debate sobre educação (A MINHA OPINIÃO há 10 anos atrás….

  1. CRÓNICA 40 DA EDUCAÇÃO, DA SAÚDE PÚBLICA, DA RELIGIÃO AO 10 DE JUNHO. 9 junho 2007
    40.1. INDUCANDO

Tenho andado preocupado com o que se passa neste país à beira-mar prantado, e com a educação dos portugueses.

No jornal Público a 5 de junho 2007 (de que me não canso de dizer fui um dos fundadores e se bem que me não reveja nele atualmente, continuo a rotina diária de o ler) surgiu há dias uma carta ao editor do escritor micaelense Daniel de Sá, aqui da vizinha Maia.

Assinar de cruz
Como se prepara um aluno de Língua Portuguesa para exames em que terá de fazer apenas umas cruzinhas?
Com testes do mesmo modelo?
Poderá assinar de cruz, caso não saiba escrever o seu nome?
Nunca vi nenhuma dessas famosas provas, mas gostava de saber como são.
Arrisco uma hipótese, a propósito daquele soneto de Camões que acaba assim:
“e eu, gritando: Dina…/ antes que diga Mene, acordo e vejo/ que nem um breve engano posso ter.” (Nem nós. Mas o ministério parece que sim.)
Será talvez da seguinte maneira, por exemplo. Pergunta: “Como se chamava a amada de Camões?” Resposta múltipla: “1) Dina; 2) Mene; 3) Dinamene”.
Ou então, como interpretação do que acabara de fazer D. João V no lançamento da primeira pedra do convento de Mafra, segundo José Saramago. Lembram-se? (“pode vossa majestade subir, cuidado não caia, que o resto do convento nós o construiremos, e agora podem ser postas as outras pedras”).
Do possível teste: “Que pôs D. João V para início do convento?”
Resposta múltipla: “1) uma luva; 2) A mão da rainha; 3) uma pedra.”
O atual sistema de ensino deixa cada vez mais convento para construir.
Há um ror de anos, um rapaz da minha ilha, praticante de halterofilia, estava muito próximo de conseguir os mínimos olímpicos.
O peso que ele levantava correspondia à categoria imediatamente inferior àquela a que pertencia.
Por isso não treinou para se tornar mais forte, mas fez dieta para emagrecer.
O caso é real e o atleta acabou por não ir ao Oriente.
Portugal irá a algum lado com tanto faz-de-conta?

Daniel de Sá, Maia, S. Miguel, Açores

Logo, [num fórum privado do qual não posso transcrever nada sob pena de ser expulso, que aquilo é quase uma sociedade secreta, uma professora jovem e com poucos anos de tarimba], declarou em tom magistral:

Caro Daniel,
Portugal pode, algum dia, chegar a algum lado, mas não me parece ser através do sistema de ensino atual.…
Este tipo de provas de que fala só tem servido para confirmar a falta de literacia existente em cada pedacinho de terra portuguesa.
Em meu nome pessoal e das centenas de professores desiludidos com o sistema, agradeço ter dado voz à nossa voz através da carta que escreveu.
Assinado CCC

A seguir uma outra escrevia:

Caro Daniel,
Está uma delícia essa carta!
Eu ainda cheguei a escrever bastantes testes destes no Canadá.
Aprendia-se depressa a reconhecer a resposta certa: era geralmente a opção mais comprida ou a última, portanto me atrevo a dizer as respostas me parecem ser: Dinamene e pedra. Estarei certa? -)

Um abraço,
IJ

Foi então que não resisti e dei voz à minha indignação pela prática recorrente em Portugal de todos criticarem, sempre ex-cathedra sem, no entanto, se aperceberem de que a culpa muitas vezes assenta mesmo que nem uma luva nas pessoas que criticam.

Aqui vai a minha resposta:

Caros membros
Portugal pode, algum dia, chegar a algum lado, e isto nada tem a ver com o sistema de ensino atual.…o ensino bom ou mau, com umas ou outras regras será sempre aquilo que os professores forem ou quiserem ser.
Há professores desiludidos com o sistema, é certo, mas a maioria tem dezenas de anos de trabalho e de dedicação pelos quais se podem lamentar. Há outros, porém, que agem contra as novas normativas ministeriais portuguesas porque lhes retira “privilégios” ou “mordomias” e os obriga a fazerem “formação” coisa horrenda que todos dizem detestar, esquecendo-se de que em todos os países ditos civilizados as pessoas fazem formação até morrer, mesmo bem depois de reformados (não estou só a falar da minha pátria australiana, mas de outros países ditos desenvolvidos)
Claro que nem toda a formação será a que mais interessa ao ensino, mas há sempre a formação que cada professor ou pessoa pode escolher independentemente de ser mandatada pelo ministério. Vê-se aliás como os professores em Portugal são avessos a qualquer tipo de formação, ou de investigação científica (a menos que se repercuta em saltos de carreira ou outros interesses pecuniários). Tive a oportunidade de o constatar ao longo dos últimos anos com a repetida ausência de docentes (do ensino primário, secundário ou terciário, fossem eles da área de Português ou não) nos Colóquios da Lusofonia e nos Encontros Açorianos.
Cada pessoa, professor ou não tem a obrigação de ir para além do que o ministério manda ou não, pois a sua principal obrigação não é para com o ministério que lhe paga, mas com os alunos que tem de educar, é daí que surge o étimo magistério…caso contrário deve dedicar-se a outra atividade profissional menos exigente ou para a qual tenha mais vocação. Assim como nem todos podem/devem ser pais/mães, nem todos deviam/podiam ser professores/as…
Este tipo de provas de que falam [aqui neste café] para confirmar a falta de literacia existente em cada pedacinho de terra portuguesa, pode mostrar muitas coisas, mas a falta de literacia de muitos professores (hoje em dia, no passado seria diferente) anda de mãos dadas com a de muitos alunos…
Estamos todos desiludidos com o “sistema”, (aliás essa palavra veio de um dirigente desportivo) mas poucos fazem mais do que queixarem-se. Nos meus tempos ainda se lutava contra a guerra colonial e outras coisas importantes, mas atualmente já ninguém luta por nada, embora todos lutem contra tudo e todos…
Esquecem-se os queixosos de que muitas vezes a revolução deve começar por nossas casas antes de chegar à sociedade, e se não investimos na tal formação (só por mero gozo pessoal ou vontade de nos melhorarmos) não iremos longe, seguiremos a pisada dos nossos iletrados e incultos políticos que tão bem nos dirigem, como os pastores conduzem os seus rebanhos de cordeiros (Portugal é uma carneirada, que me desculpem os carneiros).
Falemos agora das provas de escolha-múltipla:
Uma decisão necessária, em qualquer tipo de teste, refere-se aos tipos de pergunta (ou item) a utilizar. A escolha não é arbitrária, dado que cada tipo apresenta vantagens e desvantagens.
Deve o professor na elaboração de testes de conhecimento selecionar criteriosamente o tipo ou tipos de pergunta a utilizar, consciente das implicações da escolha feita, em termos de adequação aos fins em vista, vantagens comparadas com outros tipos de pergunta.
Quanto ao tipo de item: escolha-múltipla – permite avaliar comportamentos situados em todos os níveis das taxonomias de objetivos educacionais.
Sendo, entre os itens de tipo objetivo, o único que permite avaliar aprendizagens complexas, é o tipo de pergunta objetiva mais conhecido e utilizado em toda a parte.
E cito: “Pela mão de especialistas é possível elaborar perguntas de escolha-múltipla que requerem processos mentais sofisticados de vária ordem” (Gage e Berliner, 1975: 800) e volto a citar: “Muitos críticos do tipo de item “escolha-múltipla” sublinharam que apenas requer do aluno o reconhecimento e não o conhecimento ou a construção da resposta correta. Sugerem que o reconhecimento é uma forma elementar de comportamento e que muitos alunos capazes de reconhecer as respostas curtas num teste não saberiam aplicar, na prática, o que aprenderam. De um modo geral, os resultados da investigação não confirmam esta afirmação. Vários estudos em que foram comparados testes objetivos e testes de composição mostraram que os testes objetivos conseguiam predizer o desempenho geral do aluno na composição, aproximadamente tão bem quanto a pouco fiável classificação de um teste de composição o permitiria” (Choppin, 1988: 357).
Ora vamos lá ver se será assim tão fácil:
1. A determinação dos contextos em que se desenvolve o ato educativo resulta (indique a resposta FALSA)
A. da influência da instituição escolar na definição dos papéis sociais dos alunos e professores.
B. da imposição de normas decorrentes da organização do sistema educativo.
C. do controle das representações sociais exercido pelos órgãos de gestão.
D. dos modelos de gestão assumidos pelos responsáveis escolares.

Entretenham-se neste fim de semana que eu prometo dar a solução para a semana…

Chrys CHRYSTELLO,

A ministra pode de facto ser a besta-quadrada que muitos dizem que é, mas conheço muitos professores que precisavam mesmo deste tratamento, ou seja, o mal é que muita gente entrou na profissão porque não sabia fazer mais nada e não tinham emprego em sítio algum, ergo, foram para professores.

Coitados dos alunos e dos pais de tais alunos. Muitas almas continuam a questionar por que razão anda pelas ruas da amargura o ensino em Portugal (Também anda assim nos EUA, na Austrália, no Reino Unido, e em tantos outros países).

Os problemas já vêm dos meus tempos de escola:
1. Programas extensos, maus, e impreparados pedagogicamente para a sociedade em que se inserem.
2. Manuais desprezíveis, alterados ciclicamente para manterem o lóbi dos seus autores.
3. Disciplinas a mais e a menos, com cargas horárias erradas. O crime de retirar a Filosofia, a despromoção da História, a falta de ênfase no Português e na Matemática como cadeiras nucleares de todo e qualquer ramo de ensino.
4. Um número crescente de professores mal-preparados e por aquilo que observei nos alunos da minha mulher enquanto ela preparava professores no triénio em que esteve na Escola Superior de Educação de Bragança, a tendência mantém-se.
5. Excesso de escolas superiores, de universidades e quejandos sem cumprirem os requisitos mínimos de exigência e competência.
6. O ensino primário e secundário demasiado lúdico com tudo a fingir e a brincar para não sobrecarregar os meninos. Passou-se da memorização excessiva à não-memorização para não sobrecarregar os frágeis cérebros das crianças… A tabuada era fascista?
7. A obsessão com as más notas da OCDE e da UE e a necessidade de passar todos os alunos, a todo o custo, sem esforço algum, a não ser para os professores que se atrevem a chumbá-los e se deparam com um mestrado em preenchimento de relatórios…. Isto permite que personagens iletradas, analfabetas cheguem assim à Universidade sem saberem fazer cálculos aritméticos básicos ou escrever uma composição daquelas que eu escrevia na minha velhinha terceira classe. Compreensão de textos? Que é isso? Basta alinhavar umas palavras que já demonstram conhecimentos….
8. A verdadeira e caótica falta de respeito por professores (a muito ajudou a atual ministra e a sua campanha de denegrir esse bode expiatório que são os professores). Os alunos desordeiros, rufias, indisciplinados, mal-educados, ordinários, violentos podem desestabilizar todas as aulas que as medidas de coação impostas serão mínimas, mesmo depois de baterem nos professores continuam a ir às aulas ….
9. A predominância no Ministério da Educação de “mentes brilhantes” formadas nessa linguagem a que se chama “eduquês” e é politicamente correto para impressionar o parolo, ou como dantes se dizia num francesismo típico “pour épater le bourgeois,” que é aquilo porque todos aspiram “serem bourgeois”, mais prosaicamente “para inglês ver” que nisto de impressionar os estrangeiros é connosco…
Esses brilhantes funcionários, eternos românticos de pedagogias gastas e inadequadas, botam faladura que ninguém entende, criam novas terminologias para que todos se impressionem com a sua inteligência opaca e baça e dão palmadas nas costas (uns dos outros) pelo seu arrojo e coragem em mudar… por isso é que a educação mudou mais vezes desde que nasci do que muita gente muda de camisa numa vida inteira (mas isso de ensinar a higiene não deve ser feito nas escolas…para não maltratar o amor-próprio das criancinhas)

Pelo que atrás resumi e por muitas tantas coisas que poderia ter acrescentado posso afirmar que no tempo da velha senhora qualquer pessoa que completasse uma 4ª classe, um 5º ano ou 7º do Liceu evidenciava competências e saberes, sabendo ler e escrever, e os profissionais (juízes, médicos e outros) eram competentes (mesmo que amordaçados), estando habilitados a desempenhar as suas funções sem alguém ousar duvidar do seu percursos e preparação cientifica, técnica e intelectual.

Bem sei que nesse tempo um exame de Inglês (técnico ou não-técnico ) não se fazia por fax, nem com aulas privativas de reitores nominais, nem ao domingo em universidades de “faz-de-conta”.

Os que não sabiam, ou não estudavam eram rapidamente excluídos do sistema escolar e iam mais cedo para a tropa e para a guerra colonial.

Hoje podem arrastar-se pelas salas de aula para maltratarem professores, para não estudarem nem deixarem estudar, pois há de haver sempre um programa profissionalizante ou similar para lhe dar umas luzes e que pomposamente o habilitam a virem estragar a nossa canalização, a não saberem servirem num café, ou em qualquer outra das atividades a que se dedicarão mais tarde.

Mas não me digam que um bom professor não consegue – mesmo contra estas adversidades – fazer alguma coisa dos alunos, porque casei com uma professora que o consegue. Não quero acreditar que seja a única, nem que seja a exceção (sei que não será a regra) e assim como ela consegue outros poderiam se se dessem ao trabalho de tentar.

chrys chrystello in chronicaçores