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recordando – OS “JAPONESES” DE SÃO MIGUEL
18 junho 2008 [Opinião]
Numa das suas habituais crónicas na imprensa açoriana, o professor doutor Tomaz Dentinho, e a propósito da eventual contaminação de solos junto à Base das Lajes, por hidrocarbonetos provenientes de tanques de combustível já desativados das forças norte-americanas ali estacionadas, escreve que o assunto poderia não passar dali já que desde há muito se sabia da contaminação dos solos em redor do aeroporto das Lajes, como antes se soube da deposição de resíduos com amianto, o que raramente é anunciado, assim como todos os dias se constata na deposição de guetos de exclusão social em torno da Base, guetos que americanos e terceirense gostam de manter lá para os lados de Santa Rita. O que se ouve dizer é que há cinquenta anos vieram de São Miguel para aquelas bandas e por lá foram ficando; por isso os seus progenitores são hoje chamados de japoneses, a lembrar os tempos em que a revista LIFE reportava a reconstrução do Japão com gente pequena, magra e trabalhadora, como se via em torno da Base naquela altura.
Logo no início da construção da base, foi necessário obter mão-de-obra de fora da Terceira, pois a local não era suficiente e mais tarde, fins da década de quarenta e cinquenta do século passado, pouco depois de terminada a Segunda Guerra Mundial e começarem a surgir novos tipos de avião muito mais exigentes na qualidade do piso e extensão das pistas, os Estados Unidos desenvolveram nas Lajes importantes obras, necessitando de mão-de-obra que não havia na Terceira. Ao longo desses anos, muitas centenas de trabalhadores foram de São Miguel para a Terceira, e não apenas para a construção civil, a maioria com as suas famílias, e dada a falta de habitações, foram surgindo casas improvisadas junto aos limites da Base, no local chamado Santa Rita, constituindo-se um autêntico gueto, como aliás é costume suceder quando acontecem movimentações de trabalhadores, e não só, pois a presença de muitos homens, sem família, caso dos operários e dos militares e quase sempre com salários acima da média, é propicia ao aparecimento de marginais de todo o tipo
Idêntico problema, numa escala muito mais elevada e agravado pelas desgraças físicas e psíquicas que as guerras trazem, se verifica agora no Iraque e no Afeganistão exigindo aos países envolvidos um acrescido esforço na área sanitária e de segurança.
Mas voltemos à Terceira e aos japoneses de São Miguel. O facto dos micaelenses, que para ali foram, serem chamados de japoneses entrou na gíria terceirense e estendeu-se a todos os naturais de São Miguel perdurando até aos nossos dias. O que nada tem de depreciativo pois se, como geralmente se diz e o professor doutor Tomaz Dentinho refere, tem a ver com as reportagens da LIFE sobre a reconstrução do Japão, até será honroso pois diz dos micaelenses como são trabalhadores e operosos. Aliás o tem demonstrado ao longo de gerações na Terceira como em muitas outras partes do mundo para onde tem emigrado e, também, na sua ilha, nesta nossa São Miguel, como amplamente demonstra o seu progresso e desenvolvimento.
Mas há outra teoria para justificar porque na ilha Terceira, há mais de cinquenta anos, se começou a chamar aos micaelenses de japoneses e é esta segunda hipótese que nos levou a escolher o assunto como tema para esta crónica, aqui deixando o desafio aos investigadores para apurar a verdade, agora que as calmas e ensolaradas tardes de verão convidam a questões mais corriqueiras.
Ao que nos contam, a procura de trabalho na Terceira movimentou um elevado número de pessoas, e nem todos/as pelas razões mais recomendáveis. Não havia lugar para tanta gente e muitos não tinham as habilitações exigidas começando a aparecer casos de vadiagem e marginalidade, pelo que as autoridades regionais decidiram intervir para tentar controlar. E uma das formas que adotaram foi exigir a todos os passageiros que embarcavam em Ponta Delgada uma prova de terem trabalho garantido, que apresentavam na então Junta Autónoma dos Portos e em troco do qual recebiam uma etiqueta com as iniciais daquele organismo, JAP, que lhes permitia embarcar. Nessa época, o termo JAP era muito popular, pois assim eram designados os japoneses na abundante propaganda largamente distribuída pelo Consulado dos Estados Unidos e era mesmo utilizado no noticiário sobre as operações militares no Pacifico. Na Terceira, os empregadores, procuravam os JAP e como a maioria eram micaelenses, rapidamente passou a ser japoneses e assim ficou Será assim? Aqui fica a hipótese aguardando que alguém melhor informado esclareça.
Autor: Gustavo Moura