propus reservatórios de água nos Açores em 2008 e agora…

do livro ChrónicAçores uma circum-navegação extraio a crónica 10 datada de dezº 2008, ao ler (ver anexo) a proposta de hoje de Jorge Rita ** e sorri pois de agricultura e de água nada entendo mas pelo que vejo a minha proposta de há mais de dez anos é a solução ora preconizada pelos expertos”

 

2018-07-21 ler aqui nova proposta de jorge rita

10. CUIDADO! HÁ UM CIDADÃO QUE NÃO SE CALA NA LOMBA DA MAIA nov. – dez 2008

Antes do natal de 2008 lia-se nos jornais a seguinte carta de “um cidadão que não se cala na Lomba da Maia.”:

Residente nos Açores há quatro anos não paro de me interrogar sobre a passividade dos eleitores. A abulia típica de seres anestesiados pela história feita de feudalismos ancestrais que os consome com esse fatalismo enobrecido pelos sismos e outros cataclismos.

Vem isto a propósito das obras eternas de alargamento do pontão da Lombinha da Maia. Iniciadas em junho 2008, com uma duração prevista de dois meses, continuam à espera de melhores dias, obrigando a desvios inconvenientes e perigosos por Canadas do Mato e outras, mais do que duplicando a distância e o tempo entre a Lomba e a Maia.

Quando se pergunta porque as obras estão paradas, falam do desentendimento entre empreiteiros e subempreiteiros e que no início de 2009 devem estar prontas.

Houve quem pensasse que com a proximidade das eleições as obras estivessem concluídas a tempo dos votos. Assim não quis o destino, mais importante do que a vontade dos eleitores.

A repavimentação do troço entre a Lombinha da Maia e a Lomba da Maia ficara já esquecida quando asfaltaram a estrada regional da Ribeirinha ao Nordeste. Faltava um pequeno alargamento do pontão à saída da Lombinha, que pouco podia desencolher, com casas de ambos os lados da estrangulada estrada. Cinco meses decorreram. Decerto que as autoridades não saem dos seus gabinetes nem os seus fiscais se devem deslocar a locais tão remotos da costa norte.

Vivem ali eleitores. Cidadãos com tantos direitos como os demais. O que preocupa não é o silêncio e o desdém das autoridades, na sua sobranceria perante o povo a quem deveriam prestar contas. O que assusta é a abulia fatalista das gentes, meus conterrâneos.

Apesar do enorme agravamento dos combustíveis, das más condições dos desvios, do tempo acrescido às viagens e da demora inusitada no epílogo de obras paradas, creem no seu termo. Encolhem os ombros em resignação.

Ao contrário, cuido que os fatalismos são normalmente fruto da incompetência, prepotência e outras ingerências na vida dos cidadãos. Quanto aos responsáveis, empreiteiros, subempreiteiros, fiscais (regionais ou camarários) que supervisionam (ou não) as obras, estas palavras visam chamar a atenção. Não se calará enquanto não epilogarem a obra. Há gente a viver na Lomba da Maia lidando com a estrada saturada e estreita para a sua distante capital. Não devia ter de suportar este acréscimo do seu isolamento em silêncio. Basta! Parem de imitar os continentais que deixaram o interior desertificar-se e morrer, tão-só preocupados com as mais-valias de desenvolvimento para o litoral e a capital…

Há problemas que são meras contrariedades como os que adiante se descrevem. A velha saga do abastecimento de água à residência e a falta de desempenho do esquentador a gás parecem ter chegado a bom termo, ao fim de várias tentativas. JC recebera a visita do agueiro. Para quem não sabe, tal é o termo popular dado ao técnico da água da Câmara Municipal da Ribeira Grande. Viera aumentar a pressão de água na canalização. Abriu um buraco na rua, dois metros de profundidade e de comprido. Cortara o trânsito. Como é norma, seria num dia dedicado ao descanso. Quarta-feira de Cinzas, sem aulas. Logo pela manhã, oito horas. Começava JC a interrogar-se se o detestavam ou invejavam a sua noção de descanso. Dormir até mais tarde nos dias destinados a tal. Isto de trabalharem nos dias do Senhor era pouco cristão para uma população aparentemente tão crente. A sua mulher, tal como doutras vezes, ameaçou logo mudar-se para Ponta Delgada. Tinha predestinado descansar, dormir e retemperar forças. Obviamente desacostumada ao ritmo de trabalho local. A hora da levanta é pelas cinco. A da deita pouco antes da meia-noite, sete dias por semana, 365 dias ao ano.

O barulho das pazadas escavando a terra era acompanhado nas traseiras pelo barulho de um mestre [de construção civil] a derrubar a chaminé. Deixara de o ser formalmente para se transvestir engalanada numa placa de cimento com dois canudos de plástico, protuberantes e invertidos. Não havendo água corrente nem para os da casa nem para os moradores a jusante, JC decretara para vigorar, com força de lei, que o dia estava oficialmente estragado. Sempre se recusara sair à rua sem completar as suas abluções matinais, incluindo o duche. Recusava os argumentos de ser apenas mais um luxo burguês incompreendido nas imediações. Antes da hora aprazada para o almoço, a que aqui chamam jantar, tal-qualmente como na Galiza, a tubagem de abastecimento camarário, de diâmetro maior, estava totalmente instalada. A água fluía com mais vigor. Umas pazadas de terra. A rua voltava à habitual pacatez. Posteriormente, asfaltariam o buraco. A maior pressão aquífera desapareceria, como a juventude, com o decorrer dos tempos. Iria habituar-se e viria a constatar quão preciosa é a água. Um bem em vias de extinção.

Durante anos lidaria com problemas no esquentador a gás que se entupia e avariava como nunca antes vira naqueles aparelhos. Eram sujidades, impurezas, humidade, defeitos e excesso de uso, tudo justificava as avarias. Até os bocais das botijas de gás doméstico tinham de ser regularmente substituídas.

Entretanto antes do natal, a população da Lomba da Maia não falava noutra coisa. Pela calada da conta mensal, surgira o roubo descarado dos Serviços Municipalizados. As contas apresentavam valores a dobrar. O que se passara para todos os mil e poucos habitantes da freguesia desatarem a consumir água? Ninguém abrira as fontes, como os locais designam as torneiras, mas teriam de pagar o que não tinham. Desde agosto (2008) que se manifestava esta falta de água. Mais vergonhoso era o facto de serem obrigados, por deficiência técnica dos contadores instalados, a pagar o ar que circulava. Ao abrirem as torneiras o jato de ar entra e o contador saltita feliz, debitando o movimento como se de água se tratasse. Para além dos inconvenientes da falta de água no outono, [como será no verão?], agora pagavam ar encanado. Como se chegou a esta situação?

O comunicado citava [nov. 2008] “A falta de chuva…obriga a Câmara da Ribeira Grande a efetuar cortes noturnos no abastecimento…a pouca pluviosidade diminui a pressão nas zonas altas, o que implica cortes noturnos para os depósitos recuperarem a capacidade. Devido à falta de chuva, as nascentes debitam pouca água para os reservatórios, insuficiente para o abastecimento normal 24 horas por dia, daí a menor pressão. É o caso da Lomba da Maia, da de São Pedro, Lombinha da Maia, Ribeira Funda e Burguete. A autarquia procedeu a cortes de abastecimento. Recentemente, anunciou investimentos de oito milhões de euros em obras de abastecimento de água na zona poente, que acabarão com a falta de água nas freguesias do Pico da Pedra, Calhetas e Rabo de Peixe.”

A notícia veio desassossegar o cidadão da Lomba da Maia que não se cala. A falta de abastecimento e os cortes tiveram início em agosto 2008, em pleno verão, mas só foram oficialmente anunciados a 13 de novembro quando a situação passou a crítica. Estes cortes, ignorados pelo resto da população da Ilha Verde, foram sentidos no preço do consumo de água que disparou. O ar sai sobre pressão e faz os contadores dispararem pela água não consumida, mas anunciada. Água que não consomem, mas pagam.

Não se compreende que os investimentos camarários na rede de abastecimento de água sejam todos naquilo a que os locais chamam “Faixa de Gaza”. Vivem lá os beneficiários de Rendimento Mínimo, aliás, de Inserção Social. Subsídio de desincentivo ao trabalho que o ministro socialista Ferro Rodrigues inventou cheio de boas intenções e pelo qual se espera que arda no inferno do desemprego profissional que criou. Será que isto faz parte da campanha de reeleição? Essa “Faixa de Gaza” ocupa a zona da Ribeirinha a Rabo de Peixe, onde a maioria dos investimentos da autarquia foi feita neste mandato.

Assim, esquecidos, UMA VEZ MAIS, estão os habitantes das terras altas da Ribeira Grande [“É o caso das localidades de Lomba da Maia e de São Pedro, Lombinha da Maia, Lugar da Ribeira Funda…”]. Quiçá por serem poucos, menos vocais e habituados a serem continuamente discriminados. Mas é na Lomba da Maia, que pagam a falta de água. Ali cortam a água para que não falte aos outros, lá em baixo. Pelas 21 horas desligam torneiras e máquinas. A água nem para as sanitas corre. Só pelas seis da manhã podem tentar um duche às pinguinhas. Recordava JC os tempos vividos em Timor. A água escorria do bidão de óleo, cortado a meio, sobre uma fogueira. Ia em plano inclinado para a improvisada canalização dando a sensação de duche.

O resto da ilha nem se apercebeu. Continuam todos a regar jardins e a lavarem carros. Felizes sem se darem conta da falta de água na Costa Norte. Podem continuar a esvaziar os depósitos do autoclismo em vez de os encherem de garrafas ou de tijolos para preservarem a água. Esta ilha abisma. Desde que JC chegara, biliões de litros de água foram diretamente das nuvens para as ribeiras que os vazam no mar. Equilíbrio perfeito com a natureza. Esqueceram-se da presença humana. Alguém terá lido sobre as mudanças climatéricas que se avizinham? Ninguém construirá reservatórios maiores antes que a ilha se assemelhe à metade castanha de Santa Maria, ou à aridez das Canárias e Cabo Verde. Então, será tarde demais. A menos que terras altas, como a Lomba da Maia, tenham reservatórios suficientes para as necessidades e deixem de depender dos outros que não cuidam, como prometeram antes de serem eleitos, de defenderem os interesses da freguesia. As represas já foram inventadas há muito, basta guardar a água para quando for precisa. Para não serem roubados.

Ser “palestiniano” na Ribeira Grande tem imensas vantagens. Não desistia JC de ser da Lomba da Maia, de se identificar com esta e por esta perseverar. A notícia obrigara os endormecidos repórteres citadinos a deslocarem-se à Lomba ou interrogarem as entidades autárquicas sobre o caso. JC chegara a propor ao autarca local a atempada construção de reservatórios maiores a nível local para evitar calamidades futuras. Duplicar ou triplicar a capacidade de armazenagem dos reservatórios locais poderia ser uma solução a curto prazo. O inverno de 2008 fora seco, assim como a primavera e o verão. Mais um inverno se aproximava com temores de falta de água. Nunca se vira tal nesta ilha, embora na Terceira já se verificasse uma seca há mais de um ano. O verão de 2009 passara sem chuva digna desse nome. Pouco ou nada se fizera a nível local, mas a autarquia estava a construir lagoas artificiais e reservatórios para a zona oeste do concelho. O quê? Outra vez para a Faixa de Gaza? Havia eleições nesse outono de 2009 e o Presidente da Câmara temia não ser reeleito? Aqui no extremo oriental do concelho havia falta de água e ninguém se precavia. Ainda teriam de andar todos de balde em demanda de água, ou voltariam aos tempos de arranjar uns burros com uns cântaros como acontecia na sua juventude em Trás-os-Montes.