de acalmia.

No entanto, em 147 a.C., um novo bando de lusitanos irrompeu na Ulterior, forçando o governador romano Vetílio a propor uma nova distribuição de terras para os Lusitanos. Nessa altura interveio Viriato, ao que parece, um sobrevivente da primeira matança, que relembrou a anterior traição romana.

Aclamado como chefe, Viriato atrai o governador a uma emboscada, onde o venceu e matou. Os Romanos reagiram com um exército de mercenários celtibéricos, que foram chacinados. Seguiram-se vitórias lusitanas ao longo de 146 a.C., o que permitiu fixarem-se na Andaluzia e na periferia da província.

Os guerreiros locais armados com longas lanças e com os mortíferos gladius hispaniensis adequados à guerrilha, não deram tréguas à infantaria romana habituada a lutar em campo aberto com exércitos bem alinhados. O mito de Viriato começou no séc. I a.C., devendo a sua origem aos historiadores Possidónio e Teodoro. Ambos transmitem a imagem de um herói puro e justo, não corrompido pelos valores da civilização.

Portugal reclamou para si o herói e o local de nascimento, embora seja comemorada na Espanha como seu herói. Terá nascido no Monte Hermínio na serra da Estrela.

Na realidade, pode ter nascido junto ao mar, próximo de Coimbra. Terá sobrevivido ao massacre de Galba e participou na expedição de 147 a.C. Casou com a filha de um terratenente indígena e instalou-se em cidades meridionais durante a guerra com os Romanos, o que sugere familiaridade com o mundo mediterrânico peninsular. Possidónio cria uma imagem que não corresponde à verdade, mas a um estereótipo.

Viriato opunha-se ao domínio vindo de Roma. Simboliza uma cultura ou civilização, se bem que a formação portuguesa deva mais à romana do que à celtibérica; simboliza o desejo de autonomia. Viriato faz parte da mitologia, do panteão nacional e da História de Portugal. Os romanos dominaram os cartagineses e depois os celtiberos, imaginando que a Península era deles. Viriato congrega todas as forças rebeldes do centro e do ocidente e inflige às legiões derrotas humilhantes. Foi um grande líder e um hábil estratega, reconhecido como tal pelos generais romanos. Da sua origem [que nem todos aceitam] pode ter sido pastor de ovelhas e cabras de Lobriga, Lorica no tempo romano e atual Loriga. O facto de ter casado com uma rica herdeira a sul do Tejo, como dizem as biografias de historiadores gregos e romanos, não prova que tenha passado muito tempo nas planícies do sul.

A segunda guerra lusitana surge na Turdetânia, iberos da Hispânia Bética a oriente do Guadiana. Os lusitanos invadiram em 147 a.C., e atacaram os romanos, mas foram cercados e vencidos por Caio Vetílio.

Viriato assume o comando geral e no mesmo ano em Tríbola vence e mata Caio Vetílio.

Animados, os lusitanos vencem Cláudio Unímano (146), e Caio Nigídio (145); mas quando Quinto Fábio Máximo Emiliano, irmão de Cipião Emiliano, entra na Península como cônsul da Citerior e provoca Viriato em campo aberto no vale do Guadalquivir, os lusitanos são derrotados (144).

Viriato retira-se para Baecula (Baicor, hoje Bailen), refaz as forças e contra-ataca no ano seguinte, repelindo os romanos, que se afastam para Córdova.

As vitórias militares de Viriato entusiasmam outros e os celtiberos da Meseta revoltam-se em apoio aos lusitanos. Começa a guerra Numantina.

Divididas as legiões, Viriato derrota em 143 as tropas de Quinto Pompeio, e no ano seguinte as do cônsul Lúcio Cecílio Metelo Calvo.

Quinto Fábio Máximo Serviliano ataca Viriato (141) que recua e contra-ataca destroçando as legiões, mas volta para se reabastecer na Lusitânia.

Serviliano persegue-o, mas é obrigado a recuar pelos guerrilheiros chefiados por Apuleio e Cúrio.

O banditismo organizado era um problema endémico na Península e uma ajuda mercenária contra os invasores. Viriato ataca Serviliano e cerca-o. Em Erisane celebra um tratado de paz (140) e recebe o título de Amigo do Povo Romano.

No ano seguinte, Quinto Servílio Cipião, chega à Hispânia como governador e provoca Viriato, que é assassinado pelos seus ajudantes subornados por Servílio.

O Dicionário de História de Portugal (1982: 189) consagra Viriato: Os Portugueses sempre consideraram este remoto antepassado lusitano como uma das mais belas e sugestivas figuras simbólicas do nosso espírito de independência.

A guerra continuou na Andaluzia, e uma expedição alcança a Citerior em 146 a.C.

Em 143 a.C. deflagra ali guerra quando Quintus Cecílio Metelo atravessa a Celtibéria e ataca os Vetões para impedir que abastecessem os adversários pela retaguarda.

Em 140 a.C., o governador da Ulterior, Fábio Serviliano, após saquear cidades fiéis a Viriato na Andaluzia, é vencido em Erisane. Quinto Pompeio falha pela segunda vez a tomada de Numância na frente da Citerior. Face a estes desaires, os romanos são forçados à paz: Roma fica com a posse das terras hispânicas já conquistadas, mas renuncia à conquista de mais territórios. É uma humilhação para o Senado romano. Esta paz forçada resulta de uma guerra em larga escala, que teimava em desgastar os exércitos de Roma.

Havia em Roma uma corrente pacifista, mas no Senado existia uma corrente belicista encabeçada pelos Cipiões. Graças a eles, Roma invadira e destruíra Cartago em 146 a.C., após 4 anos de cerco, transformando o norte de África numa província romana. Para oriente criaram uma nova província no reino da Macedónia.

A guerra peninsular não trazia dividendos. Desde 152 a.C. que Roma tinha dificuldade em recrutar legionários e as legiões evitavam propositadamente o contacto com os indígenas.

No ano seguinte Roma rompe as tréguas, exigindo a vitória incondicional. Na Ulterior, Quintus Servílio Cipião desencadeia uma ofensiva fulgurante que força Viriato a retirar para norte do Tejo, para Badajoz. A investida romana incluiu um ataque contra Vetões e Galaicos.

Face ao avanço romano, Viriato vê-se obrigado a enviar três emissários para negociar a paz, Audax, Ditalco, e Minuro, que são aliciados por Cipião com enormes quantidades de ouro para matarem o chefe luso.

Viriato é assassinado de noite na sua tenda, por aqueles em quem confiava. No regresso ao acampamento romano, os três ouviram de Cipião que “Roma não paga a traidores”.

Viriato ficou para a História, a par de Espártaco, como um dos poucos que conseguiu pôr Roma de joelhos enquanto travava uma guerra justa pela liberdade do seu povo. Após a sua morte, o exército lusitano comandado por Tautalo sofre uma última derrota a sul do Tejo e é obrigado a negociar a paz.

Pelo testemunho de Estrabão, sabemos que em 138 a.C., Décimo Júnio Bruto, o governador da Ulterior, efetuou a primeira grande campanha militar e fortificou Olissipus (Lisboa).

Uma linha de cidades muralhadas no vale do Tejo elucida-nos sobre a extensão do domínio romano, e indica que as regiões do Algarve e Alentejo se sujeitaram ao domínio romano após o fim da Guerra Lusitana.

Viriato morreu, mas não acabou a resistência dos lusitanos.

Os aliados e vizinhos foram subjugados: o cônsul Décio Júnio Bruto, o Galaico, domina (de 138 a 136) as tribos a norte do rio Douro, incluindo os brácaros.

Em 133 os celtiberos rendem-se a Cipião Emiliano que toma Numância e a arrasa.

Durante uma geração houve raras notícias dos lusitanos, a não ser alguns ataques reprimidos (114 e 113) por Mário.

Em 107, Cipião domina uma rebelião lusitana, mas é derrotado em 105.

A submissão dos celtiberos em Numância leva-os a colocarem-se do lado das legiões.

Em 101 vencem os lusitanos, que se revoltam contra a opressão romana em 99, mas no ano seguinte o pretor Lúcio Cornélio Dolabela derrota-os esmagadoramente.

Entretanto o governador Sertório retira-se para a África.

Ali foram procurá-lo os emissários lusitanos, ficando às suas ordens contra o dominador.

Sertório aceita chefiar as tropas lusitanas e em 81 entra em guerra contra o imperador Mário. Apesar de muitas vitórias, Sertório acaba como Viriato: assassinado à traição (em 72).

Com ele termina a última campanha lusitana contra os romanos.

Dez anos depois houve uma rebelião de galaicos e lusitanos, que César dominou.

Nas campanhas de Pompeu (55-49) alguns lusitanos já figuram como auxiliares das suas tropas.

Iniciado o Império, e pacificada a Península, Augusto determina uma maior divisão administrativa: a Hispânia Ulterior é dividida em Lusitânia e Bética, esta com capital em Córdova.

A Lusitânia passa a uma divisão do Império e a capital, é criada por Púbio Carisius em terras de vetões como. Emérita, hoje Mérida, em 25 a.C. O território ficava entre o Guadiana a sul, e o Atlântico a oeste e norte, incluindo lusitanos, vetões, galaicos e ástures.

Mais tarde a Calécia (Galiza) foi incorporada na Tarraconense, até que Caracala cria aí nova província, com a capital em Braga.

Os lusitanos vão saindo da história e entrando na História relatada, como a de Plínio, Pompónio Mela ou a Geografia de Ptolomeu, todas posteriores à rendição final deste povo.

É curioso ver no início do século V a História de Orósio, provavelmente galaico, a censurar os romanos pelas suas crueldades contra os lusitanos, como a do cônsul Fábio que reuniu quinhentos líderes com promessas de paz e quando os viu desarmados os subjugou e lhes mandou cortar as mãos ou a própria traição no assassinato de Viriato. A pacificação final do povo pelos romanos foi uma vitória sem glória. Então a Península é invadida (409) por germanos. Orósio deixa Braga e refugia-se em Hipona.

Os alanos ocupam a Lusitânia.

Em 416 partindo da Calécia (Galiza) os suevos estenderam o seu domínio até à Bética. Em 439 Emérita era a capital do reino suevo, abrangendo a Lusitânia e a Calécia.

Os romanos chamam em seu auxílio os visigodos, que ocupavam a Gália e derrotam os suevos em 456. No ano seguinte dominavam a Lusitânia.

O domínio visigótico era fraco e em 459 os suevos saqueavam a Lusitânia e massacravam romanos.

Em 467 os suevos atacaram e destruíram Conímbriga, importante cidade lusitana, arrasando as suas muralhas. Dois anos depois suevos e visigodos defrontam-se em Olissipus (Lisboa). Apesar destes tumultos o rei visigodo Eurico (466-484) inicia em 470 uma reforma administrativa e extingue a Lusitânia.

Como topónimo não desapareceu, pois nos concílios de Toledo (século VI) o grupo dos bispos lusitanos manteve a identidade comum e o Metropolita de Mérida reclama para sua jurisdição as dioceses da Lusitânia, o que lhe foi concedido (656?) pelo rei visigodo Recesvindo.

Em 711 os muçulmanos invadiram a Península, conquistando-a quase completamente em seis anos. A Lusitânia manteve sua designação, alterada para Lugidânia.

A reconquista cristã começou em 722 em Cangas de Onis, na região dos Cântabros e Bascos.

No final do século IX a Calécia (Galicia, Galiza) estava em poder dos cristãos.

No século XI a região de entre Douro e Tejo, núcleo da Lusitânia, era reconquistada: Viseu em 1057, Coimbra em 1064.

Em 1146 Dom Afonso Henriques toma Santarém, em 1147 conquista Lisboa, atravessa o Tejo e penetra no território céltico.

A antiga Lusitânia entrava nas brumas da memória, como diz o Hino Nacional Português, para dar lugar ao Reino de Portugal. Falta agora um novo Viriato a liderar os Lusitanos contra os usurpadores da República