Ilha de Santa Maria. Ascensão e queda da pequena América – Renascença

Um aeroporto mudou a vida de uma ilha, fê-la crescer até ao primeiro mundo. Chegou a ser preciso uma carta de chamada para lá entrar, tal como o visto para os EUA. Mas, assim que a II Grande Guerra acabou e a tecnologia da aviação mudou, voltou a ficar perdida no meio do Atlântico.

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Ilha de Santa Maria. Ascensão e queda da pequena América

18 set, 2018 – 13:00 • João Carlos Malta

Um aeroporto mudou a vida de uma ilha, fê-la crescer até ao primeiro mundo. Chegou a ser preciso uma carta de chamada para lá entrar, tal como o visto para os EUA. Mas, assim que a II Grande Guerra acabou e a tecnologia da aviação mudou, voltou a ficar perdida no meio do Atlântico.

Reportagem Ascensão e queda da pequena América

Uma ilha que tinha poucas dezenas de oleiros a que se juntavam os homens e mulheres que se dedicavam ao campo, numa economia que se fazia à base de trocas, em meia dúzia de anos tornou-se num dos mais vibrantes pontos económicos e culturais: não só dos Açores, mas de Portugal inteiro. Ali as modas chegavam nas asas de um avião e o primeiro mundo passou a estar mesmo ali ao lado. Tudo por causa de um aeroporto.

Em resultado, a população triplicou, Santa Maria passou os 13 mil residentes. A azáfama era tanta que já só entrava na ilha quem tivesse uma carta de chamada. Os EUA e a 2ª Guerra Mundial trouxeram para ali um aeroporto que transformou a ilha de Santa Maria de uma ponta à outra. Nada mais ficou como dantes.

A mudança começa no início da década de 1940 quando os norte-americanos perceberam que precisavam de uma base aérea no Atlântico. Depois de enviarem um avião para sobrevoar todas as ilhas encontram uma planície longa na ilha mais oriental do arquipélago dos Açores. A mais próxima da Europa. Logo fica decidido, tinha que ser ali.

Começam as negociações com o Presidente do Conselho, António de Oliveira Salazar. Mas o homem que liderou o país várias décadas está muito reticente. Portugal é um país neutral no conflito mundial e não quer perder esse estatuto.

É aí que Timor entra em jogo. Uma ligação improvável. Do outro lado do mundo chegou a razão que fez Salazar balançar. Os norte-americanos prometem que no fim da guerra, em caso de vitória, aquele território então na posse dos japoneses voltaria para a jurisdição portuguesa.

Foi o quanto bastou para que o governo português acedesse, mas com uma condição: nada podia ligar os homens nos estaleiros da obra ao exército norte-americano. O pessoal teria de envergar as fardas da Pan American (a principal companhia de aviação da época). Era a forma de tudo parecer a construção de um aeroporto com fins civis.

A aeroporto de Santa Maria foi um ponto nevrálgico nas rotas áereas do Atlântico. Foto: DR
A aeroporto de Santa Maria foi um ponto nevrálgico nas rotas áereas do Atlântico. Foto: DR

Logo ali ficou decidido que Portugal apenas investiria uma ínfima parte do valor da obra, mas ficaria com a infraestrutura mal terminasse o conflito.

No princípio era a pobreza

Foi também o pontapé de saída para o reboliço e para o grande crescimento de Santa Maria. Aida Sousa, agora na casa dos 80 anos, esposa do primeiro diretor da companhia de aviação norte-americana TWA (Trans World Airlines), está sentada no sofá de casa da amiga Maria Helena Costa, também ela com ligações profundas às origens do aeroporto.

Maria Helena é a filha do último diretor do aeroporto de Santa Maria, quando este em 1946 passou para o controlo português. As duas recordam aquilo que entre risos apelidam das “histórias que a história não contou”.

“O que isto foi de espantoso. Não havia água na ilha, não havia luz, não havia comunicações. Apenas um barco de cabotagem que trazia as farinhas e os açúcares e levava barro desta terra”, recorda Aida.

A alguns quilómetros, na praia da Formosa, junto ao pai Eugénio que foi primeiro chefe da área técnica do aeroporto, está João Henriques, que ajuda a verbalizar as memórias do progenitor − já com dificuldades em falar. Também ele lembra a pobreza da ilha.

João Henriques, filho do primeiro responsável pelas trasmissões do aeroporto. Foto: João Carlos Malta/RR
João Henriques, filho do primeiro responsável pelas trasmissões do aeroporto. Foto: João Carlos Malta/RR

“A economia de Santa Maria era uma economia de trocas. Se o meu avô precisava de batatas, ia às freguesias e levava com ele frutas e batatas”, lembra.

São os norte-americanos que vão transformar a economia da ilha em que “não havia dinheiro a correr livremente”. Quando começa a construção do aeroporto “as pessoas de um momento para o outro passam a ter dinheiro e começam a guardar dólares”, recorda.

As estradas eram de terra batida. Morar fora do centro de Vila do Porto, − o coração daquela terra−, era morar quase noutra ilha. Aida lembra bem o atraso cultural daquela povoação, que vivia da agricultura e da pecuária. Ela condensa em duas histórias o fenómeno.

A primeira relata um dos contactos iniciais entre locais e forasteiros. “No primeiro avião que chegou, os soldados americanos fizeram fogo com umas ‘bolas negras’. Aqui os miúdos não sabiam o que era carvão mineral. Eles usavam-no para aquecer as salsichas, que os meninos também não conheciam, tal como as latas de feijão. O que aceitaram foram os cigarros, o que era típico dos meninos de 11/ 12 anos”.

A segunda revela a pacatez de um lugar em que o tempo andava devagar. “Havia um carro em toda a ilha. Era do presidente da Câmara. Lembro-me que a minha sogra me contava que os filhos perguntavam: ‘Podemos brincar na rua?’ E que ela respondia: ‘Podem que já passou o carro do senhor José Leandro’. Veja o que era a ilha, por esta frase”, remata.

A construção

Os norte-americanos chegam com tudo. A ilha muda de cara rapidamente. Eugénio lembra-se de ver os americanos desembarcarem, e que tiveram de o fazer em lanchas porque não havia cais.

O filho João recorda quando chegaram a Santa Maria− já muito rodados a montar infraestruturas em locais onde não existiam − arregaçaram as mangas e puseram “uma cidade de pé em pouco tempo”.

Primeiro criaram um modo muito rápido de fazer transferência dos barcos para terra, através de dois meios: dragas enormes que vinham com camiões pesados; e um sistema de viaturas que subiam a vila pela estrada Birmânia − batizada assim para comemorar a vitória dos EUA sobre os Japoneses naquele país asiático.

Os norte-aemricanos construiram uma mini-cidade em muito pouco tempo junto ao aeroporto. Foto: DR
Os norte-aemricanos construiram uma mini-cidade em muito pouco tempo junto ao aeroporto. Foto: DR

Os norte-americanos trazem também as chapas de zinco para a construção de casas (em forma oval) que perduram quase 75 anos depois, e são aproveitadas agora pelo Governo Regional para alojar as famílias mais carenciadas da ilha. Enferrujadas é certo, mas resistentes ao passar do tempo.

O ex-controlador aéreo do aeroporto de Santa Maria Luís Mesquita ajuda a regressar àquela época. Afirma que ainda há cartas de “como os americanos construíram as vias de acesso”, que são de uma dimensão que “não se vê em muito lado”.

Luís Mesquita, ex-controlador aéreo do aeroporto de Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR
Luís Mesquita, ex-controlador aéreo do aeroporto de Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR

A primeira pista do aeroporto é feita de placas de metal, um espaço provisório onde aterra o primeiro avião na ilha, um MacDonalds Douglas. Mais tarde, aquele espaço ficará com três pistas, uma principal de pouco mais de três mil metros, e duas laterais de menos de mil metros− hoje em dia desativadas.

Mas os norte-americanos não ficaram por aí, era preciso erguer uma cidade que suportasse a presença dos soldados durante o tempo que ali permanecessem. Os passos seguintes foram dotar a zona de uma rede de esgotos, a que se juntaram o sistema de eletricidade, e de abastecimento de água.

O aeroporto é a nova centralidade, que passa a alimentar toda a ilha.

“A vila não tinha água, não tinha luz, o aeroporto é que dava luz e água à ilha”, lembra Maria Helena. Vai ser assim durante décadas até acontecer a municipalização desses serviços.

Maria Helena, filha do primeiro diretor do aeroporto de Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR
Maria Helena, filha do primeiro diretor do aeroporto de Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR

As infraestruturas básicas para uma sociedade florescer, mas que não existiam em Santa Maria, começam a pulular. Nas imediações do aeroporto surgiu um templo de oração com uma particularidade.

“Era um espaço religioso, não era consagrada como católica, era para todos os cultos que viessem e passassem por aqui. Posteriormente passou a ser uma ermida católica, dedicada a Nossa Senhora do Arco”, explica Aida.

Os norte-americanos deixam ainda um ginásio, uma piscina, um hotel, e um Atlântico Cine com 800 lugares. Passadas três gerações mantêm-se de pé. Algumas delas é verdade que já foram reconstruídas por terem ardido ao longo dos anos.

O local em que era feito o controlo dos que chegavam a Santa Maria, conhecido como o "Açucareiro". Foto: João Carlos Malta/RR
O local em que era feito o controlo dos que chegavam a Santa Maria, conhecido como o “Açucareiro”. Foto: João Carlos Malta/RR

António Medeiros, agora dono de uma papelaria no centro de Vila de Porto, era um menino na altura do crescimento do aeroporto, mas ainda se lembra: “Foi a época de ouro, era a América pequenina, as pessoas vinham com uma carta de chamada. Tinham de ter um termo de responsabilidade porque toda a gente queria vir para cá”.

Santa Maria passa a ser uma centralidade. No arquipélago, porque todos os que viviam noutras ilhas e queriam ir para fora, tinham de passar por ali obrigatoriamente. E, porque quando a guerra acabou e aquele espaço se transformou num aeroporto civil, passa a ser o ponto que muitas companhias usam para o reabastecimento de aeronaves ou descanso das tripulações.

Há todo um conjunto de serviços que floresce na sequência da vinda de tantos milhares de pessoas. “Na altura da construção havia que entreter os homens, quando saíam do trabalho podiam ir à vila para se divertirem nos bares, nas casas de meninas ou ir a ourivesarias”, enumera Aida.

No entanto, além dos que vêm de fora, um dos primeiros efeitos do aumento de trabalho na construção é um êxodo interno na ilha. Muitos dos que trabalhavam no campo, na pecuária e na agricultura, mudam-se para o aeroporto. O salário, três vezes maior do que o que ganhavam no campo à jorna, leva a que os poderes locais tenham de tomar medidas. Os campos começam a ficar por cultivar.

As autoridades acabam por colocar um imposto sobre o vencimento dos que trabalhavam no aeroporto para compensar os que ficavam na agricultura, de forma a amenizar as desigualdades. A medida foi bem aceite, conta quem ainda se lembra.

Nem tudo correu bem, a grande invasão de população desempregada, ou que foram trabalhar à jorna criou algumas confusões. O excesso de população começou a trazer roubos, e apareceu uma companhia da GNR em Santa Maria, que implementou um sistema com a PIDE DGS. Houve muita gente que foi presa e depois recambiada para a origem.

Uma mudança do tamanho de um aeroporto

João olha para trás e não tem dúvidas. O aeroporto mudou de forma irreversível o curso da história em Santa Maria.

“Permitiu às pessoas que pudessem sair de uma economia quase feudalista. Deu também a possibilidade frequentar a escola aos filhos, dos que na altura eram adultos. Antes não teriam dinheiro, e isso é uma transformação extraordinária”, recorda o filho de um dos primeiros funcionários da parte técnica do aeroporto e que hoje vive nos Estados Unidos da América.

Frank Sinatra, um dos artistas de renome que passou pelo cinema de Santa Maria.
Frank Sinatra, um dos artistas de renome que passou pelo cinema de Santa Maria.

Os meus avós tiveram de pensar muito bem como é que iam pôr o meu pai a estudar em S. Miguel. As pessoas acreditavam que a educação era a forma de fazer o nivelamento social, mas como é que se ia pagar por isso?”, questiona.

Aida Sousa diz que a abertura de Santa Maria ao Mundo e a passagem de artistas planetários para espetáculos no cinema, como Frank Sinatra, Fred Astaire ou o ator Charles Heston, fizeram a ilha dar um pulo. Os marienses, segundo Aida, eram todos “muito mais evoluídos, muito mais abertos na maneira de ser, na maneira de estar, de conviver e de nos divertirmos”.

“Aquela juventude toda que trabalhava no aeroporto começou a falar inglês”, lembra a esposa do primeiro diretor da companhia TWA.

António, dono da papelaria, também lembra as estrelas que passavam na terra. Umas com quem esteve e nem se apercebeu. “Tive o Hemingway na loja, e só o conheci porque me disseram que era ele. Eu não sabia falar inglês, mas o que ele precisou eu vendi-lhe. Olhe não sabia”, confessa.

António Medeiros, dono de uma papelaria em Vila de Porto, viveu os anos de ouro da ilha. Foto: João Carlos Malta
António Medeiros, dono de uma papelaria em Vila de Porto, viveu os anos de ouro da ilha. Foto: João Carlos Malta

Aida lembra com um sorriso nos lábios que à época era uma “vadia”. Foi uma época muito boémia, em que o Hotel Terra Nostra, agora renomeado para Hotel Santa Maria, tinha uma banda residente. As festas eram o prato do dia.

“Isto era divertidíssimo, era uma pandega pegada, a maior parte das pessoas não tinha as famílias. Tinham a necessidade de se juntar”, afirma.

A liberdade era tão grande que Maria Helena até relembra que a coca-cola, que Salazar proibia no continente, era ali bebida quando se queria e apetecia.

O comerciante António lembra que a passagem de tanta gente na ilha fez aumentar “a cultura”. “Não é que fossemos mais inteligentes, mas tornou-nos mais evoluídos. Eu assisti a isso”, relembra.

“Uma vez numa partida de futebol, um grupo de fora veio cá no 15 de agosto. Estávamos num jogo amigável e vinha uma banda fazer uma charanga. Eles deixaram de tocar para ver o avião. Correram para ver a aterragem, o que para nós era algo de banal”, explica.

Uma porta para o Mundo

Uma ilha em que não se liam jornais e as notícias demoravam a chegar, passa a estar na vanguarda. João Henriques recorda que no clube Asas do Atlântico um grupo de pessoas, do qual o pai Eugénio fazia parte, construíram o primeiro emissor de rádio.

“Eles criaram um emissor com válvulas de 1 kw. Esse emissor começou a transmitir em onda média”, lembra. Passou a ser ouvido em todo o arquipélago.

Também os aviões chegavam dos Estados Unidos com novidades. João não esquece a tia que de regresso da América trouxe o disco “Hello Dolly”, de Louis Amstrong, que tinha saído naquele dia em Nova Iorque.

“Pegou na cópia do disco e trouxe para Santa Maria, e nesse mesmo dia fez-se um programa sobre o disco de Louis Amstrong no clube Asas do Atlântico”, explica João.

Em Santa Maria, todo o crescimento foi planeado. Os bairros estavam estratificados pela categoria profissional dos funcionários e por empresas.

Aida enumera: “Todas as companhias tinham um bairro: a Pan American, a British Airlines, a Esso, a Shell. Essas casas ainda existem, mas estão a cair”.

Essas casas que no passado pertenceram à ANA passaram há já algumas décadas para a Câmara Municipal de Vila do Porto.

“Havia o bairro dos diretores de serviço, o bairro dos operários e o dos chefes intermédios, o bairro dos telegrafistas, e por aí fora”, conta Maria Helena.

Aida interrompe a amiga para dizer que com “essa separação toda a gente vivia bem e em perfeita harmonia.”

A divisão de classes também chegava à diversão. “Os senhores dos bons ordenados fizeram o clube Asas do Atlântico onde havia a messe. Os operários também fizeram o seu clube, onde só iam esses trabalhadores”, explica.

Essa organização desmorona-se mais tarde. Chega o 25 de abril e “toda a gente quer ter os mesmos direitos”.

“Acabaram com a separação de classes por serviços, atenção não era por categorias de nascimento. Acabaram com isso tudo de maneira grotesca. As casas passam a não ser distribuídas por serviço, mas por antiguidade. Um varredor do aeroporto acaba por ir para a casa de um chefe de serviço, porque tinha os mesmos direitos. Humanamente tinha, mas foi uma atitude demasiado brusca para a realidade que nós estávamos habituados a viver”, valoriza Aida ao mesmo tempo que elucida que ela própria tem raízes humildes.

Aida Sousa, mulher do diretor da TWA em Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR
Aida Sousa, mulher do diretor da TWA em Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR

Atualmente parte substancial destas casas são propriedade da Câmara Municipal de Vila de Porto, sendo maioritariamente usadas também como habitação social.

Os anos de ouro da aviação civil

Depois da saída dos americanos, e durante as décadas de 1950, 1960 e 1970, o aeroporto floresce e a ilha também. O documentário “Santa Maria Connection”, que retrata a história do aeroporto, aponta para 300 mil passageiros ano, em 1970.

É a época dourada da aviação civil na ilha, em que cerca de 30 aviões aterravam ali por dia.

Luís Mesquita diz que ali se criou um centro de controlo aéreo muito importante, numa altura em que a aviação estava a começar e tinha de ter ligações permanentes com a terra e as comunicações não eram como são hoje.

“Era mais fácil comunicar com os aviões tendo meios em terra, foram criados meios de rádio de terra para os aviões, o senhor Eugénio está na génese dessa evolução”, conta Luís.

Ana Isabel Mesquita, esposa de Luís e ainda hoje a trabalhar no aeroporto de Santa Maria, socorre-se da história para lembrar que foi esta época em que o aeroporto “começou a ser muito rentável”.

Ana Mesquita, atual responsável da área de operações do aeroporto de Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR
Ana Mesquita, atual responsável da área de operações do aeroporto de Santa Maria. Foto: João Carlos Malta/RR

Os alicerces da Direcção-Geral de Aviação Civil, garante Ana Isabel, bem como do aeroporto de Lisboa, começaram ali. “Ganharam dinheiro aqui e experiência, chamavam este aeroporto a universidade da aeronáutica”.

Mas Santa Maria não teve hipóteses de reagir quando tecnologia, a mudança, o progresso, chegaram todos ao mesmo tempo à aviação.

Adeus, vamos embora

Houve várias companhias de aviação em Santa Maria, e pensava-se sempre que umas sairiam e outras chegavam. Não aconteceu.

Os aviões de grande alcance, a jato, já não precisavam de aterrar na ilha para reabastecer. A autonomia de combustível já lhes permitia fazer viagens transatlânticas. Foi também uma época política muito importante, com a disputa entre ilhas nos Açores para ter as infraestruturas, e que a Terceira ganhou.

Passagem do Concorde, uma das marcas mais importantes do aeroporto de Santa Maria. Foto: DR
Passagem do Concorde, uma das marcas mais importantes do aeroporto de Santa Maria. Foto: DR

“Tudo se foi embora, as casas ficaram desabitadas. Ficámos com cinco mil habitantes”, lembra Aida Sousa.

Foi uma época muito triste, de decadência. “Habituámo-nos a ver os amigos todos a ir embora. Houve uma altura que eu disse: ‘Já não me vou despedir de ninguém’”, afirmou Aida.

A TWA do marido saiu da ilha. Ela diz que foi muito prejudicada e pensa que era “incoerente que se deixasse uma pista destas, porque não havia outra igual”. “Mas pelo conforto de outros passageiros era lógico que fossem para outro lado”, acrescenta.

Nos anos de 1970, a população da ilha caiu vertiginosamente e a qualidade dos serviços decresceu.

Os voos passam de 30 ligações diárias para apenas seis, em média. “São sobretudo voos privados agora. Os aviões são bastante autónomos e querem este aeroporto apenas como alternante. Mas também não temos um hospital, temos um centro de saúde, e as emergências médicas vão para a Terceira que é uma base militar”, explica Ana Mesquita.

O abalo foi grande, e não houve trabalho político para minorar os choques. A ilha que está fora do circuito do triângulo central do arquipélago formado pelo Pico, S. Jorge e Fail. S. Miguel vale por si só.

“Devíamos começar a pensar de outra forma. Talvez os turistas devessem entrar por aqui e visitar S. Miguel, ou na saída passarem por Santa Maria. Mas nunca se promoveu esta filosofia. Estamos fora do circuito”, considera Luís.

Em devido tempo também não foi feito o esforço necessário para que cativar as pessoas a manterem-se na ilha. Poucos dos que ali estiveram deslocados lá ficaram. O efeito multiplicador que podia ter com nascimentos, compra de casa, e novos trabalhos faria a diferença, acredita-se em Santa Maria.

O futuro

Mas nem tudo são nuvens negras sobre Santa Maria. A corrida ao espaço é o novo desígnio da ilha.

Já conta com a Estação de rastreio de satélites da Agência Espacial Europeia, a Estação Galileu (monitoriza o sinal e posicionamento desta rede de satélites), uma estação geodésica (RAEGE), e agora vê nascer a nova estação da Organização Europeia para a Exploração de Satélites Meteorológicos.

A última notícia conhecida sobre este tema relata a existência de um segundo relatório, desta vez da Agência Espacial Europeia, que sinaliza a ilha como um local privilegiado para lançar pequenos foguetões que levem para o espaço (também pequenos) satélites.

Há um par de meses, oito técnicos da ESA estiveram em Santa Maria para avaliar as condições existentes para num espaço próximo do aeroporto encontrar um local de aterragem do Space Rider.

Trata-se de um pequeno vaivém da ESA, cujo primeiro lançamento está previsto ser realizado durante o segundo semestre de 2021.

“Estamos numa corrida ao Espaço e estes são sinais muito positivos para o desenvolvimento da área espacial nos Açores e para o posicionamento da Região nesta nova Era do Espaço na Europa”, afirmou em abril o secretário regional do Mar, Gui Meneses.

Também Luís Mesquita diz que o futuro se vai escrever com o Espaço.

“Há os projetos do Space Rider e o lançamento dos satélites, penso que o futuro do aeroporto vai passar um pouco por aí. Se Santa Maria for um centro tecnológico relacionado com o espaço vai haver muito movimento o aeroporto. Isto pode dar uma nova vida ao aeroporto e à ilha toda”, remata.


Nota: foto de abertura cedida por Victor Medeiros.