A rainha heroína dos belgas filha de uma portuguesa

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A bisavó do rei Filipe, monarca belga que está de visita a Portugal, resistiu à invasão alemã na Primeira Guerra Mundial e salvou judeus na Segunda. O avô dela era D. Miguel, a mãe D. Maria José de Bragança.

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A rainha heroína dos belgas filha de uma portuguesa

A bisavó do rei Filipe, monarca belga que está de visita a Portugal, resistiu à invasão alemã na Primeira Guerra Mundial e salvou judeus na Segunda. O avô dela era D. Miguel, a mãe D. Maria José de Bragança.

Isabel da Baviera, a terceira rainha dos belgas, é homenageada no Yad Vashem, em Israel, por ter salvado judeus durante a Segunda Guerra Mundial, quando era a rainha-mãe, reinando o seu filho Leopoldo III. Mas durante a Primeira Guerra Mundial tinha já dado provas de grande coragem ao acompanhar o marido, o chamado “rei-soldado” Alberto I, no último bastião da resistência belga ao exército alemão, que em 1914 invadira o país. “Eu governo uma nação, e não uma estrada”, terá sido a resposta de Alberto I ao ultimato alemão, que pretendia atravessar a neutral Bélgica para atacar França, contornando as defesas no norte do país. O monarca assumiu o comando das tropas, visitando por muitas vezes a frente de batalha.

“O meu pai e as minhas tias falavam muito desta nossa prima. Isabel foi uma corajosa e culta rainha dos belgas”, diz D. Duarte Pio de Bragança, pretendente ao trono português. O seu pai, D. Duarte Nuno, era primo direito de Isabel, Élisabeth para os belgas. “Aliás, é uma geração de primas muito relevantes da história europeia”, acrescenta D. Duarte, referindo-se a Zita, última imperatriz da Áustria-Hungria, Carlota do Luxemburgo e Isabel Amália do Liechtenstein. Todas, tal como D. Duarte Nuno, netas de D. Miguel, o rei absolutista que perdeu a guerra liberal contra o irmão D. Pedro IV (I do Brasil) e acabou exilado em terras alemãs ainda na primeira metade do século XIX.

Isabel nasceu em 1876, numa Alemanha recém-unificada sob o Kaiser Guilherme I, e era filha de Carlos Teodoro, duque da Baviera, e de Maria José de Bragança. Esta última, embora nascida já com o pai no exílio (onde casara com Adelaide de Löwenstein-Wertheim-Rosenberg) reivindicava o título de infanta de Portugal e muitas vezes é referida pelos historiadores como D. Maria José de Portugal.

Isabel, sobrinha da imperatriz Sissi da Áustria, conheceu o futuro rei dos belgas num funeral e casaram-se em 1900. Alberto não nascera herdeiro do trono, mas algumas mortes prematuras na família fizeram com que fosse ele em 1909 a suceder ao tio, o rei Leopoldo II.

A prova de fogo do novo casal real surge em 1914 com a invasão alemã, com Isabel, embora nascida na Alemanha, a assumir-se como uma verdadeira patriota belga. Os reis permaneceram em La Panne, na Flandres, durante o conflito, na pequena parcela de território belga que os exércitos alemães não conquistaram.

Alberto I morreu em 1934, e Isabel, como rainha-mãe, passou a ocupar um lugar secundário, até porque o seu filho, Leopoldo III, tinha como rainha Astrid, que era muito popular. Mas a mulher sueca do novo monarca morreu no ano seguinte num acidente de automóvel e Isabel teve de voltar a desempenhar funções de Estado, além de ajudar a criar os três netos órfãos de mãe.

Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, e nova ocupação alemã, Isabel decide ficar com o filho no castelo de Laeken, mas os alemães dão-lhe liberdade de movimentos. E consegue assim ajudar a salvar judeus, sendo um dos 1742 belgas homenageados por Israel no Jardim dos Justos entre as Nações, em Jerusalém.

“Na Bélgica, Élisabeth, ou Isabel, é lembrada sobretudo pela coragem e pela forte ligação à ciência e à cultura”, explica J.-M. Nobre Correia, professor emérito de Informação e Comunicação na Université Libre de Bruxelles. O académico português, que viveu 45 anos na Bélgica, sublinha que “ainda hoje o mais importante concurso musical do país tem o nome dessa rainha”. E, salientando o protagonismo da figura, recorda-se da polémica em volta de uma viagem que Isabel tinha feito à China, já no tempo de Mao Tsé-tung, quando as relações diplomáticas entre os dois países só seriam estabelecidas em 1971, seis anos depois da morte da rainha-mãe, em 1965, com 89 anos.

Viajar era outra das paixões da bisavó do rei Filipe, que com a rainha Mathilde visita até quarta-feira Portugal. Esteve na China, mas também no Egito, nos Estados Unidos, na Índia e até na atual República Democrática do Congo, que era uma colónia belga 77 vezes maior do que a metrópole e que se tornou independente em 1960, quando Balduíno, neto que Isabel ajudara a criar, já reinava. A rainha, que falava alemão, inglês e francês, também “percebia um pouco de português, mas só falava algumas palavras”, segundo se recorda D. Duarte, que, além de descendente de D. Miguel, é trineto de D. Pedro IV, via ramo brasileiro dos Braganças.

A herdeira do trono belga é a princesa Élisabeth, ou Isabel, de 16 anos, assim chamada em homenagem à trisavó com sangue português.

Apesar de a Bélgica só existir como país desde 1830, a relação com Portugal vem do século XIII, graças à presença de mercadores portugueses na Flandres. E pouco depois da descoberta do caminho marítimo para a Índia, a feitoria portuguesa de Bruges transfere-se para Antuérpia e durante o século XVI ajuda ao desenvolvimento comercial da cidade, hoje uma das mais importantes da Bélgica. Isabel tinha muitas razões para se orgulhar das raízes portuguesas.