CRISTÓVÃO DE AGUIAR EXCERTOS

José Aguiar 9 July 2013 · Coimbra · AVENTURAS DO ZÉ MANEL CONTADAS POR CRISTÓVÃO DE AGUIAR Coimbra, 24 de Janeiro de 1984 Que hei-de escrever hoje? É escrever. Escrever seja o que for. Encher as horas de sentido. Continuo esperando não sei bem o quê. O pior é que a vida não espera por mim. Ou se a conjuga todos os dias, no tempo e no modo certo, ou então está uma pessoa tramada. Continua o meu primogénito nas bolandas da vida. Ao chegar esta tarde a casa, encontrou um bilhete da companheira anuncian

Fonte: (19) Facebook

José Aguiar
9 July 2013 · Coimbra ·

AVENTURAS DO ZÉ MANEL CONTADAS POR CRISTÓVÃO DE AGUIAR

Coimbra, 24 de Janeiro de 1984
Que hei-de escrever hoje? É escrever. Escrever seja o que for. Encher as horas de sentido. Continuo esperando não sei bem o quê. O pior é que a vida não espera por mim. Ou se a conjuga todos os dias, no tempo e no modo certo, ou então está uma pessoa tramada. Continua o meu primogénito nas bolandas da vida. Ao chegar esta tarde a casa, encontrou um bilhete da companheira anunciando-lhe que se ia embora. Foi mesmo. Levou a filha, a minha neta. Tanto a mãe como o pai são duas crianças que tentaram desempenhar papéis de adultos. Não bateu certo. Pelo menos está a ver-se que não. O romantismo não só não se apagou como está a vir ao de cima com muita força. Espécie de contraponto e de refúgio nesta época cheia de ruídos e tecnologia. Dizem as estatísticas que Camilo Castelo Branco está de novo na moda. Uma jovem camada de leitores está a descobri-lo. Não deixa de não ser um claro sintoma de retorno aos velhos tempos em que imperavam os sentimentos amorosos excessivos. De faca e alguidar. A aventura pela qual o meu filho veio a juntar-se com a companheira é de resto toda ela matizada de um carregado tom camiliano. E o interessante é que nunca cheirou sequer uma página do torturado de São Miguel de Seide. Até meteu rapto e tudo, para melhor condimentar a aventura. Sabendo a mãe da moça que o namoro estava tomando proporções para além dos limites razoáveis (a filha faltava às aulas por amor e pelo mesmo sentimento perdeu o ano por faltas), mandou-a para Lisboa viver com uns tios. Há um século, tê-la-ia encarcerado num convento! O resto é a história banalíssima de um ro-mance cor-de-rosa. O meu filho foi a Lisboa, raptou-a da casa onde vivia, vieram ambos para Coimbra e meteram-se na minha antiga residência. Quando vim a saber do imbróglio, estava já tudo consumado a moça grávida e muito contente; o meu filho vestido na pele de herói romântico e muito contente também. Ficaram ambos independentes e livres, mas na dependência financeira dos pais de ambos os lados. Uma independência original. Agora acabou-se tudo naturalmente. O pior é que fiquei de repente um avô órfão.

In relação de bordo, 1964-1988,
De Cristóvão de Aguiar.