escravatura em áfrica

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“Escravatura Africana Antes de Portugal – O Sistema que os Portugueses Encontraram
Muito antes de qualquer europeu chegar à costa africana, já ali existia uma realidade complexa que raramente é mencionada nos debates modernos. A escravatura não nasceu com Portugal, nem com o comércio atlântico. Quando os portugueses avistaram África pela primeira vez no século XV, encontraram reinos fortes, organizados e profundamente envolvidos num sistema de captura, servidão e comércio de pessoas que existia há séculos.
Importa ainda lembrar que África já estava inserida em redes de comércio de escravos muito anteriores aos europeus. Durante mais de oitocentos anos, o comércio transaariano e árabe levou milhões de africanos para o Norte de África, Médio Oriente e Ásia. Reinos africanos participavam nessa economia, fornecendo cativos em troca de sal, tecidos, ouro e, mais tarde, armas. Ou seja, quando Portugal chegou, encontrou um sistema interno e externo já consolidado.
Em muitas regiões, a escravatura fazia parte da própria estrutura social. Reinos como Benim, Daomé, Oyo ou Ashanti dependiam dela para sustentar a economia e afirmar poder político. Prisioneiros de guerra, devedores, condenados ou simplesmente povos considerados de fora eram transformados em servos, soldados, trabalhadores agrícolas ou membros do séquito de um chefe. Ser escravizado não era um fenómeno raro, mas parte da vida política africana.
Também existiam mercados de escravos muito antes da chegada de navios europeus. Cidades como Benim ou Timbuktu tinham praças de venda onde as elites africanas comercializavam pessoas capturadas em guerras ou razias internas. Quando os portugueses começam a negociar, não inventam nada. Entram num sistema que já funcionava, comprando aquilo que os próprios africanos vendiam. Só mais tarde o tráfico transatlântico transformaria este comércio numa engrenagem global.
O que muda com a chegada europeia não é a existência da escravatura, mas a sua escala e intensidade. Armas de fogo, tecidos e bens de alto valor oferecidos pelos portugueses e, depois, por outras potências europeias aumentaram drasticamente o número de guerras internas. Muitos reinos africanos passaram a depender desse comércio para manter poder militar e político. Sem a colaboração activa de elites locais, chefes de guerra, comerciantes e governantes, o tráfico atlântico nunca teria atingido a dimensão que atingiu.
Mas é fundamental dizer claramente que a escravatura africana não era uniforme nem idílica. Existiam formas de integração e servidão doméstica, mas também formas extremamente violentas. Há relatos de sacrifícios humanos associados ao poder político, trabalho forçado em larga escala, deportações internas, castigos severos e utilização de cativos como moeda diplomática. África não era um continente homogéneo. Coexistiam sistemas diversos, do mais benigno ao mais brutal.
Da mesma forma, é falso imaginar que todo o continente participou passivamente ou de forma unida. Houve povos e líderes africanos que resistiram activamente tanto à escravatura interna como ao tráfico atlântico. Em certas regiões do Congo, especialmente durante o reinado de Nzinga Mbemba (Afonso I), houve tentativas explícitas de restringir ou mesmo proibir o comércio de escravos com europeus. Povos fugidos fundaram comunidades livres em zonas de difícil acesso. Outros recusaram entregar cativos ou romperam alianças com traficantes árabes e europeus. África era um palco de conflitos, resistências, negociações e escolhas, não um bloco imóvel.
Reconhecer tudo isto não diminui a responsabilidade europeia, que foi enorme na industrialização do tráfico de pessoas. Mas impede que se conte a história de forma simplista. Não havia um continente de inocentes subitamente atacado por estrangeiros maléficos. Havia reinos poderosos, políticos astutos e chefes de guerra que lucravam com a venda de prisioneiros. Havia rivalidades entre povos, guerras constantes e estruturas sociais que já usavam seres humanos como moeda muito antes de Portugal existir sequer como país consolidado.
Ignorar esta verdade não é proteger África. É reduzi-la a um objecto passivo da história, como se milhões de pessoas não tivessem autonomia, escolhas, conflitos e interesses próprios.
A história real é sempre mais complexa. E no caso da escravatura, é impossível compreendê-la sem reconhecer que, quando os portugueses chegaram, encontraram um sistema já em movimento. Não foram eles a acendê-lo. Fizeram, isso sim, algo diferente ao ampliá-lo, globalizá-lo e transformá-lo num negócio internacional de escala brutal. Mas a sua origem é muito mais antiga e profundamente africana.”
Né Ladeiras

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