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Isto é só o princípio da coisa, preparem-se.
Pedro Arruda
Uma pessoa lê e não acredita e acreditem que até eu já me canso de mim próprio e desta constante lamúria de “lá vem este gajo criticar tudo e todos outra vez”. Mas há coisas com as quais simplesmente não me conformo e que, de tão ridículas e estapafúrdias, precisam de ser expostas, já para não dizer vilipendiadas na praça pública. E esta é manifestamente uma delas.
Nada me move contra os agricultores, a agropecuária ou a agroindústria, nem mesmo contra as vacas, placidamente ruminando nos seus pastos esverdeantes. Sejam elas felizes ou infelizes. Mas não podemos ignorar que se trata de uma atividade intensiva, de grande impacto ambiental na região, que nas últimas décadas tem deixado uma pegada pesada no nosso território. Uma realidade que só agora muitos começam a compreender. Para além da necessidade óbvia de separar as águas entre o que é Cultura e o que é monocultura da vaca.
Eu próprio há mais de vinte anos atrás fui sócio de uma empresa de produção cultural chamada MUU. Mas era um muu sarcástico e irónico que visava, precisamente, assinalar criticamente essa hegemonia ruminante da parca cultura que então por cá se fazia.
Esta intromissão disparatada de uma na outra, fazendo passar a ideia de que os Açores são afinal vacas, distorce a imagem da região, menoriza-nos como povo e, acima de tudo, como agentes criadores de Cultura.
Para além de ser uma concessão lastimável ao poder do marketing e do dinheiro, entrega-se um projeto que devia elevar os Açores à mercê dos interesses privados de uma multinacional apenas interessada em promover-se a si própria, aos seus produtos e à sua marca.
Vir afirmar que a vaca é a “identidade açoriana” ou, pior ainda, que é “Cultura”, é não perceber nada nem de identidade nem de Cultura.
E escolher este monumento à vaca como segunda grande iniciativa da Capital da Cultura é um sinal claríssimo de para onde esta iniciativa se encaminha. Pode-se chamar Ponta Delgada Capital da Cultura, mas está mais para curral do que para cultura… E no fim, fica a pergunta: querem promover a cultura de raiz açoriana ou apenas o logótipo da vaca feliz?
Permitam-me uma adenda em resposta ao meu amigo Luís Filipe Borges. Aquilo que, pelo menos a mim, causa mais indignação nestes episódios da Capital da Cultura é o que demonstra de desconhecimento flagrante do que é o panorama local em termos de vida cultural, de criação açoriana e de políticas culturais.
Os Açores, apesar do desinvestimento governamental, ou por causa disso, têm uma vibrante produção artística e cultural e de, em muitos casos, de altíssima qualidade, o que os agentes locais precisam é de apoio e reconhecimento, duas coisas que ações como esta da Bel e da Capital da Cultura não fazem…
agroportal.pt
Ponta Delgada Capital da Cultura 2026 celebra produtores de leite açorianos com projeto de arte pública – Agroportal
Esta escultura será “uma peça central” da Capital Portuguesa da Cultura.
Deduzo que a recuperação de mirantes, da época da laranja, também o sejam.
Oi, talvez, um sarau de musica clássica numa estufa, rodeados de ananases.
Ou talvez não e por cá a monocultura da vaca é que conte mesmo.
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Ponta Delgada Capital da Cultura 2026 celebra produtores de leite açorianos com projeto de arte pública – Agroportal