batalhas navais portuguesas de antanho

Quando até ingleses e holandeses fugiam dos portugueses

Em princípios de Abril de 1624, preparou Freire de Andrade uma esquadra com 400 portugueses e 400 lascarins, e foi visitando fortalezas até à de Lima, que ficava numa serra e estava guarnecida por 400 soldados persas. Sob o fogo inimigo desembarcaram 300 portugueses e tomaram a fortaleza de assalto, passaram tudo à espada e queimaram a cidade. Freire de Andrade prosseguiu a sua viagem correndo a costa; passou a Cassapo, que estava desamparada; ocupou-a e fortificou-a por ser conveniente para fazer guerra a Ormuz e à Pérsia, deixando uma guarnição de 20 soldados portugueses e 100 lascarins; de Cassapo seguiu para Jalufar, onde aquietou dissidências e deixou 50 soldados portugueses para auxiliarem o capitão e voltou a Mascate.

O capitão-mor passara dois Verões tomando fortalezas que, nas mãos dos inimigos, podiam dificultar a guerra que se preparava para fazer à Pérsia para a reconquista de Ormuz. Em mãos portugueseas eram, pelo contrário, bases que lhes facilitariam as projectadas operações navais.

Ainda antes deste Inverno foram enviadas quatro galeotas e 10 terraquins, comandados por Luís Martins, à ribeira de Curiate e ao cabo Rosalgate para pôr a ferro e fogo os povos que não quisessem obedecer.

Ao paxá de Baçorá, que pedira socorro aos lusos contra os persas, foi enfiado Dom Gonçalo da Silveira, com seis galeotas e 200 soldados portugueses. A flotilha de D. Gonçalo permaneceu até Novembro de 1625 e fez tão bom serviço que os persas pediram insistentemente aos ingleses que mandassem alguns navios a Baçorá em auxílio, o que eles sempre recusaram.

Nesse Inverno, o vice-rei mandou a Freire de Andrade 10 galeotas com 300 soldados, munições e aprestos para os navios e para a guerra. O vice-rei estava também a aprontar uma armada de alto-bordo com oito galeões que, sob o comando de Nuno Álvares Botelho, se destinava a ir a Ormuz combater os inimigos europeus.

No principío de Novembro de 1624, Freire de Andrade foi correndo a costa da Arábia até ao cabo Mosandão, donde atravessou para Ormuz. No quarto da alva, mandou Luís Martins atacar Bramini, distante dali uns 15 quilómetros. Foram queimadas 400 terradas e seis galeotas e decapitados 2000 persas.

Ainda em Novembro, Andrade iniciou um apertado bloqueio de toda a ilha de Ormuz, distribuindo as suas forças pelos pontos de passagem obrigatória do inimigo.
Simultaneamente, lançou sucessivos golpes de mão na costa persa que lhe ficava próxima, não lhes deixando um momento de sossego e interceptando o que do continente vizinho se dirigia para a fortaleza de Ormuz. A falta de artilharia e soldados iria impedi-lo de atacar directamente a fortaleza, e mais tarde foi forçado a levantar o bloqueio ao final de três meses, voltando aos assaltos nas costas próximas de Congo, Broço e Bombarca.

Freire de Andrade tinha executado, meticulosamente, um plano de operações destinado a arruinar o comércio marítimo persa e a recuperar Ormuz.

Com o seu comércio paralisado, os persas voltaram a pedir o socorro dos ingleses, pois perceberam que, sem apoio naval, Ormuz viria a cair, mais tarde ou mais cedo, nas mãos dos portugueses.

A armada anglo-holandesa era constituída pelos seguintes navios:

– Royal James (capitânia, John Weddel)
– Jonas
– Star
– Eagle
– Spy
– Scout
– Zuijdt-Holand (capitânia, Albert Becker)
– Nieuwe-Bantam
– Dordrecht
– Weesp
– 2 naus de mouros de Surrate. Dispunham ainda mais de 4 navetas (naus pequenas) e dois patachos.

A armada portuguesa era constituída pelos seguintes navios:

– São Francisco (capitânia, Nuno Álvares Botelho)
– São Francisco (almirante, Francisco Borges de Castelo Branco)
– São Sebastião (comandante, António Teles Meneses)
– Trindade (comandante, Francisco de Sousa de Castro)
– São Salvador (comandante, Francisco Tovar da Cunha)
– Santiago (comandante, Simão de Quental de Carvalho)
– Misericórdia (comandante, Fernão da Costa de Lemos)
– Santo António (comandante, António Godinho Coelho)

Na manhã do dia 10 de Fevereiro de 1625, o forte disparou três tiros, avisando ingleses e holandeses da aproximação da esquadra lusa. Os ingleses recolheram todo o pessoal que tinham em terra e prepararam-se para suspender; mas esperariam pela madrugada para o fazer e iniciar o combate.

Passada a noite em preparativos, a esquadra portuguesa fez-se de vela mesmo antes do amanhecer; o mesmo fizeram os holandeses, que entraram em acção seguidos de perto pelos ingleses.

A capitânia holandesa, que vinha na vanguarda, deu um tiro sem bala a que respondeu a portuguesa com um tiro de pelouro.

Iniciada a batalha, com vento muito fraco e os inimigos a barlavento, não foi possível aos portugueses tentar a abordagem, como sempre desejavam. No começo da acção, a capitânia e a almirante holandesa, que vinham na testa da coluna, lutaram contra a capitânia portuguesa. Do lado português apenas 6 galeões estavam envolvidos no combate porque os dois últimos, tendo acalmado o vento, deixaram-se atrasar saindo da linha da batalha.

Pretendia Álvares Botelho, conforme o costume português, abordar a capitânia holandesa antes que fossem chegando outros navios, mas a falta de vento impediu-o. De qualquer modo, conseguiram avariar de tal modo a capitânia holandesa que, com as vergas em baixo, destroçadas e de banda, a reboque das suas faluas, afastou-se da luta para sotavento.

Os galeões São Sebastião e Santiago tomaram parte muito activa no combate, metendo-se entre os inimigos. O primeiro afastou-se com a calmaria e a corrente para perto de Ormuz e, isolado, sofreu o fogo de várias naus inimigas. Confessaram os inimigos que este navio lhes fez mais estragos do que quaisquer outros três.

Todo o combate se travou com duelos de artilharia a curta distância; apenas a almirante portuguesa esteve atracada à nau holandesa Dordrecht, à qual chegou a tomar a bandeira; esta conseguira libertar-se com o auxílio da Royal James.

De tarde, com uma brisa favorável, Botelho foi com o seu navio e a almirante para abordarem a capitânia inglesa; esta conseguiu evitar o ataque e apenas se desenvolveu um novo duelo de artilharia entre as duas capitânias. O combate entre as duas esquadras duraria até ao anoitecer.

O capitão-mor holandês Albert Becker faleceu durante o combate e o seu navio ficou fortemente avariado; a São Sebastião teve grandes avarias e o seu capitão foi ferido num braço, vindo a ser-lhe amputada uma mão. A batalha foi presenciada pelos persas de Ormuz e do Comorão com grande espanto pela sua violência e duração. Só a capitânia inglesa terá disparado 700 tiros.

No dia seguinte, o mau tempo impediu a continuação do combate, mas o dia foi aproveitado para reparar as avarias.

A 13 de Fevereiro recomeçaram os combates, com as capitânias inglesa e holandesa e a almirante holandesa a avançar sobre a capitânia portuguesa. O Royal James, ao aproximar-se da capitânia portuguesa, foi recebido com uma violenta bordada a que o inglês só respondeu quando se encontrava muito próximo do navio português. A batalha durou até às 17h00 sem que nenhum dos combatentes se pudesse considerar como vencedor.

Sendo a capitânia portuguesa o navio de maior poder bélico, pareceu aos nossos inimigos que a sua destruição lhes daria vitória; por isso, durante todo o combate ela foi rodeada por sete navios inimigos que lhe provocaram danos importantes no arvoredo e nas enxárcias; mas não conseguiram imobilizar o navio português ou sequer impedi-lo de responder vigorosamente ao fogo inimigo. Gastou aquele navio mais de 1500 munições naquele combate.

Quando os inimigos se recolhiam ao abrigo da fortaleza de Comorão, viram o galeão português Trindade; atacaram-no com vários navios, mas o seu capitão, Francisco de Sousa de Castro, defendeu-se valorosamente até que pôde ser socorrido pela capitânia, apesar de meio destroçada no velame. Todos os navios ficaram bastante danificados e apenas três galeões mantinham os seus mastaréus intactos. O inimigo perdeu um navio.

Foram disparados neste segundo dia de combate cerca de 20.000 tiros, a somar aos 16.000 do primeiro dia.
Mais do que no primeiro dia, este segundo dia de batalha espantou os persas pela sua braveza e pela violência do fogo de artilharia dos navios.

Nos dias seguintes, os ingleses e holandeses, abrigados pelas fortalezas suas aliadas, procediam não só à reparação dos navios como ao carregamento de mercadorias. Os persas tentavam persuadir os seus aliados europeus a permanecerem na área para os auxiliar na luta contra os portugueses; os holandeses recusaram prontamente e os ingleses não se julgaram suficientemente fortes para se baterem sozinhos contra os lusos.
Em 23 de Fevereiro, largaram de Ormuz os ingleses e holandeses.

A armada portuguesa tentou cortar-lhes a passagem no estreito de Ormuz e obrigá-los a combater. Os aliados anglo-holandeses, mais interessados em salvar as suas preciosas cargas do que em combater, procuraram ganhar barlavento, pela proa da capitânia portuguesa, que ia manobrando para tentar impedi-los. Ao anoitecer, com a mudança do vento, os inimigos perderam a vantagem de estarem a barlavento, mas conseguiram afastar-se, apagando os faróis e saindo para fora do estreito. Fontes inglesas e holandesas afirmam que lhes iam escasseando munições e que tanto eles como os holandeses estavam desejosos de desembarcar as suas cargar em Surrate e a partir dali, antes que entrasse a monção de sudoeste.

Na manhã do dia seguinte, os portugueses avistaram o inimigo já demasiado longe para ser perseguido com êxito.

A batalha foi, do ponto de vista táctico, um combate indeciso. Estrategicamente, contudo, a vitória foi portuguesa, pois manteve alto o moral dos portugueses e dos seus aliados orientais, recuperou-se grande parte do prestígio português, e o controlo temporário do mar que a batalha deu aos portugueses teve efeitos imediatos. As fortalezas ficaram seguras e a salvo de qualquer assalto como antes se temia; os inimigos passaram a ter de navegar naquelas zonas com maiores cautelas, em maiores esquadras, com as consequentes despesas.

Esta é, curiosamente também, a única acção militar no Oriente que opôs ingleses e portugueses.

Na imagem, vemos um fidalgo português da época, numa ornada meia-armadura.

FONTE: Grandes Batalhas Navais Portuguesas, de José António Rodrigues Pereira

Ricardo da Silva

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Publicado por

CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL

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