trova a Manuel Alegre

Da página da professora Paula Cabral: “Em jeito de resposta às últimas intervenções de Manuel Alegre, umas trovas de tourear.
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento fala da desgraça
De um poeta que se desdiz
Pergunto ao poeta que passa
Se acha mesmo graça
À tourada que se festeja na praça
Para gáudio da populaça
Pergunto aos touros que levam
Os ferros com dura crueldade
Mas eles não me sossegam
Não respondem se é maldade
Se é maldade ou se é arte
A tauromaquia, o que me diz?
A resposta chega tarde
Divide o povo do meu país
Pergunto ao vento cálido
Se invocar a tradição é válido
Mas o vento nada riposta
E sopra como amostra
Exemplos de escravatura
Tempos sem abertura
Invocando a mesma história
Em triste passado sem glória
Levam sonhos, deixam retrocessos
Minha pátria é flor manchada
São tantos os graves processos
É por este que a liberdade é ceifada?
A liberdade é um alegre canto
Mas de alegre pouco parece
Se a morte serve o encanto
E o povo com sangue enlouquece.
Vi minha pátria na margem
da civilização a mudar
como quem despreza a viagem
De quem nada quer melhorar
Pergunto à gente que passa
por que vai na arruaça
O touro segue o triste fado
Para servir a alguns de desenfado
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Num ser bestialmente atacado e oprimido
Que sentimento de liberdade é exibido?
Mesmo na noite mais triste
em tempo de bárbara escuridão
Há sempre um animal que em vão resiste
Há sempre um bravo que diz não!”