comecei o jornalismo no Página Um da Rádio Renascença há mais de 50 anos

cito de Viriato Porto
Dia mundial da rádio (13 de fev.)
À rádio devo em certa medida aquilo que sou

Porque os meus horizontes musicais e culturais nasceram com o lendário programa radiofónico «Página Um», que marcou definitivamente a minha vida, talvez até mais do que qualquer livro

Com toda a propriedade, posso dizer que o Página Um ajudou-me a ser o que sou

O Página Um era um programa da Rádio Renascença, antes do 25 de Abril, com propostas musicais e reportagens que iam ao arrepio do nacional-cançonetismo e da informação oficial do regime

PÁGINA UM – um programa de José Manuel Nunes, e no qual participou, entre outros, Adelino Gomes
“Página Um”, programa radiofónico que iniciou-se no dia 02 de Janeiro de 1968, na Rádio Renascença, entre as 19H30 e as 20H30

O programa “Página Um” começou no dia 2 de Janeiro de 1968, na Onda Média da Rádio Renascença, entre as 19H30 e as 20H30. Os primeiros apresentadores foram Jorge Schnitzer e Maria Helena Fialho Gouveia.

Depois foi realizado e apresentado por José Manuel Nunes, Luís Paixão Martins ou Artur Albarran mais tarde. Na reportagem, que era um dos pontos fortes do programa, colaboraram nomes como Adelino Gomes ou José Duarte. Apresentado tambem por Fernando de Sousa.

O programa destacou-se também na divulgação musical da música da época.

O programa foi suspenso após comentários aos acontecimentos dos jogos olimpicos de Munique de 1972. Mais tarde é retomado e ainda existia em 1975.

O indicativo musical do Página Um

e extraio do meu livro chrónicaçores uma circum-navegação vol. 1:
4.5. JORNALISMO, UM APRENDIZ DE FEITICEIRO

Em 1967 começara JC a sua longa carreira de jornalista da forma mais casual possível ao fazer a reportagem do Circuito Internacional de Vila Real e da Fórmula 3. Vendera um exclusivo à Rádio Renascença para quem haveria de trabalhar até sair de Portugal em 1973. A história começa duma forma bem mais prosaica. Estava convidado em Vila Real pelo seu tio que era à data Diretor Clínico do Hospital e responsável médico pela prova.

Calmamente assistiam na bancada principal às provas quando se deu um grande acidente com um corredor chamado Tim Cash, segundo a reminiscência que guarda do incidente. Como falava bem inglês, fora chamado para servir de intérprete. Acabara a entrevistar o acidentado, gravando tudo no seu portátil que já o acompanhava nesses dias para toda a parte. Quando saíra do hospital era lógico que todos queriam saber o que se passava (o homem salvou-se) e limitara-se a ver quem lhe oferecia mais pela fita (naqueles tempos ainda não havia cassetes). Ganhou a alta soma de 500$00 pelo feito.

Mais tarde cingira-se a escrever para a Rádio Renascença numa clara demonstração de saber aproveitar as oportunidades. Oferecera-se para colaborar com eles em futuras provas. A RR achara que o jovem JC tinha pinta e dignaram-se aceitá-lo como colaborador de automobilismo para a Zona Norte. Foi trabalhar com o célebre e popular programa Página 1 de José Manuel Nunes, com colaboradores como Joaquim Amaral Marques, Adelino Gomes, Pedro Castelo. Era o programa de rádio mais ouvido e logo à primeira tentativa tinha entrado. Viriam a ser notáveis as coberturas que fariam dos eventos desportivos a norte do país.

Curiosamente, uma das notícias mais importantes que transmitira fora a morte de Otis Redding, num desastre de aviação em 10 de dezembro de 1967. Isto porque não se usavam frequentemente telexes (quem se lembra deles hoje?) e JC passava a vida a ouvir estações piratas como a Rádio Caroline, Rádio Luxemburg, onde tinham acabado de dar a notícia. Nessa altura as notícias do mundo demoravam dias a chegar às redações dos jornais e das rádios. Não só nessa época.
Mais tarde, em plena década de 1990, ainda enviava os seus despachos para a agência Lusa, para a Rádio Macau (TDM – RTP) e, mais tarde, para o jornal Público através de telex. Tinha de os ir enviar à baixa de Sidney. Chegava a Lisboa e ao jornal, provavelmente, com mais de um dia e meio de atraso.

O sistema de reportagem foi-o desenvolvendo e melhorando ao longo dos tempos, sem lições de ninguém porque nunca fora feito antes. Inicialmente não lhe pagavam nada, depois começaram a pagar as despesas, gasolina, telefones e alimentação. Por fim, já tinha uma avença e pagava aos seus colaboradores em cada prova. Era um dos dois maiores sonhos da sua juventude: ser advogado e seguir a carreira diplomática ou ser jornalista. Desde os 12 ou 13 anos que sonhava com essas profissões. Este já cá cantava, da outra desistiria. Viria a não diplomaticamente acabar por dar muitas voltas ao mundo sem ser advogado.

Numa primeira fase fazia a cobertura de eventos motorizados com o seu melhor amigo e piloto de competição em ralis, o Taka e ocasionalmente um primo ou um amigo juntava-se a eles. Iam ver as classificativas cronometradas mais importantes e seguiam em busca dum telefone para dar os tempos desse troço cronometrado. A seguir começaram a ter mais de um carro para fazer a cobertura e podiam ter várias equipas a transmitir os dados à medida que os concorrentes iam percorrendo os vários troços. Era a verdadeira cobertura em direto e ao vivo. Já nessa época se vivia com muita intensidade a febre dos Ralis em Portugal. Havia gente em todos os montes e serras, fosse a que hora fosse. Por mais ermo e deserto que fosse o local havia lá gente.

Nos primeiros anos o que os identificava perante os polícias era um cartão retangular prensado com a palavra PRESS a branco sobre fundo vermelho. Depois mandaram imprimir autocolantes com a identificação da estação emissora e do programa. Havia um gravador portátil de cassetes e um par de auscultadores de estúdio para as entrevistas, à partida e à chegada, com uns fios esquisitos que serviam para transmitir o som através do telefone. Reportagem na hora com meios improvisados e inventados por jovens como ele. Uma vida excitante para um adolescente que lhe permitia não só contactar com todos os pilotos, como com os organizadores, equipas de assistência, e com as jovens que eram atraídas para este tipo de eventos. Que mais podia desejar? Isto tudo e ainda lhe pagavam para ouvir a sua voz na rádio.

Foram, anos e anos sempre a correr, vividos intensamente entre ralis e treinos num velho Opel Kapitän 1958 ou num Volvo “Marreca” PV 544 de 1959 percorrendo tudo o que era estrada municipal ou caminhos de cabras. Uma vez numa florestal, perto de Gondarém (à saída de Viana do Castelo), saíra uma manada de vacas à sua frente e quase que embatiam num pelourinho. Raramente saíram da estrada. Exceção feita ao primeiro rali de iniciados que fizeram em que depois de partirem de Santa Luzia (Viana do Castelo, de novo) embateram fortemente com um penedo. O motor ficou no lugar do pendura e a roda sobressalente veio para o seu lugar. O carro ficou com a frente desfeita. JC teve umas equimoses e hematomas nas costas, os quais depois de devidamente tratados no hospital de Viana nunca viriam a ser do conhecimento de ninguém. Tão abalado ficara com o acidente que saíra do carro a correr a cantarolar, sem razão aparente, “Corre Nina” do Paulo de Carvalho, para logo a seguir voltar para tentar desligar o corta-corrente com medo de que deflagrasse um incêndio.