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Tem o humor limites?
Muito antes de a questão chegar aos tribunais, pela mão dos Anjos contra Joana Marques, já me tinha interrogado sobre a mesma.
A primeira vez que senti a minha sensibilidade beliscada, foi quando Herman José levou a um dos seus programas pessoas alienadas. Diga-se, desde já, que gosto muito do Herman. Acho o homem um génio e, sem a menor dúvida, o comediante que mais me fez rir em Portugal.
Mas não gostei quando meteu diante das câmaras pessoas com problemas mentais. Lembro-me de uma senhora que se julgava rainha e de um homem que se tinha como faquir. Herman entrevistou uma e outro fingindo acreditar nas suas demências, pondo a plateia e o País a rir deles. A pobre mulher a descrever audiências em palácios que só existiam na sua cabeça, o desgraçado faquir a gemer em cima de uma cama de pregos, sem querer dar parte de fraco.
Uma coisa é rirmos de uma anedota sobre doidos, outra coisa é o doido ter cara e gozarmos com ele.
Outro comediante, mais tarde, gozava com um vulcão da Islândia, cuja erupção condicionou o tráfego aéreo na Europa durante semanas. Dizia o tal cómico que “não se viam tantas cinzas nos céus da Europa desde Auschwitz”. Chocou-me. Para mim, há coisas com as quais não se brinca e uma delas é o holocausto. Os milhões que morreram de forma horrenda merecem respeito.
Também os Gato Fedorento brincaram com a morte de Saddam Hussein. Ditador iraquiano, foi julgado e condenado à morte por enforcamento. Um cretino qualquer decidiu filmar a execução e espalhou o vídeo pela internet. O condenado a falar na sua língua, aquelas que seriam as suas últimas palavras, e o Gato Fedorento a traduzir para português, mas adulterando, pondo Saddam a dizer que deviam pôr flanela à volta da corda, que seria muito áspera, e outras coisas do género.
Por mais horrorosa que fosse a figura, e era, não se brinca com uma pessoa que está prestes a morrer. Para além de ser contra a pena de morte, seja em que circunstâncias for, acho que os últimos instantes de um ser humano no planeta deviam merecer respeito, apesar de os seus actos praticados em vida serem mais que condenáveis.
Claro que a acção judicial contra Joana Marques foi uma tontice. Os tribunais têm matérias mais dignas e importantes sobre as quais se debruçarem. Mas a pergunta ficou: deve o humor ter limites? Pois eu acho que sim. ´
O humor é uma forma de expressão, e qualquer expressão deve ser livre. Mas a liberdade de expressão tem limites constitucionais e legais. Não se pode difamar, ou injuriar, ou por qualquer outra forma atentar contra o bom nome de alguém, recorrendo quem ofende àquilo que acha ser liberdade de expressão.
Se um cidadão usa, por exemplo, as redes sociais, para ofender gravemente um governante, chamando-lhe nomes feios, ultrapassa os limites da liberdade de expressão e pode dar consigo no banco dos réus, onde será certamente condenado. O que nada tem a ver com o direito que cada um tem de expressar livremente a sua opinião. Mas uma coisa é achar que a ministra da saúde é incompetente, outra coisa é chamar-lhe besta ou assassina. Podemos discordar sem ofender.
Ricardo Araújo Pereira, no seu programa “Isto é gozar com quem trabalha”, muitas vezes ultrapassa os limites da liberdade de expressão, gozando com pessoas concretas, expondo-as ao País inteiro. Não gosto de algumas dessas pessoas, mas isso não me faz achar bem que se ridicularize de forma barata.
Mas lá vem Ricardo escudar-se no humor. Que o mesmo não deve ter limites. Nem mesmo quando deixa de ser humor, Ricardo? Não basta pôr cartazes no programa, a mandar “rir agora” à assistência, quando o programa é emitido. É preciso que tenha mesmo graça e… não ofenda. E muito menos humilhe.
(publicada hoje no Diário Insula