em Timor o 25 de abril de 1974

extraído de Timor Leste o dossier secreto 1973-1975 de Chrys Chrystello edição de 1999 da Ed Contemporânea (esgotado mas disponível em linha em TIMOR LESTE 1973-1975 vol.1 https://www.lusofonias.net/textos.html#)

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IV. ABRIL, A REVOLUÇÃO DAS FLORES.

O Governador Aldeia retorna a Timor a 19 de abril. Logo após a sua chegada ao aeroporto pronuncia o seu mais virulento discurso, para espanto dos locais. Negando qualquer representatividade ao denominado “Movimento dos Capitães,” Aldeia salienta que “o abortado Movimento das Caldas foi severamente reprimido, e não encontrou qualquer eco ou apoio em todas as camadas, inclusive as militares.”

Classificando de ‘traidores’ os Capitães envolvidos, Aldeia, neste discurso, diz ainda da alegria que sentia (em nome dos timorenses), ao ver satisfeitas todas as propostas apresentadas ao Governo Central, abrindo caminho a uma nova era de prosperidade para Timor: “Falando em nome de todos os Timorenses, tenho o prazer e a alegria de vos dizer que o Governo de Lisboa está satisfeito por poder ajudar o fiel povo de Timor, que durante tantos séculos tem sido tão fortemente Português.”

Este discurso, o mais político de todos os que Aldeia fez marcou uma viragem do seu estilo habitual, de sobriedade política. Houve quem especulasse que ele estaria a aproveitar-se dos últimos acontecimentos durante a sua estadia em Portugal. Pouco tempo demoraria a que Aldeia e o seu discurso fossem votados ao esquecimento total lá no terreno político donde raramente se regressa. De facto, o seu melhor discurso marcou o princípio e o fim das suas aspirações políticas.

Em 27 de abril, por sua ordem direta, executada pelo seu Secretário pessoal, Dr. J. J. Thomás Gomes, a composição deste seu discurso era retirada da Imprensa Nacional e a gravação do mesmo era retirada da estação local de radiodifusão ERT (Emissora de Radiodifusão de Timor.) O discurso quer no seu registo magnético, quer na sua transcrição escrita são, deveras, comprometedores, em termos do 25 de abril em Portugal. Assim começou o que alguns denominaram, como “Aldeiagate.”

Embora Timor não dispusesse de telex, desde o ano anterior dispunha já de contactos radiotelefónicos com o mundo exterior. Assim, quando a Revolução dos Cravos aconteceu em 25 de abril houve quem recebesse a notícia via telefone. Depois disso, era só uma questão de perder algum tempo agarrado aos rádios de ondas curtas …

Era hora de jantar e o autor estava de Oficial (Ajudante) de Dia no Quartel-general. O idoso Oficial de Dia já estava há muito a olhar para o seu umbigo, depois da sua rodada habitual. O operador da Telecom local, a Rádio Marconi, ligou a dizer que o autor ia ter uma chamada telefónica uma hora depois. Chamou o condutor de serviço ligar o Jeep e passados quinze minutos estava em Dili, ansiosamente esperando ‘a chamada’. Pressente o autor tratar-se de algo muito importante, pois já havia anteriormente acordado com a família que só haveria telefonemas em caso de emergência. Já havia muito que confirmara que toda a correspondência era sujeita a censura prévia e as chamadas gravadas

Sem perder tempo, o autor pede ao condutor para passar por casa, onde comunica aos colegas de habitação (o cirurgião Prata Dias e Proença de Oliveira, um dos chefes da Repartição dos Serviços de Agricultura) o que ouvira. Pede-lhes o máximo sigilo, liga a rádio de ‘ondas curtas’ e regressa ao Q.G. onde anota no relatório que nada havia a assinalar da ‘ronda’ pela cidade. Durante o resto da noite, escuta avidamente os noticiários da BBC, Rádio Austrália e toda uma série de emissoras (até ouvir a Rádio Paquistão, pela primeira vez).

Na manhã seguinte, o camarada Freitas, que ia render o autor, pergunta se havia novidades de Portugal. Sem confiar em ninguém depois do que se passara com a controvérsia no jornal no mês anterior, responde-lhe: “Nada, que esperavas?”

Os dias que se seguem são caóticos, com toda a espécie de rumores a circular e um generalizado sentimento de incredulidade pelos acontecimentos. Quando as novas de que o Governador tinha mandado apreender a gravação e a versão impressa do seu discurso, a maior parte das pessoas convenceu-se de que a ‘Revolução dos Cravos’ não era já fruto da imaginação. Os dias passam, e o oportunismo camaleónico é avassalador: do dia para a noite todos são revolucionários.

A necessária e esperada demissão do Governador Alves Aldeia começa a demorar mais do que as pessoas haviam esperado. Torna-se necessário que ele entregue a sua carta de demissão depois do já famoso discurso em que ele, de forma obstinada, se opunha àquilo que era já o novo regime político.

Começam a tomar vulto os rumores de que o capitão Tenente Leiria Pinto, Comandante da Defesa Naval, é o nomeado pela Junta para agir localmente. Estes boatos confundem muita gente, pois Leiria Pinto era considerado como tendo ideias de direita extremamente conservadoras. Ao mesmo tempo, há quem afirme que o Chefe de Estado-maior, Major Arnao Metello, um sombrio Oficial de carreira, do exército, vindo de boas famílias, é o homem de confiança da Junta de Salvação Nacional. O major Metello é um Oficial bastante conservador conhecido pela sua falta de decisão e pela falta de garra em tudo o que se reportava à ação colonial de Portugal.

A oposição à continuação do coronel Aldeia no poder cresce de dia para dia. Ameaça tornar-se numa bola de neve, com os militares definitivamente divididos entre os progressistas – na sua maioria oficiais milicianos, furriéis e sargentos – e a ‘velha guarda’ dos oficiais de carreira. Entretanto em Portugal, os soldados usam os cravos encarnados nos canos das suas espingardas e o povo anda excitado com a liberdade acabada de aprender. Sobem os barómetros da esperança depois de 48 anos de obscurantismo.

A situação começa a clarificar-se em maio, embora nem todos os decretos aprovados em Lisboa se tornem extensivos a Dili. Nem um só tiro foi disparado em Portugal . O regime caiu porque estava tão podre que estava incapacitado de suster qualquer ataque frontal. A celebrada vitória vem estampada em todos os jornais e revistas que nos chegam a Timor, mas de uma certa forma, parece-nos estar a anos-luz de Timor.

…. e a este respeito acrescentou Ramos Horta em longa entrevista ao Expresso