a história das sete cidades açores

A história da lagoa das Sete Cidades e das suas gentes

O geólogo alemão George Hartung (a quem Charles Darwin, sempre intrigado com a especiação insular, perguntará se avistou rochas não vulcânicas em São Miguel) foi um dos primeiros cientistas interessados nos Açores. Foi dele a primeira representação fiável das Sete Cidades (em cima), datada de 1860. Em baixo, o rei Dom Carlos I em território açoriano – foi a primeira visita de um chefe de Estado português em funções ao arquipélago e ocorreu já no século XX (1901). Imagens Arquivo do Observatório Vulcanológico e Geotérmico dos Açores.

À força de músculo e de obstinação, a paisagem foi moldada. Uma gravura datada de 1860 e produzida pelo geólogo George Hartung revela uma paisagem quase irreconhecível, feita de vegetação rasteira, batida pelo vento, e margens florestadas quase sem interrupção (com uma ligeira mancha de casas). Mas é um erro considerá-la primitiva.
Na ilha de São Miguel, sucederam-se apostas em culturas agrícolas suscetíveis de gerar riqueza e notoriedade. O primeiro ciclo, pouco após o povoamento, resultou do cultivo de toneladas de trigo, que superou a carestia na Europa ressequida e produziu uma primeira bolsa de riqueza. Seguiu-se o ciclo pouco falado, mas não menos importante, do pastel, o cultivo de plantas tintureiras exportadas sobretudo para a Europa do Norte, muito valorizadas e que explica, de certa maneira, o interesse precoce dos flamengos pelo arquipélago.

Ensaiam-se novas experiências. Introduzem-se culturas como a chicória, o ananás, o tabaco e o chá. A paisagem é moldada como o barro de um ceramista, em busca da forma mais apelativa.

No final do século XVIII, surgiu um novo ciclo económico e agrário – o ciclo da laranja, exportada para Inglaterra. Gerou fortunas colossais, algumas das quais ainda sobreviventes na sociedade moderna. “O comércio da laranja servirá, por exemplo, para apoiar a génese do movimento liberal no século XX”, conta o historiador José de Almeida Mello, diretor da Biblioteca Municipal Ernesto do Canto. A cultura, porém, não se adapta às Sete Cidades. Nem o clima, nem os ventos, nem o solo favorecem a laranja.
Ensaiam-se novas experiências. Introduzem-se culturas como a chicória, o ananás, o tabaco e o chá. A paisagem é moldada como o barro de um ceramista, em busca da forma mais apelativa. Nas Sete Cidades, o chá foi introduzido na Seara, em propriedade da família Álvares Cabral, onde reencontramos Dona Judite. Nesta era em que se valoriza o património imaterial, Dona Judite é o repositório de um segredo finito – tratou da última cultura de chá na Seara no Verão passado. Já não deverá fazer mais. Foram 43 anos de trabalho meticuloso, limpando, podando, assistindo ao rebentamento da planta, colhendo a folha, aquecendo-a, espalhando-a em tabuleiros até murchar, torcendo-a, deixando-a fermentar e depois aquecendo-a em forno de lenha, antes da inevitável secagem. É um saber que o Museu Carlos Machado tem registado etnograficamente, no âmbito de um generoso programa de recolha de memórias orais. Dizem-me que os conhecedores percebiam que a planta fora aquecida em forno de lenha – já não fui a tempo… O chá da Seara esfumou-se como muitas das boas ideias que aqui brotaram à força de engenho e imaginação.