Portugueses no Butão 1627

Nova Portugalidade
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Levaram Portugal até ao tecto do mundo
Em Outubro de 1627, dois sacerdotes jesuítas portugueses, Estevão Cacella (1585-1630) e João Cabral (1599-1669), após duros meses de caminhada atravessando o norte da Índia, chegaram ao Butão, remoto reino budista situado nos contrafortes dos Himalaias e do qual nunca se ouvira até então falar no Ocidente. Recebidos por Ngawang Namgyal, chefe espiritual e político que a história regista como o fundador daquele Estado ainda hoje existente, dessa recepção ficou a memória depois lavrada por Cacella:

  • “O Rei recebeu-nos com grande afabilidade, mostrando quão satisfeito estava por poder receber-nos, e logo quis saber de onde viéramos, a que reino e a que nação pertencíamos e muitas outras perguntas que ocorrem num primeiro encontro. Dissemos-lhe que éramos portugueses e que nunca havíamos visitado o seu reino, mas que tínhamos a certeza de que antes de nós nenhum outro europeu ali fora. Com efeito, o Rei nunca tinha ouvido falar de Franguis (1)”.
    Espantaram-se os dois Jesuítas pelo facto de o Rei ser um sacerdote budista lamaísta, surpreendeu-os o rigor da sua dieta estritamente baseada no leite e frutos e a austera forma de vida que levava. “O Rei é famoso pela sua abstinência, nunca come arroz, carne ou peixe” e “vive apartado do mundo, numa cabana, inteiramente consagrado à meditação e à oração”, descendo de quando em vez da montanha a pedido das populações para dele receberem conselho.
    Os dois missionários vindos do longínquo Purdhukha (Portugal) foram bem acolhidos por aquele povo, proporcionando-lhe momentos de grande curiosidade quando lhes falharam de óculos, armas de fogo e outras maravilhas tecnológicas existentes na Europa. O Rei não se opôs ao desejo dos dois religiosos em exercer proselitismo, concedendo-lhes até um terreno onde puderam erigir uma precária igreja. Em vão tentaram Cacella e Cabral converter alguns butaneses ao cristianismo, mas estes não se mostraram grandemente sugestionados, preferindo questioná-los sobre curiosidades do seu país de origem. Baldados todos os esforços, e não obstante o ardente desejo do Rei em mantê-los por perto, os dois portugueses deixaram que o rigoroso inverno desse lugar a primavera e despediram-se, continuando a sua jornada em direcção ao Tibete.
    MCB
    (1) Franguis, farangis ou farangues, nome pelo qual os asiáticos tratavam indistintamente os europeus.
    Para saber mais:
    Benjamim Videira Pires, Portugal no tecto do mundo. Macau: Instituto Cultural, 1988.
    Marques Gastão, Os missionários Jesuítas portugueses no Tibete: evocação histórico-religiosa. Lisboa: Rei dos Livros, 1995.
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