Uma visão da ocupação portuguesa e descolonização de Timor-Leste, por Fernando Augusto de Figueiredo

 

Uma visão da ocupação portuguesa e descolonização de Timor-Leste, por Fernando Augusto de Figueiredo

A monografia histórica de Fernando Augusto de Figueiredo, “Timor-Leste – A presença portuguesa desde a reocupação à invasão indonésia (1945 – 1975)”, aborda o relacionamento difícil de Portugal com a Indonésia e a Austrália até 1975, num contexto internacional de contestação à presença portuguesa nas colónias. Macau é palco, em Junho de 1975, de uma cimeira entre Portugal e alguns dos partidos timorenses, onde não se inclui a Fretilin. No encontro foi delineado o calendário da descolonização, processo interrompido com a invasão pela Indonésia, em Dezembro de 1975.

Catedral de Díli em ruínas –1945. / Fotografia cedida por Maria do Patrocínio Faustino

Cláudia Aranda

“Timor-Leste – A presença portuguesa desde a reocupação à invasão indonésia (1945 – 1975)”, dá continuidade à tese de doutoramento de Fernando Augusto de Figueiredo intitulada “Timor: Presença Portuguesa (1769 – 1945)”, publicada em 2011, “explorando fontes ainda pouco ou nada conhecidas, de arquivos portugueses e estrangeiros, nomeadamente, os ‘The National Archives of Australia’ e ‘The National Archives’, no Reino Unido”, explicou o autor ao PONTO FINAL. Fernando Augusto de Figueiredo, investigador do Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL), lançou a monografia histórica no passado 10 de Junho, no Auditório da Feira do Livro de Lisboa.

Moisés Silva Fernandes, co-director do Instituto Confúcio da Universidade de Lisboa, descreveu esta obra, com mais de 600 páginas, como um trabalho académico “de grande vulto, que vem alterar os debates que se fazem em torno da questão do Timor português e de Timor-Leste, o seu enquadramento na política colonial portuguesa e o seu processo de descolonização que foi interrompido pela Indonésia com a invasão de 7 de Dezembro de 1975”.

A obra permite “reviver os anos do Interregno entre as duas invasões de Timor-Leste: a invasão japonesa e a invasão indonésia”, escreve no prefácio o bispo Ximenes Belo, Nobel da Paz de 1996, que resignou à diocese de Díli em 2002, exilando-se em Portugal. No entender de Ximenes Belo, “foram trinta anos de esforços de reconstrução e de desenvolvimento. Foi pena que a distância imensa que separava aquela antiga colónia da ‘Mãe-Pátria’ e o atraso cultural dos indígenas timorenses constituíssem um ‘senão’ para uma autêntica presença portuguesa”. O Nobel da Paz culpa a “impreparação e imaturidade política dos intervenientes do processo revolucionário do pós-25 de Abril de 1974”, tanto em Timor, como em Portugal, que fizeram “estancar o processo do desenvolvimento e lançou os timorenses no caos e na guerra civil”. Mas enaltece “os laços históricos, culturais e religiosos, expressos na língua portuguesa e na religião cristã”.

A ocupação japonesa prolongou-se de 1942 a 1945, deixando “70 mil mortos e destruição de infra-estruturas e recursos agrícolas”. A década de 1960 “foi um período de progressiva consolidação da presença portuguesa no território”. Mas, a nível político e social, “havia deficiências na administração e nos serviços”, destaca Ximenes Belo. Por isso, em 1959, “um grupo de timorenses, atiçados por uma dúzia de soldados indonésios infiltrados em Oe-Cusse e, depois, autorizados a residir em Baucau e Viqueque, levou até ao excesso as suas reivindicações”, descreve Ximenes Belo. Essas reivindicações resultaram na morte de timorenses, incêndios de casas em algumas aldeias de Watolari e Watocarbau, e no desterro dos implicados da revolta de 1959, para Angola e Portugal. Em consequência disso, o Governo de Lisboa e de Díli “delinearam planos de fomento e de crescimento”, processos abordados no livro de Fernando Augusto de Figueiredo, refere Ximenes Belo.

De Timor, telefonar para a metrópole, só em 1973

Fernando Augusto de Figueiredo referiu que esta obra, de 1945 e 1975, vai desde a reocupação portuguesa, “passando por um difícil e periclitante relacionamento com a Indonésia e a Austrália”, até à invasão e ocupação indonésia, considerando sempre a situação internacional de contestação – nomeadamente dos Estados Unidos da América (EUA) e Grã-Bretanha – à presença portuguesa, com Portugal a defender a sua posição de excepção”, explica o autor.

A obra aborda a administração portuguesa, “que vai evoluindo até uma autonomia restrita, integracionista, mas continuando a respeitar alguma especificidade das estruturas tradicionais indígenas”, diz Fernando Augusto de Figueiredo. A economia, que era assente, sobretudo, numa agricultura de subsistência, tendo no café o principal e quase único produto de exportação; uma indústria rudimentar e um comércio muito dependente dos territórios vizinhos. “As tentativas de exploração de petróleo não vieram a concretizar-se com sucesso, ficando o assunto da delimitação da zona de exploração com a Austrália ainda em aberto”, explica o autor.

As finanças caracterizaram-se por um grande desequilíbrio entre receitas e despesas, só compensadas com o auxílio da então metrópole e com empréstimos de outras províncias ultramarinas. Os transportes e comunicações eram muito deficientes, dependentes das companhias marítimas estrangeiras e dos transportes aéreos australianos. “Telefonar para a metrópole só se tornou possível em 1973”, destaca Fernando Augusto de Figueiredo.

No ensino, a presença portuguesa terminou com baixas taxas de alfabetismo. Na apresentação da obra em Lisboa, Moisés Silva Fernandes destacou o acordo relativo aos Açores, que foi “a moeda de troca que António de Oliveira Salazar usou perante os EUA e a Grã-Bretanha para impedir que a Austrália tomasse o Timor português, como era sua vontade. Como o autor afirma ‘[d]e facto, a ‘libertação’ de Timor apresentava-se ao ‘Estado Novo’ como um desígnio nacional, dentro da concepção imperial que o regime defendia e propalava”.

Macau de fora dos processos de descolonização

A integração colonial portuguesa passou a estar, a partir de 1960, sob os olhares da Organização das Nações Unidas (ONU). “Efectivamente, o governo português estava a desrespeitar o que a ONU propunha, que era o processo de descolonização e independência. Neste contexto, lembra Moisés Silva Fernandes, “o processo de reunificação de Macau à China Continental era um dado adquirido, após a Grande Revolução Cultural Proletária, entre 1966 e 1968, que deixou completamente humilhados o governador e a administração portuguesa”. Em 1971 a República Popular da China acedeu à ONU e no ano a seguir “fez com que a Assembleia-Geral retirasse Hong Kong e Macau da lista de territórios a descolonizar”.

Os “acontecimentos de 1959” em Timor são de nível interno e não recebem internacionalmente qualquer visibilidade, porque os dois regimes, o português e o indonésio, criaram de facto um “muro de silêncio”. Os timorenses vão ficar, contudo, com a memória destes trágicos incidentes. No início da década de 1970, começam a organizar-se vários movimentos de proto-independência, quase todos de origem católica, e são estes que vão marcar os partidos políticos após o 25 de Abril de 1974.

A PIDE/DGS surgiu após os “acontecimentos de 1959”, para manter sob vigilância os poucos que regressaram de Angola e Moçambique para o Timor português, e que foram absolvidos dos “acontecimentos de 1959”. A PIDE, refere Fernando Augusto de Figueiredo, estava atenta, também, às deslocações desde Díli de jovens chineses que iam continuar os seus estudos, entrando alguns “na China Popular” por Macau ou Hong Kong, recebendo educação em “escolas comunistas especializadas”, com a intenção de virem depois a ser “doutrinadores dos seus compatriotas”. Como precaução, não era autorizado o regresso aos estudantes que tivessem ido para a China continental comunista, mesmo com a família a residir em Timor. Com o desencadear da Revolução Cultural na China, a PIDE aperta a vigilância.

Mais tarde, Macau vai ser o palco de negociações entre Portugal e os partidos políticos de Timor. Em Macau, estiveram presentes a UDT, a APODETI, o KOTA e o PT. Não compareceu a FRETILIN, que desejava ser reconhecida como único representante do povo timorense e manifestando o seu interesse em negociar directamente com Portugal, mas em Timor ou Camberra, não em Macau.

Na Cimeira de Macau, a 26 de Junho de 1975, ficou delineado o calendário de descolonização e o estatuto especial para o período de transição, proporcionando-se à população escolher apenas entre a independência e a integração na Indonésia, uma vez que a soberania portuguesa deveria terminar em Outubro de 1978. Em 7 de Dezembro de 1975, com o aval dos Estados Unidos da América, a Indonésia desencadeou a fase militar da Operasi Komodo (Crocodilo Gigante), em curso desde Outubro de 1974, e invadiu Timor por terra, mar e ar, bombardeando a cidade de Díli e tomando-a com tropas pára-quedistas, “iniciando assim uma ocupação violenta, que encontrou uma resposta com que não contavam”, refere o autor.