Cristóvão Colombo, o enigma português – Por Vitor Manuel Adrião «Lusophia – Vitor Manuel Adrião Lusophia – Vitor Manuel Adrião

Lisboa – 600 anos de Porto Santo, 10.7.2018 Com três caravelas conquistarei um reino que não é o meu. (Palavras de Cristóvão Colombo, reveladas por Henrique José de Souza) Assim foi, …

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Cristóvão Colombo, o enigma português – Por Vitor Manuel AdriãoDomingo, Ago 12 2018

Lisboa – 600 anos de Porto Santo, 10.7.2018

Com três caravelas conquistarei um reino que não é o meu.

(Palavras de Cristóvão Colombo, reveladas por Henrique José de Souza)

Assim foi, com a esquadra formada pela nau capitania Santa Maria (com 100 tonéis e 40 tripulantes), a nau Pinta (com 55 tonéis e 26 tripulantes) e a nau Niña (com 60 tonéis – tonel é a medida náutica de capacidade – e 24 tripulantes), às duas horas da manhã de 12 de Outubro de 1492 apresentando o Novo Mundo ao Mundo.

Acerca da Epopeia Marítima dos Portugueses em Quinhentos, Gesta Dei per Portucalensis, divisa manuelina dada à empresa da Ordem de Cristo e a sua Escola Náutica única na Europa, pela documentação histórica e testemunho iconológico dado à luz da estampa por eminentes investigadores, muito já se sabe. Ainda assim, de todos destaca-se na obscuridade do tempo uma personagem de que se insiste manter no contraditório, motivo do seu envolvimento na bruma espessa do enigma, documentação essa referente ao mesmo não raro inconsistente e contraditória, quando não inventada, como foi o caso dos tristemente famosos “documentos” de Pontevedra, Galiza, forjados em 1914 por Enrique de Arribas y Turull. Refiro-me a Cristóvão Colombo (1451-1506).

Do muitíssimo que sobre ele já se disse e escreveu, permeio a apaixonadas polémicas acesas, em que entram genoveses, espanhóis, galegos e portugueses desde os finais do século XIX, com a introdução recente dos estudiosos ingleses e norte-americanos na discussão colombina, a verdade é que, apesar de todos esses esforços, mantém-se aparentemente indecifrável a origem ou naturalidade, assim como os lances principais de sua vida, não raro perspectivados controversos e contraditórios, sobre quem era e que missão teria Cristóvão Colombo, ou Colón no espanholado, apesar do seu significado diverso de Colombo, posto serem escassos os dados biográficos acerca dele, e quanto se respiga aqui e ali nos mesmos é sempre susceptível de leituras diversas, igualmente, não raro, controversas e contraditórias. Com tudo isso, mesmo assim teima em permanecer acima de tudo o mais o halo de sobrenatural e mistério envolvente da pessoa e vida do almirante, indo inflamar ainda mais a polémica.

Primeiro acreditou-se ter ele nascido em Génova, Itália, de origens humildes, filho de um obscuro alfaiate e ele próprio um simples grumete que inexplicavelmente se tornaria almirante e se casaria com uma nobre portuguesa, mesmo se sabendo que a marinha genovesa durante séculos fora somente de navegação com terra à vista, isto é, costeira, famosa pelas suas acções de corso e pirataria que deu (má) fama ao Veneto que posteriormente, só no século XVI após as empresas das descobertas marítimas portuguesas, se tornaria empório comercial; a seguir, acreditou-se que Colón teria nascido em Castela, de raízes judaicas e com foros tardios de nobreza, hipótese que logo passou à Galiza e veio a ser desmentida, quando se provou que os documentos sobre a mesma haviam sido inventados no começo do século XX. Logo que foi denunciado o logro, a autoria galega ficou desacreditada, como igualmente as hipóteses castelhana e genovesa, graças ao douto e creditado português da época, o dr. Patrocínio Ribeiro, que foi quem iniciou a escola portuguesa de estudos colombinos. Com tudo isso, em plena confusão documental, a forjada e a não forjada, onde o dédalo dos políticos de vários países interessados pretendia para si a exclusividade da origem da pessoa de Cristóvão Colombo, por exclusivos motivos de prestígio nacional conformados às políticas vigentes, os estudiosos do tema acabaram chegando a nenhuma conclusão definitiva.

Manteve-se o enigma, espécie de esfinge irritante ante a impaciência contínua do inquirido não sabendo que resposta lhe dar. Qual era a origem de Cristóvão Colombo? Qual era a sua verdadeira missão? E, sobretudo, quem ele era realmente?

Irei esboçar neste estudo algumas ideias contributivas, sem pretensões a definitivas e tão-só contributivas, à decifração do “enigma Cristóvão Colombo”. Ao par da cronologia historiográfica disporei a sua fácies oculta, sagrada e iniciática, pois nela poderá estar, como tentarei esboçar, a chave deste enigma secular.

Começo pelo elogio e referência obrigatória ao primeiro autor português que iniciou escola colombina: o já citado dr. José do Patrocínio Ribeiro (Ericeira, 9.7.1882 – Lisboa, 2.12.1923), que postumamente, em 1927, seria publicado o seu precioso livro referente ao tema colombino e, por quanto sei, ter sido o primeiro devidamente ordenado em letras impressas pelo sistema bilíngue português-inglês, iniciativa do autor decerto para universalizar a sua tese. É obra rara mas que foi posteriormente a 1927 seria reeditada[1].

No ano imediato, 1928, um seu condiscípulo no tema colombino, Manuel Gregório Pestana Júnior (Porto Santo, 16.8.1886 – Porto Santo, 19.8.1969), deputado e Ministro das Finanças de um dos governos da 1.ª República Portuguesa e que teve papel relevante na Revolta da Madeira (também referida como Revolta das Ilhas e Revolta dos Deportados, levantamento militar contra a Ditadura Nacional (1926-1933) ocorrido entre de 4 de Abril a 20 do mesmo mês de 1931), iniciado na Maçonaria em 1913 ingressando na Loja Revolta, de Coimbra, com o nome simbólico de Bakunine, também ele publicou um livro dedicado ao assunto, muito pouco conhecido mas do qual me satisfaço em possuir um exemplar rubricado pelo autor[2].

Essas duas obras pioneiras viriam a ser rematadas magistralmente pelo professor Mascarenhas Barreto em 1988, num livro de grossura razoável onde procurou provar, por exaustivo cardápio documental e assentando a sua tese na Cabala judaico-cristã, nomeadamente a Gematria[3], ter sido português o almirante Cristóvão Colombo[4]. Mais recentemente, no seguimento do anterior, tem-se a magnífica investigação e divulgação colombina realizada pelo dr. Manuel da Silva Rosa, açoriano de Madalena do Pico nascido em 1961, em várias partes do país e do mundo[5].

Contudo, para o reconhecimento merecido ir para o seu legítimo donatário, quem mais aprofundou e clareou o esoterismo colombino, em três textos magistrais, foi o fundador da Sociedade Teosófica Brasileira (1928-1969), Professor Henrique José de Souza (São Salvador da Bahia, 15.9.1883 – São Paulo, 9.9.1963)[6], polígrafo de raro talento com uma vida toda ela ao serviço incondicional da Cultura e do Espírito.

Ainda segundo Mascarenhas Barreto (Augusto Cassiano Neves Mascarenhas de Andrade Barreto, Lisboa, 27.1.1923 – Lisboa, 3.1.2017), prosseguindo a tese iniciada por Patrocínio Ribeiro, Cristóvão Colombo era filho (bastardo? – pergunto eu) do Infante D. Fernando, Duque de Viseu e de Beja, Mestre da Ordem de Cristo, e terá nascido no Baixo Alentejo, na herdade do Monte dos Columbais, perto das vilas de Colos, freguesia de Vale de Santiago, em Cuba, no concelho de Odemira, suspeição já levantada muito antes, em 1926, pelo eminente galego D. Ricardo Beltrán y Rózpide, presidente da Comissão da Casa das Índias e da Academia Real de História[7]: “que o descobridor da América não nasceu em Génova e que foi oriundo de algum lugar da terra hispânica, situada na banda ocidental da Península, entre os Cabos Ortegal e São Vicente”, isto é, entre o extremo Norte da Galiza e o extremo Sul do Algarve. É precisamente na citada herdade alentejana que os autores portugueses instalam Colombo, servindo-se dos indícios e provas que têm recolhido. O próprio Paolo Toscanelli, célebre cosmógrafo italiano que se corresponde com ele, em carta dirigida de Génova a Lisboa, datada de 1474, fala entusiasticamente de Portugal e trata o almirante por português. Diz: “Não me surpreende, pois, por estas e muitas outras coisas que sobre o assunto poderiam ainda dizer-se, que tu, que és dotado de uma tão grande alma, e a mui nobre nação portuguesa, que em todos os tempos tem sido sempre enobrecida pelos mais heróicos feitos de tantos homens ilustres, tenhais tão grande interesse em que essa viagem se realize”[8].

Em Abril de 1507 é publicado o Mapa de Waldseemüller ou Universalis Cosmographia, da autoria do cartógrafo alemão Martin Waldseemüller, onde aparece pela primeira vez a palavra América e adicionando no seu segundo mapa, além de uma caravela portuguesa, a indicação de que “Colombo era um capitão português”[9].

Dos seus dois filhos, Diogo e Fernando Colombo (em castelhano, Diego e Hernando Colón), este último, radicado em Espanha, primeiro manifesta estranheza sobre o total desconhecimento da naturalidade de seu pai, e a seguir contrapõe com as seguintes palavras flagrantes, na sua obra biográfica Historia del Almirante: “Ele quis que fosse desconhecida e incerta a sua origem e pátria”[10]. Isto, dentre outras razões, pressuponho, talvez por causa da lei do segredo de Estado que então dominava, em razão das políticas socioeconómicas geradoras de controvérsias e hostilidades entre portugueses, espanhóis e genoveses, os principais interessados na descoberta e conquista marítima de novas terras, consequentemente, tomando para si ainda maiores riquezas. Como Portugal estava à dianteira do processo, logo tudo quanto fosse português era abertamente hostilizado pelos adversários, e assim terá convido ao almirante esconder, por motivos políticos, essa sua pressuposta naturalidade portuguesa, para isso tendo inclusive criado “blagues” em volta da sua origem verdadeira, indo adoptar a língua castelhana como oficial – em cujas cartas denota-se indisfarçavelmente entrecruzar as línguas espanhola e portuguesa – pela mesma razão estatal da lei do sigilo, e igualmente por ter sido bem acolhido na corte dos reis católicos, Fernando e Isabel, a cujo serviço esteve após ter fixado domicílio no país vizinho, em 1486. Em casa alheia adotam-se os costumes dos hospedantes, assim mandam as regras da boa educação e ética dos países civilizados, como prevalece até hoje. Tendo o retratado contraído matrimónio, em 1479, com Filipa Perestrelo Moniz, filha do navegador Bartolomeu Perestrelo, como informam os autores portugueses, descobre-se que:

a) Pedro Álvares Cabral, descobridor oficial do Brasil, casou-se com Isabel de Castro, neta de Isabel Perestrelo (mãe de Filipa Perestrelo), pelo que, por afinidade, era primo de Cristóvão Colombo;

b) Luís Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas, era bisneto de João Vaz de Camões, irmão de Gonçalo Vaz de Camões, avô do marido de Inês Dias da Câmara, e como esta era meia-irmã de Cristóvão Colombo, este era, por afinidade em terceiro grau ascendente, parente do poeta épico;

c) Vasco da Gama era bisneto de Estêvão da Gama, tio de Guiomar Vaz da Gama, portanto, seria tio-avô de Luís Vaz de Camões, que o tornou personagem principal da sua obra épica. Como a mesma Guiomar Vaz da Gama era tia-avó de Lopo Vaz de Camões, casado com Inês Dias da Câmara (meia-irmã de Cristóvão Colombo), o descobridor do caminho marítimo para as Índias Orientais era parente do almirante das Índias Ocidentais[11].

Se porventura – como se verá mais adiante – Cristóvão Colombo seria da família Zarco, tal poderá explicar o seu interesse familiar em fixar-se na Ilha de Porto Santo, a primeira a ser descoberta ainda na Gesta Henriquina, em 1418, e descoberta por um Zarco: João Gonçalves Zarco, juntamente com Tristão Vaz Teixeira. Passados escassos oito anos, o Infante D. Henrique nomeou Bartolomeu Perestrelo (c. 1400 – Porto Santo, c. 1457), de antecedente italiano (Placência) mas nascido na freguesia de Santa Marinha de Lisboa, Mestre da Ordem de Cristo ao serviço da Casa do Infante, o primeiro Capitão Donatário de Porto Santo, em 1426, tendo iniciado o povoamento da ilha com o apoio da Ordem Franciscana em 1428.

Aquando do povoamento, segundo uma memória antiga reproduzida no Elucidário Madeirense do padre Fernando Augusto da Silva em parceria com Carlos Azevedo de Meneses, obra editada no Funchal em 1921 e depois reeditada em vários volumes em 1940, Bartolomeu Perestrelo levou consigo uma coelha prenha que acabou escapando, cujos descendentes “povoaram” a ilha depredando a sua vegetação. Isto é lenda, mas é lenda ocultando algo mais simbolizado na coelha ou coelho, já de si símbolo lunar de fecundidade. Poderá referir-se à possibilidade de Bartolomeu Perestrelo ser um “cristão novo” (judeu convertido). Com efeito, o onomástico hebreu Sepharad era dado à Península Ibérica como “Terra de Coelho”, e dele deriva o de Sefardita, o judeu ibérico, cultor de heterodoxias judaicas englobando o messianismo e as ciências herméticas a que este Capitão Donatário não terá sido alheio, nem que fosse por herança do seu avô-paterno Gabriel Palastrelli, italiano de Placência fixado em Lisboa onde era afamado astrólogo, além das suas relações próximas com o tio do Infante D. Henrique, o rei D. Afonso V, que igualmente era um cultor das ciências herméticas de que deixou um Tratado Alquímico sobre a Pedra Filosofal, que já publiquei várias vezes. Não terá sido ele alheio nem os que o acompanharam no povoamento da ilha, observando-se muitos costumes semitas na sua população, onde “todos são primos e primas”, e até nos hábitos gastronómicos, onde o bolo de caco, por exemplo, apresenta severas semelhanças com o pão de pita dos semitas.

Afigura-se-me impossível negar que os antecedentes italianos de Bartolomeu Perestrelo não tenham servido para depois inventar, no século XIX, o mito da origem genovesa de Cristóvão Colombo.

Do quarto casamento de Bartolomeu Perestrelo, cerca de 1450, com Isabel Moniz, que após enviuvar chegou a ser donatária de Porto Santo por curto período, nasceu a filha Filipa Perestrelo Moniz (c. 1455 – c. 1484), que casaria com Cristóvão Colombo por volta de 1479. Viveram na casa da família Perestrelo em Porto Santo, onde nasceria o seu primogénito, Diogo Colombo, nos fins de 1479 ou inícios de 1480. Enquanto donzela, Filipa Perestrelo Moniz viveu com uma das doze “donas” do Mosteiro de Santos-o-Velho, comenda feminina da Ordem de Santiago, em Lisboa[12]. Se bem seja afirmado como plausível que Filipa Moniz faleceu e foi sepultada na Capela da Piedade no Convento do Carmo[13], em Lisboa, também há quem conteste e afirme que ela faleceu e foi sepultada ao lado do seu pai na Matriz da Piedade, em Porto Santo, ou então na Sé do Funchal[14]. A Matriz de Porto Santo está muito alterada e falta-lhe muitíssimo do original, quase tudo, túmulos incluídos; a Sé do Funchal, muito melhor conservada, mesmo assim não revela qualquer túmulo relacionado à pessoa da nobre esposa do almirante português que deu o Novo Mundo ao Mundo.

É estranho, estranhíssimo que a esposa não esteja sepultada ao lado do esposo, seja em Sevilha, seja em Génova, e fique só na última morada em solo português. Ora, isso não confere com quaisquer pretensos antecedentes sevilhanos ou genoveses, seja qual for o pretexto, desde o mais elaborado ao mais simples, muito menos ainda era possível um plebeu de origens humildes – fosse sevilhano, genovês ou português – que misteriosamente chegou a almirante, casar com uma nobre portuguesa próxima da coroa: “As regras do tempo mostram-nos que um plebeu nunca se casava com uma nobre, pelo que a origem de Colombo é assaz duvidosa”[15].

Mas pretexto maior será o do posicionamento geográfico privilegiado de Porto Santo a 33º de latitude norte, de cujo ponto mais elevado, o Pico do Facho, irradiam-se as linhas de orientação para três blocos continentais – Europa, África, América – a que este “ponteiro” não foi insensível na partilha do mundo em Tordesilhas (7.6.1494), o que já antecedia em previsão o acontecido entre Portugal e Espanha, com a “parte de leão” para os portugueses, exclusivos conhecedores das navegações de mar de longo, não raro repassando aos nuestros vecinos informações truncadas na cartografia.

O Pico do Facho do Quinto Luzeiro que alumiaria a rota marítima de Colombo, arauto do mesmo Luzeiro (Vénus), indo lançar os alicerces de uma nova civilização num novo mundo.

A famosa sigla com que Colombo se assinava na carta ao seu filho Diogo, fechada em Sevilha a 29 de Abril de 1498, parece ser a que contém, dentre outros elementos mais, tanto o seu verdadeiro nome como a sua verdadeira origem, tanto no conspecto histórico como no esotérico, nisto utilizando a criptografia cabalística, a qual por si só, inquestionavelmente, assinala o almirante como um hermetista.

O ilustre investigador Afonso Dornelas (possível descendente de um irmão do navegador João Gonçalves Zarco), ao examinar a sigla do almirante, verificou que o traço oblíquo terminal precedido de um ponto se chama colon, tanto em português como em castelhano. É o sinal gráfico de pontuação separador de frases num mesmo período, a que os antigos chamavam separador “imperfeyto” e os modernos chamam correntemente de “ponto e vírgula”, sendo o “perfeyto” os “dois pontos”.

Como Xpõ, no diminutivo grego, significa “Cristo”, e como ferens, em latim, indica “aquele que leva, que transporta”, Afonso Dornelas concluiu que a sigla criptográfica deveria indigitar um nome. Traduzindo “Cristo-ferens” por Cristóvão e juntando-lhe o sinal colon (./), obteve: Cristóvão Colon[16].

Na continuação dessa análise mais criptográfica que paleográfica, o investigador Saul Santos Ferreira, ilustre poliglota e hebraísta português, verificou que o caracter gráfico ./ (colon ou “ponto e vírgula”) correspondia ao sinal < (aspa) da escrita hebraica, denominado zarga, zargo ou zarco.

Ora, Zarco é o apelido português celebrizado pelo já referido navegador João Gonçalves Zarco, que ao serviço do Infante D. Henrique, juntamente com Tristão Teixeira, descobriu o Arquipélago da Madeira (Porto Santo, 1418; Ilha da Madeira, 1419)[17], vindo a ser nobilitado com o sobrenome de Câmara.

Um dos mais íntegros genealogistas do século XVII, Alão de Morais, alude a um rumor de que o nome zarco poderia provir da mutação da palavra zargo, significando “vesgo”, pelo que o apelido se deveria a uma alcunha resultante de um defeito ocular[18].

Essa dedução, com base num rumor não fundamentado, está vazia de base filológica, pois ainda que a palavra significativa de “vesgo” ou “zarolho” seja zargo, já zarco adjectiva expressamente uma pessoa que “tem os olhos azuis claros ou garços”, provindo do étimo árabe zarcá[19].

O investigador Saul Santos Ferreira considerou, coerentemente, que Cristoferens nada tinha a ver com São Cristóvão, o qual, segundo a lenda hagiográfica, transportara aos ombros o Menino Jesus de uma margem para outra de um rio caudaloso. Concluiu que, na linguagem da primitiva Igreja Moçárabe da Hespanha, a palavra Cristóbal significava “Cristo Senhor”, correspondente à própria pessoa do Salvador. Para ele, a sigla deveria exprimir:

“Cristo salve, Maria salve, José salve”, é expressão equivalente a “Cristo, Maria et Joseph consalvis”. Desta maneira, deparava-se-lhe a palavra consalves, ou seja, gonçalves.

Santos Ferreira considerou Xpo ferens como sendo Salvador, os três SSS como Gonçalves, e ./ como Colon, Zarco, obtendo assim o nome civil do almirante das Índias Ocidentais: Salvador Gonçalves Zarco[20].

Interpretado dessa maneira, X M Y expressa a Cristo-Maria-Yoseph, Joseph ou José, trilogia que serviu de “santo-e-senha” entre os trinitários fundados por São João da Matha e São Félix de Valois em 17 de Dezembro de 1198, que inicialmente antes de terem Regra própria adoptaram a de São Bento, dos quais talvez fosse donato ou irmão benfeitor o mesmo Cristóvão Colombo (nisso podendo encontrar-se a justificativa do seu nome no grego Kolon, “membro, parte, partícipe”), ademais tendo sido a Cruz Trinitária quem enfunou as velas das naus capitaneadas por ele na rota certa do continente americano. Além disso, terá, tal como a Ordem da Santíssima Trindade, em diminutivo Trinitária, perfilhado da ideia messiânica das três Idades do Mundo já propalada no século XII por um outro beneditino mas da Regra de Cister: o abade Guioacchino do mosteiro da Fiore, na Calábria, ou seja, Joaquim de Flora. Colombo chega mesmo a assumir-se joaquimita confesso, como atestam os seus escritos, ou antes, os documentos que fez reunir para servirem de prova aos seus pontos de vista. Constituem parte dos mesmos trechos de João Rupescissa da Roca Talhada, condenado por heresia nos meados do século XIV[21].

O ideal paraclético e parúsico, portanto, futurista, dos trinitários, avizinhava-os ideologicamente dos bernardos e dos franciscanos “beguinos”, e inclusive dos carmelitas no que possuem de hipertúlico, e por seu pendor de expansão, centrífugo próprio para criar diáspora extracontinental, mesmo reservando-se na desculpa da sua principal missão ser a de resgatar cristãos escravos na África, desde muito cedo travaram-se de boas relações com a Ordem Militar de Nosso Senhor Jesus Cristo, vulgo Ordem de Cristo (sucessora directa e herdeira universal da Ordem dos Templários), sendo a própria signa cruzia da sua instituição muitíssima idêntica à pátea Templária, milícia esta que também portou o nome de Cavaleiros Pobres de Cristo e da Santíssima Trindade (Pauperes Comilitones Christi Santaeque Trinitatis). Ademais, aquando do processo de legalização da Ordem de Cristo, quem o coordenou foi um trinitário, frei Estevão de Santarém, pregador e confessor da rainha D. Isabel e do rei seu marido, D. Dinis. Aos seus conselhos, intercessão e indústria, escreveu frei Manuel da Esperança, se atribui justamente parte notável da glória que rendeu a Portugal a fundação desta Ordem[22].

Não terá sido mero acaso, perante as evidências já expostas, o facto das primeiras ilhas ameríndias avistadas pelo almirante serem batizadas com os significativos nomes de San Salvador, Cuba e a cidade de Trinidad, além de batizar uma enseada e um rio recém-descobertos com dois nomes inconfundíveis: Puerto de Santa Maria de Belen e Rio de Belen, que é dizer, o Rio Tejo defronte a Santa Maria de Belém, por esse tempo povoado arrabalde ao ocidente de Lisboa.

Em outras e vastas toponímias dadas às terras recém-descobertas, há ainda mais indícios sobre a pressuposta origem portuguesa do almirante. Por exemplo: Vale del Paraizo – foi em Vale do Paraíso, povoação próxima de Vila Franca de Xira, que Cristóvão Colombo foi recebido por D. João II de Portugal, e onde esteve hospedado três dias, em Março de 1493, quando, vindo do regresso da descoberta do Novo Mundo, intencionalmente arribou a Lisboa. Isla de San Juan BautistaSão João Batista, paróquia de Beja desde 1320. Castillo Verde foi a primeira fortaleza fundada por Colombo na América – indo identificar-se à toponímia de Castro Verde, ao sul de Beja. Cabo de San VicenteCabo de São Vicente, no extremo ocidental da província do Algarve. Por aqui fico, para não me alongar demasiado na similitude das toponímias lusa e castelhana e correr o risco de maçar o leitor…

Cristóvão Colombo – “Aquele que transporta a Pomba do Cristo” – tão-só é o nome sacramental e não cartorial, portanto, simbólico, do Iniciado que foi, ficando assim conhecido para a posteridade, enquanto o nome batismal ficaria oculto em cifra gemátrica que, solucionada, desvelaria o seu de joaquimita confesso, possivelmente ligado ainda a um Instituto muitíssimo mais secreto: a Ordem de Mariz, a quem em Espanha a de Santa Maria de Montesa (de função idêntica à de Cristo portuguesa) deu cobertura exterior.

Referindo-se a Saul Santos Ferreira e ao ilustre genealogista António Ferreira Serpa, comentadores da obra de Dom Tivisco intitulada Salvador Gonsalves Zarco, o Professor Henrique José de Souza adiantou[23]:

“Não se deve esquecer que ambos os comentadores do livro por nós citado procuram provar que Salvador Gonçalves Zarco era de origem portuguesa, por isso mesmo, embora tão valioso trabalho que a outros supera, além do mais por se servir da mais preciosa de todas as chaves, que é a filológica, bem longe está de expressar toda a verdade, ou seja, aquela por nós apontada: a de que Colombo era de “origem aghartina”, no que diz respeito à sua maternidade, pouco importando que o pai tivesse sido um nobre de sangue ao mesmo tempo português e castelhano, para fazer jus à “descida das Mónadas ibéricas”, através do chamado “Itinerário de Ió”, que deveriam formar a nova civilização ameríndia, cujo fenómeno é completado por uma outra misteriosa personagem, também de “estirpe aghartina” (pouco importando o que diga a História a seu respeito), ou seja, Pedro Álvares Cabral. Donde intitularmos a sua missão de `Codicilo do Testamento Espiritual de Colombo ao Mundo´.”

Quanto à afeição devocional do almirante ao Divino Espírito Santo, o Professor H. J. Souza também a refere com o seu raro talento e preciosa pena[24]:

“O Espírito Santo, manifestado em todas as religiões, lendas e tradições, é a Ave Sagrada da Sabedoria Divina. E, como tal, representa o Terceiro Logos. É a Voz que vem dos Céus e se manifesta na Terra como Palavra. A sua Morada é o Sanctum-Sanctorum da Mãe-Terra, Mater-Rhea ou Matéria. Algo assim como se disséssemos que o Espírito aí se une com a Matéria.

“Em nosso artigo dedicado a Colombo, ao estudarmos a sua sigla e brasão, citámos a saudação que o mesmo nela fazia, seja ao Espírito Santo (em forma de Pomba), como a Maria, em forma de Água, Mar, etc. Mesmo porque Maria provém de Mar, as Águas, etc. E a prova é que nas pias de água benta dois MM entrelaçados se encontram por cima delas, não apenas para simbolizar o nome de Maria mas também para expressar o signo de Aquário.

“E como Colombo pertencesse à Ordem de Avis (anteriormente houve uma outra mais secreta ainda, com o nome de Maris), o que nos obrigou a fazer os “iniciáticos trocadilhos” que se seguem: Ave, Maria! Ave, Espírito Santo! – dizia Colombo na referida sigla. Enquanto nós outros: Ave Maris, Aves Marinhas, Avis raris in Terris! De facto, o “Grande Navegador Aghartino ou Jina” não passava de Ave rara na Terra. O seu nome provém de Columba, a Pomba de todas as Iniciações, o Espírito Santo das homenagens divinas. Do mesmo modo que em grego chamando-se ele Christoferens Columbus, é “aquele que carrega consigo o Cristo”. Donde a lenda de São Cristóvão “que carregava, de um lado ao outro do rio, as pessoas que dele necessitassem, até que um dia carregou o próprio Menino Jesus”. O sentido verdadeiro, entretanto, dessa passagem “de um lado ao outro”, é aquele de salvar as almas, conduzindo-as ao Céu, do outro lado da Vida. Donde o termo pontífice, ou “construtor de pontes”, que é muito mais antigo que o Cristianismo.”

Esses dois excertos de estudos do Professor Henrique José de Souza poderão explicar alguns dos enigmas ensombrando a figura de Cristóvão Colombo, a começar por aquele de querer manter incógnita a sua verdadeira origem, apesar de em dado momento ter se declarado natural de Génova, todavia ocultando os nomes do seu pai e da sua mãe, não se sabendo quem foram. Não creio que tenha mentido nem criado uma qualquer “blague” nova, antes lançando a jogo uma “charada iniciática”, feita não em Génova, onde não existe qualquer sinal plausível da sua presença aí, mas possivelmente em Lisboa e com o encobrimento de um italiano seu amigo radicado na capital do país: Lorenzo Giraldi, comerciante e intermediário entre ele e Paolo Toscanelli, comerciante e cartógrafo que cedeu várias cartas marítimas a Colombo, que assim soube quanto os italianos conheciam do mar de longo (mar alto) e das ilhas que nele haviam. Quanto ao pressuposto da sua “origem genovesa”, isso é expressamente alegórico e de claro sentido iniciático, senão repare-se: Génova fica, obviamente, na Itália, e sendo a Itália os “pés” da Europa, essa parte do corpo continental, tal como do humano, é astrologicamente regida pelo signo dos Peixes, estes que são o signo natal de Portugal. Génova é vizinha de Veneza ou, em transliteração livre, Vénus, que sendo “planeta do amor”, de natureza feminina, no seu mais alto sentido expressa a Mãe Divina, Universal[25]. Vénus também rege, diz a Tradição Iniciática das Idades, Lisboa e Sintra, esta consignada como Montanha de Eleição da Soberana Ordem de Mariz, deificamente afim à Hierarquia Celeste dos Arqueus ou os venustos Kumaras, com os quais Colombo seria um junto com Cabral, cuja essência espiritual de ambos, desde Quinhentos, coroa o cume da árvore genealógica dos deuses, santos e heróis da Raça dos Lusos.

Ainda sobre Veneza, tive ocasião de proferir numa carta reservada escrita para São Lourenço de Minas Gerais do Sul, Brasil, em 7.06.2005: “Veneza tem relações íntimas com Lisboa, inclusive no aspecto astrológico. Estando ambas as cidades sob a égide de Vénus, ainda assim Veneza tendo por ascendente o Leão (de São Marcos, do latim Marcus, que é o mesmo Macara sânscrito, cuja catedral é o omphalo ou ponto central da cidade), enquanto Lisboa ascende ao planeta Júpiter (dos Peixes, expressados nos mesmos do Tejo).

“Durante muito tempo a gôndola foi o principal meio de locomoção pelos canais de Veneza (em Portugal, e da mesma maneira, temos Aveiro…), todos eles desaguando na grande laguna a que se liga a lenda do misterioso dragão ou crocodilo habitando nas suas profundezas. Mas esse último é simbólico de Macara ou Makara, por habitar tanto na terra como na água, o que vai bem com a natureza psicomental desse mesmo Ser de desempenho primordial na Criação.

Quanto ao onomástico gôndola, divide-se em gundu (alemão), “intrépido”, e dôia ou gôla, do alemão wurm, “serpente”. Portanto, representa a “serpente intrépida” vogando sobre as profundezas drágonas da laguna, na realidade e pelo formato da barquinha, expressando a própria Lua com a sua órbita serpenteante em volta da Terra, a cujas águas e comoções ela assiste, transformando-as nas etéreas das volúpias amorosas de Vénus, de cujas energias é “espelho” para a Terra. Mas gundu ou guntu também significa “guerreiro”, no mesmo dialecto alemão. Tal “guerreiro” é representado pelo gondoleiro com a sua espada, ou melhor, remo arrastando a barquinha por águas seguras… para que não encalhe… no lodo doutros remos ou Ramos de Raças lunares, mais passionais que mentais. Assim, o conjunto expressa o Divino Kartikeya ou “Guerreiro Celeste” na sua Barca levando ao casal Enamorado (Arcano VI, o Andrógino em separado) ao Porto Seguro da Felicidade de um novo 5.º Sistema ou Ronda de Evolução Universal, exactamente o de Vénus, alter-ego do Globo em que vivemos e temos o ser.”

A sua devoção e culto ao Divino Espírito Santo e à Santa Virgem, ou melhor (por que não dizer?), a obediência que devia à Ordem de Mariz, levou o almirante a conduzir a sua esquadra chefiada pela nau Santa Maria, no regresso da sua primeira viagem e talvez causando estranheza à maioria dos expedicionários, invés de directamente às ilhas Canárias sob domínio de Castela[26], ao arquipélago dos Açores, domínio português. Aqui, na ilha de Santa Maria, entrevistou-se com o seu governador, o capitão D. João Castanheira, antigo cavaleiro da Ordem de Avis passado à de Cristo, comprovado protector dos trinitários e franciscanos, pois que foram estes a povoar em primeira mão os Açores, levando o Evangelho Eterno guarnecido pelas Armas Temporais de Cristo. Há, inclusive, uma ilha açoriana dedicada à memória dos trinitários: a Terceira, não só por ser a terceira ilha do arquipélago a ser descoberta mas também, sobretudo, por evocar a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade: o Divino Espírito Santo.

Em Santa Maria, onde ordinariamente se diz o almirante ter sido mal recebido, mas o mais certo terá sido o mal percebido pelos seus pares de Castela companheiros na aventura, feitas as saudações, feitos os relatórios à Ordem de Cristo, abonada de provisões e água de novo a esquadra se fez ao largo e invés de ir directamente para terras de Espanha, como seria normal, rumou a Lisboa. Também na terceira das quatro viagens que encetou ao Novo Mundo, aportou primeiro no Porto Santo e só depois nas Canárias, quando o normal seria o inverso por estas estarem mais próximas que aquele. O almirante seguiu rotas marítimas só suas conhecidas, que as soubera na Escola Náutica do Infante Henrique de Sagres, onde aprendera as “primeiras letras” da navegação de longo, chegando a engolfar-se propositadamente, após passar as ilhas de Cabo Verde, nas correntes e ventos de noroeste, hoje conhecidas de todos quantos andam no mar, que inevitavelmente levariam às costas das Índias Ocidentais, indo assim chegar à actual América do Norte. Processo semelhante aplicou Pedro Álvares Cabral para alcançar a América do Sul, navegando um pouco mais de largo transversalmente indo aportar, ontem como hoje e inevitavelmente, ao areal de Porto Seguro na costa da Bahia brasileira.

Alguns, senão a maioria dos estudiosos, poderão objetar ao conhecimento prévio das rotas marítimas por Cristóvão Colombo de que durante largo tempo acreditou ter chegado à Índia Oriental, e depois passado a acreditar, com igual firmeza, que chegara ao Japão, e aí procurado avidamente o contacto com os indianos ou os japoneses. Pois seja, mas não se deveria esquecer ou tão-só ignorar que tais informações não são coevas do tempo da vida do almirante: foram escritas após a sua morte – para desacreditar a sua grande figura intentando mostrar o quão pouco ele sabia de cartografia e navegação – por aqueles mesmos ingratos que o meteram a ferros e o deixaram morrer na doença e na miséria: os inquisidores da Igreja em Espanha, apoiados por uma nobreza enciumada, despótica e oportunista ávida das riquezas imensas do Novo Mundo.

Ademais, a prerrogativa “Três Índias” vai bem com o conceito geográfico medieval que adentrou a Renascença, pois que essas subdividiam-se em Próxima Índia, Extrema Índia e Média Índia, correspondendo, respectivamente, às partes Norte e Sul do subcontinente indiano e à região africana hoje denominada Etiópia. Após a chegada ao continente americano de Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral, nos séculos XV-XVI, essas terras passaram a ser denominadas de Índias Ocidentais, contrapondo-as às Orientais, mas sempre realçando o designativo Ásia, tanto com o sentido imediato de território longínquo e exótico, para o viajante europeu, como, principalmente, com o de Assiah ou “Mundo”, cuja conquista espiritual teve a primazia da Gesta Dei per Portucalensis.

O professor Mascarenhas Barreto – assim como os seus prosseguidores portugueses, o último, mas não menos valoroso, o doutor Manuel da Silva Rosa, que graciosamente fez-me chegar às mãos um seu precioso tomo colombino[27] – acredita no seu livro, que é a sua tese, ter sido Salvador Gonçalves Zarco um espião português de D. João II posto ao serviço dos reis católicos de Espanha. Não penso assim, pois nem os acontecimentos da época, com provada cronologia documentada, tampouco o normativo canónico regulador das Ordens, permitem-me admitir essa ideia. Se Colombo pertencia à Ordem de Cristo, então só o Geral da mesma poderia decidir sobre o aprazar ou “emprestar a prazo” o navegador à Coroa, decisão que nunca teria a primazia do rei, qualquer que fosse, pelo menos legitimamente; ademais, a riqueza de conhecimentos náuticos possuída pelo almirante à Ordem a devia e à Ordem, na pessoa do seu Geral, devia primeiro prestar contas detalhadas, ou seja, os relatórios com todos os pormenores, e só depois à pessoa do monarca. Este ficaria ao par do indispensável, a fim de saber se o seu “investimento” corria ou não bem, e pouco mais nunca sem exceder o trivial. Foi sempre assim ao longo do processo das Descobertas Marítimas, pelo que a posição de independência de Cristóvão Colombo ante a Coroa não era excepcional. Por isso, tive ocasião de dizer algures: todos sabiam que a Escola de Sagres sabia, mas nem todos sabiam o que a Escola de Sagres sabia.

O normativo institucional militar, canónico e secular que assegurava a regularidade do legítimo da Ordem Militar de Cavalaria e Religião, era mantida e sujeita, por um lado, ao governador e mestre geral, que se correspondia diretamente com o rei, e por outro lado, à mesa bispal e consequentemente ao papa. Mas ela veio a ser ostensivamente anulada e apropriada por D. João II, usurpo ilegítimo culminando no assassínio a punhaladas pelo próprio monarca, nos paços de Setúbal, do seu cunhado D. Diogo, Mestre da Ordem de Cristo e 4.º duque de Viseu, por pertencer ao partido da Casa de Bragança sua opositora, odiada por ele que a extinguiu (só veio a ser restaurada no reinado de D. João IV), e igualmente por ambicionar o domínio pessoal da Ordem, então senhora dos mares e terras conhecidas, o que significava um incomensurável poder e uma indescritível riqueza exclusivos à sua real pessoa[28]. Decepando a linhagem bragantina que reconduzia até ao primeiro rei de Portugal, ordenando a execução em 1483 do duque de Bragança e levando à fuga do marquês de Montemor, do conde de Faro e de outros acusados; amordaçando o clero que se opunha a tal política de “quero, posso e mando”, ficando como exemplo geral a sua ordem de decapitação pública do bispo de Évora, D. Garcia de Meneses, em 1484, e executados, presos ou mandados para o degredo muitos outros; dominada a Ordem de Cristo, também em 1484, com o assassinato do seu Mestre e Governador, que era irmão de D. Leonor, mulher do rei, declaradamente favorável ao partido da Casa de Bragança, como disse, D. João II ficou com o terreno político-religioso livre de opositores, inteiramente aberto para fazer o que quisesse e como entendesse. Com tudo isso, não se livrou a morrer de forma estranha, diz-se, por envenenamento, ele que repetia constantemente do alto da sua prepotência e domínio: “Eu sou o senhor dos senhores, não o servo dos servos”.

Foi nesse ambiente que se encetaram as negociações entre Cristóvão Colombo e D. João II, as quais continuaram depois dele já estar aprazado aos reis católicos, Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela. Tendo a acreditar ter havido concordata sobre o empréstimo do almirante português aos reis do país vizinho, negociações essas levadas a cabo com a ingerência directa, ainda assim discreta, das Ordens de Cristo e de Montesa, cujos embaixadores negociavam em nome dos seus administradores, perseguindo a ambição maior, secreta mas que se apercebe em várias partes dos escritos do almirante, da realização do velho sonho sinárquico dos antigos templários, de quem eram descendentes diretos: o de unir o Oriente ao Ocidente e neste edificar o Templo ou Casa da Jerusalém Celeste, visão joaquimita propícia à III Idade, cujo espaço da sua inauguração só podia ser em uma terra virgem, livre e ignorante do que fosse mal e pecado, portanto, num Novo Mundo, que a tanto ficou destinado o quinto continente – a América. Isso mesmo se conclui da leitura do Libro de las Profecías de Cristóvão Colombo, actualmente na Biblioteca Capitular e Colombina da Catedral de Sevilha, onde o almirante afirma a intenção de transportar para a América o novo biótipo humano capacitado a levantar e habitar o Novo Templo da Nova Jerusalém: “Habitat in tabernaculo tuo, aut [qui] requiescet in mons sancto tuo”, conformado à lição do Salmo 144 da Vulgata Latina. Considerando-se predestinado a essa missão, afirma: “Fiz-me mensageiro junto destes Príncipes (Reis Católicos) do novo Céu e da nova Terra de que fala Nosso Senhor no Apocalipse, pela boca de S. João, após tê-lo feito pela boca de Isaías”[29].

Com efeito, ainda em Baza o almirante teria assegurado a Fernando e a Isabel que a sua façanha seria consagrada “à reconstrução do Templo”[30]. No seu Libro de las Profecías, em que se jacta de ter sido o escolhido do Céu para descobrir o Novo Mundo, como disse, existem períodos interessantíssimos que fazem luz sobre a sua pessoa, como, por exemplo, os dois seguintes que traduzo do castelhano para português: “Quem duvida que este lume não foi do Espírito Santo, assim como de mim, o qual com raios de claridade maravilhosa consolou com a sua santa e sacra Escritura a voz muito alta e clara com 44 livros do Velho Testamento, e 4 Evangelhos com 23 Epístolas daqueles bem-aventurados Apóstolos, avivando-me a que eu prosseguisse, e de contínuo sem cessar um momento me avivam com grande pressa?”. “… e digo que não somente o Espírito Santo revela as coisas por vir às criaturas racionais, mas que no-las mostra por sinais do céu, do ar e das bestas quando lhe apraz”.

Mesmo com quanto disse até aqui, não deixará de opor-se o que afinal é o busílis da questão: se Cristóvão Colombo era português, por que optou por Espanha em vez, como seria natural, do seu próprio país?

Certamente por causa das ideias egocêntricas e atitudes repressivas de D. João II e à maior aceitação do seu projecto por parte dos reis católicos, principalmente de D. Isabel, os quais por certo queriam tomar parte na diáspora marítima e respectivo empório que até então Portugal detinha como exclusivo donatário universal. De maneira que a concordata de ceder Cristóvão Colombo a Espanha só podia ser feita em primeira mão pela Ordem de Cristo à de Montesa[31], só depois vindo ao processo as Coroas interessadas. Assim também se refrearia a desmesurada ambição de D. João II e se abriria caminho para firmar, como esse acto legítimo, a posterior partilha do Mundo entre Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas (1494). Tanto assim é que após a chegada de Colombo às Antilhas em 1492, no ano seguinte iniciaram-se de imediato conversações na corte castelhana sobre o domínio dos mares e suas terras, requeridas pela coroa portuguesa.

De acordo com Manuel J. Gandra[32], o conflito entre Colombo e D. João II deveu-se ao facto deste soberano entender controlar e orientar todo o processo para seu próprio proveito. Contudo, durante o reinado cesarista deste “Príncipe Perfeito”, como o alcunhou a História, ainda assim não deixando de ser assassino mesmo alegando razões de Estado, é incontestável que brilharam firmes as luzes da Cultura e Conquista, não tanto por mérito real mas mais por iniciativa da corte, resultado exclusivo das ideias “humanistas e iluministas” provindas de Itália, abrindo a Renascença, entradas em Portugal reinando ainda D. Afonso V.

As represálias contra a nobreza que se lhe opunha, paralelamente à supressão dos concelhos e à espoliação da Ordem de Cristo, que se transforma no centro de reacção antiprincipesca, de cujas caravelas as suas insígnias são substituídas pelas armas reais – das quais já eliminara também a Cruz de Avis – enfraquecendo substancialmente as sinergias nacionais[33]. Centralizando todo o poder na sua política, D. João II não entendeu o simbolismo expresso nas Armas portuguesas, determinando a modificação da disposição dos escudetes dentro do Escudo de Armas de Portugal, na denominada “Operação de endireitar o Escudo” efectuada em 1485.

O monarca parece desejar que Cristóvão Colombo o sirva incondicionalmente; sabe da sua sabedoria de mar e que, ademais, é conterrâneo alentejano pertencente à melhor cepa da árvore genealógica nacional. Mitografias aparte, isto mesmo é explicitado por ele em carta ao almirante[34]:

“Cristóbal Colon.

“Nós D. João […] vos enviamos muito saudar. […] E quanto à vossa vinda cá, certo, assim pelo que apontais como por outros respeitos para que vossa indústria e bom engenho nos será necessário e prazer nos há muito de virdes porque o que a vós toca se dará [de] tal forma de que vós deveis ser contente. […] E por tanto vos rogamos e encomendamos que vossa vinda seja logo e para isso não tenhais pejo algum e vos agradeceremos e teremos muito em serviço. Avis, 20 de Março de 1488. A Cristóvam Colom nosso especial amigo em Sevilha.”

O certo é que Cristóvão Colombo (grafado na carta de dois modos diferentes, o último notoriamente em português arcaico) não atendeu ao pedido do monarca, pois ao dirigir-se a D. João II, escreveu-lhe: “Vós recebestes a Cristóvão Colombo como amigo, desejastes vê-lo, e o agasalhastes no princípio com muita humanidade. Depois disto não cometeu delito algum, e deliberais sobre tirar-lhe a vida: proceder assim é faltar ao direito das gentes, e querer atropelar sem pejo as leis mais santas da sociedade” (carta transcrita por D. Diogo de Souza em sua História de Portugal, p. 697, Lisboa, 1852). Referindo-se a este rei, Colombo já afirmara antes: “[…] digo milagrosamente, porque fui ter a Portugal, cujo rei entendia de descobrimentos mais do que nenhum outro: Ele (Deus) lhe atalhou a vista, ouvidos e todos os sentidos, que quase em 14 anos não lhe pude fazer compreender o que digo”[35].

Contudo, também não foi fácil ao navegador tornar aceites os seus projectos na corte de Castela, como desabafa numa carta endereçada aos monarcas castelhanos: “Já sabem vossas Altezas que andei sete anos em vossa corte importunando-vos por isto; nunca em todo esse tempo se achou piloto nem marinheiro, nem filósofo, nem de outra ciência que todos não dissessem que a empresa era falsa; que nunca eu encontrei ajuda de ninguém salvo de Frei António de Marchena, depois daquela de Deus eterno”.

Esse frei António de Marchena, em 1484, professaria com o cargo de custódio no mosteiro de La Rábida da Ordem dos Frades Menores de São Francisco na Província Andaluza de Huelva, sendo português de nação como João Peres de Marchena (falecido antes de 1513)[36], cujo nome nos documentos mais recentes não condiz com o inscrito nos mais antigos, ademais confirmando aquele na carta de Colombo, como demonstra com todo o rigor a resposta que lhe deu Isabel, a Católica: “Parece-nos que seria bom que levásseis convosco um bom astrólogo e parece-nos que seria bom para isso Frei António de Marchena, porque é bom astrólogo, e sempre nos pareceu que se conformava com o vosso parecer”[37].

Por seu turno, Las Casas também diz[38]:

“Segundo parece por algumas cartas de Cristóbal Colon escritas por sua mão (que eu tive nas minhas) aos Reis desta Isla Espaniola, um religioso que tinha por nome Frei António de Marchena foi quem muito o ajudou, para que a Rainha se persuadisse e aceitasse a petição. Nunca soube a que Ordem pertenceu, mas creio que fosse a de São Francisco, por conhecer que Cristóbal Colon, depois de Almirante, sempre foi devoto daquela Ordem. Tampouco consegui saber quando, nem em que ponto, nem como o favoreceu ou que entrada teve com os Reis o já dito Padre Frei António de Marchena.”

Face à política de sigilo, será natural que o consignado autor desconheça qual o tipo de intervenção exercida pelo religioso português junto da corte espanhola, também não sendo de admirar que tivesse sido ele o intermediário nas negociações do aprazamento de Cristóvão Colombo entre a Ordem de Cristo, o rei português e os reis de Aragão e Castela. A verdade é que frei António de Marchena acompanhou sempre o almirante nas suas viagens ao Novo Mundo[39]. Na primeira, e pela lista incompleta da equipagem que chegou até aos nossos dias, igualmente figuravam os nomes de dois grumetes portugueses: “João Arias, filho de Lopo Arias, de Tavira, e Bernaldim, criado de Afonso, marinheiro do piloto João Rodrigues, de Mafra”. Também a transacção comercial com os nativos do Novo Mundo fez-se em moeda portuguesa, como relata Colombo aos soberanos espanhóis: “Vi dar 16 novelos de algodão por três ceotis de Portugal, que é uma branca de Castela…” O ceotil (nome derivado de Ceuta) foi mandado cunhar por D. João I, em comemoração da primeira empresa marítima dos portugueses em África no ano 1415, de que resultou a conquista dessa praça africana para o domínio português e o início do período das Descobertas Marítimas. Além disso, nos escritos que deixou à posteridade, em latim e castelhano, verifica-se à primeira vista que a ortografia do almirante nessa última língua é arrevesada e a maioria dos termos são portugueses, ou então aportuguesados, pois muitos vocábulos que utilizou pertencem, a rigor, à língua portuguesa, e a construção sintáxica, como era na época, é positivamente lusitana.

Ainda que tenha oferecido a Espanha a glória inigualável da descoberta do caminho marítimo para a América, dando início a um novo ciclo da civilização, contudo, os louros da vitória foram depostos na cabeça dum mercador florentino, que vivia ora em Lisboa, ora em Sevilha: Américo Vespúcio, que afinal nem sequer deu o nome, Américo, ao continente descoberto, América, porque nos registos cartoriais o seu nome é Alberico[40], enquanto os naturais da costa americana onde Colombo chegou, os Amariques. Mas o poder do vil metal agitado pela política viciosa de sempre, fez cair o justo e levantar o injusto… De maneira que Vespúcio nada teve a ver com o processo marítimo, apenas o secundou ou menos que isso, se levar-se em conta que mesmo antes de Colombo os portugueses da Escola Naval de Sagres já haviam chegado à Terra Nova e ao Labrador[41]. Vespúcio não era português nem de Sagres, mas Colombo decerto era, e aí recolheu as informações necessárias ao sucesso da sua empresa. O italiano de Florença (a quem alguns historiadores posteriores deram gratuitamente parentesco com Cristóvão Colombo, ponto de partida da ideia insubstanciada do almirante ter sido genovês) não passou de comerciante fretador de navios, ajuntando ao seu espírito corso o ir sacar o que não lhe pertencia, perseguindo de longe a esquadra expedicionária, como também fez com a de Pedro Álvares Cabral, conforme acusa Jaime Cortesão. Homem de negócios num país governado pelo papado, convinha aos reinos vassalos de Roma manter com esta as melhores relações político-económicas, sob pena de excomunhão e o mesmo país tornar-se pária. O mais que Vespúcio fez foi aproveitar-se (deixando-se aproveitar…) de tudo quanto os outros fizeram, inclusive de boa parte do conhecimento de navegação e instrumentos náuticos[42]. A sua fama assenta nisso, e nada mais!… Cristóvão Colombo, por sua vez, foi votado ao ostracismo e à miséria, que geralmente é a recompensa dada aos Grandes Homens pelos pobres de espírito cujo agradecimento nunca vai além do interesse imediato, e assim, referindo-se a si próprio, escreveu no seu Diário esta frase dolorida: “O que te está sucedendo agora é a recompensa dos serviços que prestaste a outros amos”. Outros amos eram os reis de Aragão e Castela, o que desmente formalmente a origem espanhola de Colombo, porque o seu verdadeiro amo era o rei de Portugal.

Rei de Portugal repressor e narcisista, tirano e egocêntrico, cuja última fase da repressão foi preparada pelo Concílio de Trento e executada pelos “cães de fila” da ortodoxia cesarista, os dominicanos (domini canes), através da Inquisição.

A carta do monarca português ao almirante, citada anteriormente, era um “salvo-conduto” para ele entrar no reino “sem que sejais preso, retido, acusado, citado, nem demandado por nenhuma causa, ora cível, ora crime de qualquer qualidade”. Isto demonstra que Colombo não andaria nas melhores relações tanto com D. João II como nas boas graças do Santo Ofício, talvez por suspeita de partidário da Casa de Bragança, talvez também por suspeita de heresia por simpatia às ideias cabalísticas dos sefarditas judeus. Fosse como fosse, o certo é que não atendeu ao convite do rei e ficou-se por Sevilha. Disso deduzo que acaso terá sido a contragosto que D. João II viu ceder “Colón-Zarco” ao reino vizinho, e só terá aceite o facto obrigado pelos motivos impostos pela política internacional, ficando impedido de dispor a seu bel-prazer do almirante para espantalho dos seus “espalhafatos de navegação”, ele que não era da Ordem de Cristo e tampouco vez alguma fora ao mar. “Só o estar em Sintra e sentir o cheiro do mar, causa-me náuseas”, confessou uma vez quando, por razões de Estado, contrariado teve que ir ao Paço de Sintra, pois que a detestava apesar de no mesmo ter sido coroado rei em 31 de Agosto de 1481.

Pela leitura esotérica, antes, teosófica da sua sigla, Cristóvão Colombo desvela-se o Adepto Real que foi. Os três SSS da sua assinatura criptográfica são os mesmos da celebração pentecostal do Paracleto, que tanto os monges-cavaleiros templários como os seus descendentes, os freires cavaleiros de Cristo, invocavam como Sanctus Spiritus Salvatorem, que inscreviam em listeis e representavam por três SSS. Essa celebração também esteve presente na Ordem Livery Collar, no País de Gales, colar esse formado por 18 letras S, numa sequência senária das iniciais do lema templário Sanctus Spiritus Salvatorem. Ela foi introduzida em Portugal pelo príncipe plantageneta John of Gaunt, ou João de Gante[43]. O primeiro português a granjear a distinção do Livery Collar foi D. Afonso Furtado de Mendonça, em pleno reinado de D. João I, de quem João Gonçalves Zarco também fora fiel servidor estando presente na conquista de Ceuta.

Essa Milícia gália era para os ingleses o que a de Cristo era para nós portugueses, e a de Montesa para os espanhóis. E tanto uma como as outras nutriam simpatias joaquimitas, sobretudo no tocante à ideia messiânica da Parúsia e Advento.

Outra Ordem da mesma natureza, também gália, era a de Rose Collar, colar esse constituído por 24 letras S, numa sequência senária do mesmo lema templário, tendo suspensa a “Rosa de cinco pétalas” (dobradas) a quem os ingleses chamam Tudor. Foi Grão-Mestre desta Ordem sir Thomas Moore[44], que ainda viveu no mesmo século de Cristóvão Colombo, este que ao colaborar com a Coroa espanhola salvou a Aliança luso-britânica de se dissolver, num esquivo jogo diplomático, ao interferir junto da Coroa inglesa por intermédio dos reis espanhóis, evitando assim que D. João II causasse mal maior à paccis política-militar ibérica e europeia, ao mesmo tempo levando Portugal a ter parte activa e ter a “parte de leão” na “partilha do Mundo”, como foi o resultado do Tratado de Tordesilhas entre os monarcas ibéricos.

A empresa marítima de Colombo terá sido, pois, planejada em Portugal e encetada em Espanha. Ele uniu a Península Ibérica e foi seu pontífice – “construtor da ponte” entre dois blocos continentaisante a América, o quinto continente, sob o signo de Aquarius, anunciando já então o Ecce Occidens Lux pelo prenúncio do Ex Oriens Umbra!

É igualmente comum acreditar-se, entre os estudiosos colombinos, que Cristóvão Colombo foi um judeu converso aventureiro[45], um marrano, castiço ou “cristão-novo”, por causa da sua documentação conhecida estar recheada de elementos mais judaicos que cristãos, de notórias características messiânicas, pelo que é remetido para os afiliados da Kaballah Sefardita, hispânica.

A sequência dos factos apresentados leva a concluir que no sangue de Salvador Gonçalves Zarco corria a fina essência da Nobreza de Portugal, seria um varão português, aparte o facto dos judeus terem tido importância inquestionável nos sectores cultural, religioso, político e económico da Idade Média e Renascença. A tradição rabínica esotérica serviu muitas vezes de elo de proximidade e até ligação entre a Sinagoga e a Igreja, entre as Escrituras Velha e Nova, e esse assento do Cognoscio Secretum, a Tradição Iniciática do Ocidente, acasalava indissociavelmente a Kaballah com a Gnose, sendo assim o “espírito encoberto” do dogma e magistério tanto eclesial como sinagogal.

Decerto Cristóvão Colombo, pelas provas apresentadas nos seus documentos que sobreviveram aos cinco séculos, terá sido um marejador ou dominador dos arcanos mais profundos e sigilosos da Kaballah, certamente pela sua intimidade ao meio sinagogal de Beja e de Sevilha, lugares em cujas proximidades viveu. O seu mundo ideal, espiritual tão mal-entendido, o seu valor profético e teúrgico, davam-lhe um aspecto sobre-humano. Colombo não foi tão-somente o homem e o navegador, foi igualmente o génio inspirador advindo, certamente, dessa mesma tão lendária quanto impenetrável Agharta, Terra Proibida (a profanos) e Terra Modelo do Paraíso Terreal (em que se inspira a famosa lenda do “Ovo de Colombo”), a Pátria de Eleição do tetramorfo Preste João, já que tradicionalmente possui um aspecto masculino no Egipto completando com um feminino na Índia, tendo por colunas laterais um aspecto masculino na Mongólia para o respectivo feminino no Tibete.

Dela, Agharta, sob a aparência de estar se referindo à América, escreveu o almirante: “Não é possível a ninguém alcançar esse Paraíso Terrestre, salvo por Vontade Divina”[46].

Uma outra ideia sugestiva do carácter cabalístico, esotérico, de Cristóvão Colombo contém-se nos seus livros predilectos e nas cartas que escreveu ao seu filho Hernando Colón, ou Fernando Colombo. É visível o seu grande interesse pelos profetas bíblicos, que foram por ele copiados em grande parte, sobretudo as Profecias de Isaías, que citava frequentemente nas suas cartas e no seu diário, conforme o seu biógrafo ulterior, frei Bartolomé de las Casas[47]. Depois (todos expostos na Biblioteca Capitular e Colombina da Catedral de Sevilha) o livro do cardeal Pietro d´Aille, Imago Mundi; um livro de Plutarco publicado em Sevilha, em 1491; a Naturalis Historia, de Plínio, anotada por ele em português, em espanhol e um pouco de italiano (bem ao gosto de mostrar erudição conforme era costume na época, como no século XVII frei Jerónimo Munster demonstrou na sua Virgo Aurea); um Marco Polo latino, De Consuetudinibus et Conditionibus Orientalium Regionum; a Tragédia, de Séneca; um Tratado de Santo António de Florença e a Filosofia Natural de Santo Alberto Magno. Ainda um livro com muitas anotações sobre a vida do Papa Pio II, um Almanaque de Navegação e um livro de Abraão Zacuto, judeu português praticante de Astrologia cabalística ao qual D. Manuel I deverá a inspiração de adoptar a Esfera Armilar, símbolo e selo do deus egípcio Thot-Hermes, padroeiro do Hermetismo.

De maneira que a sigla criptografada de Cristóvão Colombo não deixa de possuir diversos segredos bem ocultados, todos eles de conteúdo iniciático profundo completando-se entre si como peças de um puzzle. Eles elevam o almirante muito acima das hipóteses, dos infundamentos e dos perjúrios, tão-só o assinalando Ser de grandeza rara.

Nesse sentido, a sigla mostra-se mais que simples assinatura criptográfica: possui características de mandala, ou seja, “forma geométrica de função mágica”. Agora, darei o meu contributo, à luz da Sabedoria Divina e segundo entendo, à descodificação do significado hermético da mesma.

Pela Kaballah, termo hebraico significando “Tradição” e “Livro cerrado”, logo, sinónimo de “Tradição Secreta”, neste particular judaico-cristã, Maurice Privat[48] afirma que o S repetido três vezes é igual a 15 vezes 3 = 45, ou 4 mais 5 igual a 9, número cabalístico da Terra representada pelo… “Ovo de Colombo”, que se mantém erecto após cortar-se uma das extremidades, que no Globo equivale ao Pólo Sul em que o mesmo assenta.

Em Aritmosofia 45 exprime a herança, o legado. Com esse sentido, a Missão do Templo foi, consequentemente, legada a Cristóvão Colombo pela sua herdeira Ordem de Cristo. Por outro lado, 15 dividido por 3 dá 5, correspondendo no Tarot caldaico de São Germano ao Mestre dos Arcanos, o Grande Hierofante que está entre as duas tradicionais Colunas salomónicas (a da SabedoriaJnana ou Jakin – e a do AmorBhakti ou Bohaz), portanto, sendo o Iniciador.

Por conseguinte, Colombo expõe o seu título ou grau sem rodeios com a letra A (alephe) no centro da sigla, o que vale dizer: “Eu sou o primeiro de minha Ordem”.

Ele terá sido o continuador da Missão Templária na Península Ibérica destinado a levá-la ao Novo Mundo do Ocidente, ao Norte e Centro da América, tal como o seu primo (para Mascarenhas Barreto), Pedro Álvares Cabral, igualmente ligou a Península Ibérica ao Centro e Sul da mesma América, tomando por ponto de irradiação ibero-ameríndia o Brasil.

De maneira que Colombo devia as cartas e os mapas, que lhe permitiram navegar de longo até ao Novo Mundo, não a Toscanelli (que alguns, por interesses inconfessados, desde o início do século XX afirmam ter sido roubado por ele) mas à Ordem de Cristo e à Escola de Sagres, sempre sujeito à política inviolável da lei do sigilo.

Postas as coisas assim, é muito natural que se pergunte por que terá o almirante «roubado» as cartas náuticas de Toscanelli, que presumidamente indicavam a rota para as ilhas do extremo-ocidente, se após isso deu tantos passos para encontrar documentos seguros? É lógico que se responda, assim mesmo, que tudo isso terá sido uma invenção caluniosa urdida muitos séculos depois da sua morte, para poder atribuir-se a origem do almirante à glória e prestígio deste ou aquele país sem glória nem prestígio provados nas Descobertas Marítimas Portuguesas que a estas secundou, claramente, Génova.

Quanto à sigla, como se viu, está assim predisposta:

Pelo que uma das suas interpretações iniciáticas, exclusiva de minha lavra, poderá ser:

1.º S = Salvador.

2.º S = Salvo, Consalo, Gonçalo, Gonçalves.

3.º S = Sarco, Çarco, Zarco.

A = Asgardi, Agharta, Terra Modelo, Omphalo do Mundo.

X = Xesed, Chesed, a quarta sephiroth, “esfera” ou “emanação divina” correspondendo ao “Governo ou Domínio Espiritual do Mundo”.

M = Metraton, o Primeiro Criador, o Senhor do Mundo.

Y= Yahvé, a Divindade.

Xpõ Ferens = “Portador da Pomba de Cristo”, Cristóvão Colombo.

No que resultará a mensagem seguinte:

Salvador Gonçalves Zarco, de Agharta!
Deus conceda o Senhorio Espiritual do
Mundo ao seu
Cristóvão Colombo.

Visto assim, tratar-se-á, pois, da saudação laudativa de um dignitário eleito do Rei do Mundo, Melki-Tsedek, pois que deste Cristóvão Colombo terá sido uma projecção tulkuística ou “representação viva” no Mundo Humano, destinada à Obra Maior da sementeira de futura e nova civilização em novo continente.

Essa não é uma interpretação nem afirmação “dadas de barato”, atendendo a que por volta de 1480 Colombo escreveu aos monarcas espanhóis uma carta expressiva onde se apresentava como o Príncipe do Mundo, o próprio Metraton: “Deus, que fez Ele de mais a Moisés ou a David?” E falando de si mesmo, adiantou: “Desde que nasceste sempre Ele (Deus) se preocupou contigo… Deu ao teu nome um maravilhoso eco sobre a Terra”[49].

Uma outra interpretação iniciática da sigla, completando-se com a primeira, será:

Que se traduzirá por:

Salve, Salve Deus Lustríssimo, Salve!
Deus Supremo Criador do Mundo,
A Ti o teu
Portador da Pomba do Cristo.

Adonai-Shadai é a fórmula invocatória da “Protecção Divina”, muito corrente entre cabalistas e templários afeiçoados à Gnose, e inclusive entre os hermetistas da Rosacruz.

“Ainda hoje – escreve Jean Marquès-Rivière – alguns judeus utilizam o chamado Shadai, que todas as crianças israelitas usam no momento da cerimónia dita Bar-Mitzwah. É uma medalha redonda na qual está inscrito o Nome Divino Shadai, cujo uso é de tradição imemorial. Este Nome Divino encontra-se, de resto, em muitos textos mágicos e simbólicos.”[50]

Finalmente, uma terceira interpretação da sigla, complementar das anteriores, será:

Assim se desvela, mais uma vez, o “santo-e-senha” de Joaquim de Flora, em cujo “Evangelho do Futuro” beberam várias correntes da Cristandade, nomeadamente os cistercienses, os templários, os trinitários e os franciscanos “beguinos” ou espirituais, sendo crível para judeus e cristãos que o III Templo de Salomão, correspondente à Jerusalém Celeste, deveria corresponder à III Idade do Espírito Santo, aliás, festejado a rigor em Porto Santo[51], com começo na Península Ibérica, nomeadamente em Portugal, mas estendendo as suas ramas frondosas a algum continente virgem, desconhecido mas não ignorado, de todos os males humanos criados durante as I e II Idades[52].

Com estas hipóteses, cimentadas na documentação colombina disponível, constituindo a minha tese de Cristóvão Colombo ter sido o grande navegador corporalmente nascido português e espiritualmente aghartino, acredito deixar, em guisa de proposta e nunca de conclusão, abrindo “janelas de possibilidades”, ao leitor um conjunto de pistas historiográficas e de ideias iniciáticas, destarte coadjuvando no tornar a “História velada” História desvelada à Raça de quantos por este mundo afora mantêm viva a chama gloriosa da Portugalidade.

NOTAS

[1] Patrocínio Ribeiro, A Nacionalidade Portuguesa de Cristóvão Colombo – The Portuguese Nationality of Christopher Columbus (Solução do debatidíssimo problema da sua verdadeira naturalidade, pela decifração definitiva da firma hieroglífica). Livraria Renascença, Joaquim Cardoso, 1927. Reedição pela Fundação Lusíada, cerca de 1992, na “Colecção Lusíada Documentos”, I.

[2] Pestana Júnior, D. Cristóbal Colom ou Symam Palha, na História e na Cabala. Composto e impresso na Imprensa Lucas & Cia., Lisboa. A edição terá sido feita cerca de 26 de Maio de 1928.

[3] A Kaballah, a ciência esotérica ou hermética judaica que o Cristianismo depois também adoptaria, compreende literalmente três espécies de operações, a saber: o Notarikon, ou a arte dos signos; a Gematria, consistindo nas comutações e combinações das letras e palavras; a Temurah, ou as transposições das letras, das palavras e dos números.

[4] Mascarenhas Barreto, O Português Cristóvão Colombo (Agente secreto do rei Dom João II). Edições Referendo, Lisboa, 1988.

[5] Manuel Rosa, O Mistério Colombo Revelado. Ésquilo Editora e Multimédia, Lisboa, 2006; Colombo Português – Novas Revelações. Ésquilo Editora e Multimédia, Lisboa, 2009; Colón – La historia nunca contada. Esquilo Ediciones, Madrid, 2010.

[6] Henrique José de Souza, Colombo e Cabral, revista Dhâranâ, n.º 110, 1941, Rio de Janeiro; Símbolos e Brasões, revista Dhâranâ, n.º 111, 1942, Rio de Janeiro; A Pomba do Espírito Santo, revista Dhâranâ, n.os 142/144, 1951, São Paulo.

[7] Ricardo Beltrán y Rózpide, Cristóbal Colón, genovês? Madrid, 1926.

[8] G. Uzielli, La Vita e i tempi di Paolo di Pozo Toscanelli. Roma, 1864. Armando Cortesão, Cartografia Portuguesa Antiga, Lisboa, 1960.

[9] 1507 Waldseemüller Map from the US Library of Congress, Washington DC.

[10] Hernando Colón, Historia del almirante Don Cristóbal Colón. Imprenta Tomas Minuesa, Madrid, 1892.

[11] Mascarenhas Barreto, ob. cit.

[12] Pergaminho de santos o Velho que atesta a presença de uma Filipa Moniz nesse convento. Torre do Tombo, Convento de Santos-o-Novo, Doc. 477. Edição Pseudo-História Colombina, Lisboa, 26 de Setembro de 2007.

[13] “Doña Felipa Moniz su [Cristóvão Colombo] legitima mujer questá en el monasterio del Carmen en Lisboa, en una capilla que se llama de la Piedad que es de su linage de los Muñizes”, Diogo Colombo, Segundo Testamento, 1523, in Henry Harrisse, Christophe Colomb, son origine, sa vie, ses voyages, sa famille et ses descendentes. Ernest Leroux Éd., Paris,1884.

[14] Nicolau Florentino [pseudónimo de António Maria de Freitas], A Mulher de Colombo. Papelaria e Tipografia Guedes, Lisboa, 1892.

[15] Professores João Paulo Oliveira e Costa, José Damião Rodrigues e Pedro Aires Oliveira, História da Expansão e do Império Português. A Esfera dos Livros, Lisboa, 2014.

[16] Afonso Dornelas, Elementos para o estudo etimológico do apelido Colon. In “Boletim da Academia das Ciências de Lisboa”, Classe Letras, vol. XX, pp. 407-422, 1924-1926.

[17] Alberto Vieira, O (Re)descobrimento / (Re)conhecimento do Porto Santo e da Madeira. Secretaria Regional do Turismo e Cultura – Direcção Regional da Cultural – Centro de Estudos de História do Atlântico, Funchal, 2018.

[18] Cristóvão Alão de Morais, Pedatura. Lisboa, 1670.

[19] António de Morais Silva, Dicionário da Língua Portuguesa, vol. II. Rio de Janeiro/Lisboa, 1891.

[20] Saul Santos Ferreira, Salvador Gonçalves Zarco (Cristóbal Colon). Os Livros de Dom Tivisco. Lisboa, 1930.

[21] John Leddy Phelan, The Millenial Kingdom of the Franciscans in the New World – A Study of the writings of Gerónimo Mendietta (1525-1604). Berkeley and Los Angeles, Univ. of California Press, 1956.

[22] Abade Correia da Serra, Os verdadeiros sucessores dos Templários e o seu estado em 1805. In Archives de l´Europe, tomo VIII, 1805. Texto reeditado em Sintra, na revista “Graal”, Verão/Outono de 1982, com notas de Manuel J. Gandra.

[23] Henrique José de Souza, Símbolos e Brasões. Revista Dhâranâ, n.º 111, 1942, Rio de Janeiro.

[24] Henrique José de Souza, A Pomba do Espírito Santo. Revista Dhâranâ, n.os 142/144, 1951, São Paulo.

[25] Vitor Manuel Adrião, Venise Insolite et Secrète. Éditions Jonglez, Versailles, 2010.

[26] Acerca das Ilhas Canárias, tive oportunidade de dizer em público em Novembro de 2017 no Funchal, Ilha da Madeira: “A espionagem e a contrainformação, notícias falsas que repetidas à exaustão acabaram tornando-se verdades oficiais de Estado moldando a opinião pública, poderão explicar o controverso explorador e mercador genovês Lancelotto Malocello (Varazze, 1270 – Génova, 1336), que em navio luso descobriu as Canárias em 1312 sob o comando de Manuel Pessanha, o qual em 1317 assumiu o almirantado português”.

Ora, o genovês era agente de Afonso XI de Leão, e o português era capitão de mar-e-guerra do rei de Portugal, D. Afonso IV. Vem daí os diferendos entre os dois monarcas e das várias batalhas que se deram pela tomada e retomada das Ilhas Canárias: logo em 1313 da parte leonesa e depois em 1330 da mesma parte, enviando o rei de Portugal para as Canárias reforços militares em 1341, dando-se embate promovido pelo monarca português. A Santa Sé ingeriu em 1344 a favor do partido leonês, estabelecendo o reino das Canárias pondo à sua frente D. Luís de la Cerda. A coroa portuguesa não se conformou e ingeriu nas Canárias a partir da Madeira, sobretudo através da ingerência político-diplomática dos franciscanos portugueses, cuja maioria fixou-se nessas ilhas de pretensa posse leonesa-castelhana. Entre 1402 e 1418, o corsário francês Jean de Bettencourt, ao serviço de Henrique III de Castela, conseguiu apoderar-se das Ilhas Canárias. Portugal não se conformou e organizou várias expedições militares com o objectivo de as reconquistar a Castela: em 1415, em 1416, em 1424 e em 1427. A a batalha que ficou mais famosa foi a de 1424, com D. Fernando de Castro comandando uma força de 2500 homens. Mas foi debalde… até hoje. As Canárias foram terra portuguesa mas que espiões e corsos conseguiram furtar a Portugal. Ainda assim, Espanha não pôde furtar-se ao facto incontornável da acção civilizadora portuguesa através do vimaranense Sebastião Machado, fundador do primitivo núcleo populacional de Tacoronte, conforme atesta a placa comemorativa na praça principal dessa cidade canarina.

[27] Manuel da Silva Rosa, Eric J. Steele, O Mistério Colombo Revelado. Ésquilo Edições e Multimédia, Lisboa, 1.ª edição Outubro de 2006.

[28] Não é demais repetir que a principal base de sustentação da Coroa, capaz de competir com ela, era a Ordem de Cristo, que se encontrava, quando D. João II subiu ao trono, solidamente ligada às mais nobres Casas do reino. A sua administração andava, então, no ramo real que D. João II detestava. Como exemplo, repito, D. Diogo de Almeida, 4.º duque de Viseu e administrador da Ordem, foi apunhalado até à morte dentro dos paços de Setúbal pelo próprio rei, seu cunhado, com o apoio de três fidalgos desejosos dos favores reais, que seriam atendidos conforme descreve o teólogo Diogo Paiva de Andrade (1528-1575) nas suas Memórias inéditas: D. Pedro de Eça, alcaide-mor de Moura (em cujo Museu Municipal está hoje a adaga assassina de D. João II), homem forte que foi quem manietou o Mestre da Ordem de Cristo para o rei poder matá-lo à-vontade a punhaladas, Diogo da Azambuja e Lopo Mendes do Rio, todos agraciados com os favores reais depois do crime. Houveram outros mais implicados na armadilha fatal estendida a D. Diogo de Almeida, que pensava ir a uma entrevista amistosa com o monarca quando, na realidade, o esperava uma fatídica câmara escura com o real assassino escondido num canto dela e os três comparsas prontos a agarrá-lo e dominá-lo. Cf. D. Diogo de Souza, História de Portugal desde os tempos primitivos até à fundação da Monarquia e desta época até hoje. Lisboa, 1852.

[29] O Libro de las Profecías de Cristóvão Colombo foi escrito entre os anos 1502 e 1504, começado antes de iniciar a sua quarta viagem à América e terminado após o seu regresso. Para a sua realização contou com a colaboração de frei Gaspar de Gorricio, monge cartuxo do Mosteiro de Santa Maria das Covas de Sevilha. A obra consta de 84 folhas de que só se conservam 70, e está escrita em castelhano e latim, aqui e ali aparecendo termos portugueses. Inclui 385 citações bíblicas e de Padres da Igreja, das quais 326 são do Antigo Testamento e unicamente 59 pertencem ao Novo Testamento. A obra é uma auto-apologia da predestinação de Colombo desde o nascimento à recuperação de Jerusalém no Novo Mundo, interpretando as descobertas marítimas à luz das profecias bíblicas com acentuado pendor joaquimita, como se verifica na citação do Oraculum Turcicum (Oráculo Turquesco) de Flora, na carta que enviou aos reis católicos a respeito da sua quarta viagem. Cf. F. Álvarez Seisdedos, Cristóbal Colón. Libro de las Profecías. Testimonio Compañía Editorial, Madrid, 1984.

[30] Salvador de Madariaga, Christophe Colombe. Ed. Calmann-Lévy, Paris, 1968.

[31] A Ordem Militar de Montesa, no país vizinho do nosso, teve desempenho público semelhante ao da Ordem Militar de Cristo, em Portugal. Extintos os templários, Jaime II de Aragão, temeroso de que os imensos bens dessa Ordem caíssem em mãos estranhas ao seu reino, solicitou de Clemente V autorização para constituir um Instituto que substituísse aquela e tomasse a seu cargo as propriedades da mesma. Nada conseguiu desse papa, porém sim do seu sucessor, João XXII, que para tal fim expediu uma bula em 1317, adjudicando à Ordem de Santa Maria de Montesa todos os bens que os templários possuíram nos domínios do monarca aragonês. O castelo de Montesa, no reino de Valência, foi a sede da Ordem nascente, motivo do nome adoptado. Os seus componentes deram muitos exemplos de heroísmo e esplendor, lutando em campanhas, tanto dentro como fora da Península Ibérica. A insígnia usada, após várias vicissitudes, é a de Alcântara, em sabre, carregada com uma cruz plana de goles.

[32] Manuel J. Gandra, Martinets de Pasquallys e a tradição Quinto Imperial. Texto inserido na sua tradução do livro Tratado da Reintegração dos Seres Criados, de Martinets de Pasquallys. Edições 70, Lisboa, 1979.

[33] Rui de Pina, Crónica de D. João II, cap. XIX. Publicações Alfa, Lisboa, Abril de 1990.

[34] Esta carta, cuja autenticidade foi comprovada por diversos autores nacionais e estrangeiros, é transcrição parcial do texto completo inserido nos livros citados de Patrocínio Ribeiro e de Pestana Júnior. Cf. ainda o mesmo texto em Navarrete, Collecion de los viajes y descubrimientos, e em Teixeira de Aragão, Memória acerca do descobrimento da América, 1852; a mesma carta no opúsculo de Luciano Cordeiro, De la decouverte de l´Amerique, 1876, e em Henri Vignand nos Nouvelles etudes critiques sur la vie de Christophe Colombe, Paris, 1911.

[35] Carta do almirante citada por seu filho Fernando Colon inserida no Diário del primer viage. In Fernando Colon, Vida del Almirante Don Cristóbal Colon. Versão castelhana da Histoire, México, 1947.

[36] Alonso Ramón, Historia General de la Orden de Nuestra Señora de la Mercês, vol. II., cap. VI. Madrid, 1530.

[37] Em Carta-mensageira que os reis católicos dirigiram ao almirante em 25 de Setembro de 1492, fazendo-o ciente dos seus interesses acerca da sua viagem ao Novo Mundo, publicada por Fernández Navarrete na sua colecção de Documentos Diplomáticos, Tomo II, Madrid, 1825.

[38] Rev. Fr. Bartolomé de las Casas, La Historia General de las Indias, Parte 1.ª, Capítulo XXXII. Boletín de la Real Academia de la Historia, Tomo 78, Madrid, 1921.

[39] “Este Fraile fué la persona sola de aquesta vida, à quien Colón más comunicó de sus secretos”, diz Gonzalo de Oviedo em 1535 na sua Historia General y natural de las Indias, islas y tierra firme del mar océano. Tomo I, Cap. V.

[40] Vitor Manuel Adrião, História Secreta do Brasil (Flos Sanctorum Brasiliae). Madras Editora Ltda, São Paulo, 2004. Nova edição, revista e ampliada, com o mesmo título, em Lisboa pela Euedito, 2017.

[41] Jaime Cortesão, Os Descobrimentos Portugueses, vol. II, cap. Viagens para Ocidente. Edição Imprensa Nacional – Casa da Moeda, Lisboa, Dezembro de 1990.

[42] Antonio Ballesteros y Beretta, Cristóbal Colón y el Descubrimiento de América. Barcelona, 1945.

[43] Duque de Lencastre, quarto filho do rei Henrique III de Inglaterra e pai de D. Filipa de Lencastre, que veio a casar com D. João I, rei de Portugal, matriz da “Ínclita Geração” e origem da Aliança Luso-Britânica, hoje a mais antiga do mundo.

[44] Sendo Lord Chanceler do rei Henrique VIII de Inglaterra, sir Thomas Moore recusou-se a reconhecer a autoridade do seu soberano como chefe supremo da Igreja inglesa, assim separada da Igreja romana, também não dando o seu consentimento a que aquele monarca se divorciasse da rainha D. Catarina de Aragão. Por isso foi preso, tendo estado um ano na Torre de Londres, sendo depois decapitado, em 1535, e posteriormente canonizado como São Tomás Maurus, um dos mais ilustres pensadores do seu tempo a quem se deve a obra literária, de inspiração rosacruz, Utopia, na qual coloca à cabeça do enredo um navegador português, Rafael Itlodeo.

[45] Simon Wiesenthal, A Missão Secreta de Cristóvão Colombo. Editorial Futura, Lisboa, 1974.

[46] Salvador de Madariaga, ob. cit., p. 268.

[47] Colombo era judeu, artigo não assinado. In revista Planeta, n.º 22, Junho 1974. Editora Três, Brasil.

[48] In Le Grand Nostradamus, n.º 1, Maio de 1934. Esta revista deixou de publicar-se em 1936.

[49] Salvador de Madariaga, ob. cit., p. 554.

[50] Jean Marquès-Rivière, Amullettes, Talismans et Pentacles. Editions Payot, Paris, 1938.

[51] Fátima Menezes e Élvio Sousa, Inventário do património da Ilha de Porto Santo. Câmara Municipal de Porto Santo, 2009.

[52] Noeli Dutra Rossatto, Joaquim de Fiore: trindade e nova era. Edipucrs, Porto Alegre, 2004.

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