Views: 8
Foi um gosto prefaciar e co-apresentar o novo livro de Pedro Paulo Câmara, lançado esta quinta-feira em Ponta Delgada:
“Pedro Paulo Câmara já tinha acrescentado valor à nova literatura açoriana, por mérito próprio, com as obras poéticas Perfumes (2011), Saliências (2013) e Na Casa do Homem Sem Voz (2016), com o romance histórico Cinzas de Sabrina (2014) e com a prosa Contos da Imprudência (2020).
Depois, somou-lhe ainda uma diferente dimensão, recuperando, estudando, desvendando, divulgando e valorizando a outra face de um nome marcante das letras açóricas: Violante de Cysneiros, afinal, Armando Côrtes-Rodrigues.
Também aqui, em dois andamentos:
Primeiro, com Violante de Cysneiros: o outro lado do espelho de Côrtes-Rodrigues?.
Agora, com esta Violante de Cysneiros: Obra Reunida.
Aquela obra, baseada na dissertação que lhe conferiu o grau académico de Mestre em Estudos Portugueses Multidisciplinares, recebeu o Troféu Clarice Lispector, da ZLBooks Editora, pelo Melhor Livro de Pesquisa do ano de 2021.
E mereceu, de Eduíno de Jesus, o reconhecimento de ser “certamente o ensaio mais extenso e documentado sobre o ‘caso’ e a obra de Violante de Cysneiros”, em que Pedro Paulo Câmara “percorre exaustivamente a obra dispersa em verso e em prosa do poeta e procura, através da sua diversidade, surpreender a unidade de um – o – autor real: Armando Côrtes-Rodrigues”.
Esta obra, Violante de Cysneiros: Obra Reunida, surge agora como consequência natural e complemento vantajoso da primeira.
Aqui se reúne, pela primeira vez, toda a produção literária da ‘figura ficcional’ Violante de Cysneiros, pseudónimo do escritor açoriano Armando Côrtes-Rodrigues, que publicou textos poéticos no segundo número do órgão editorial do primeiro movimento modernista português – a revista Orpheu, de junho de 1915, em Lisboa – e textos em prosa nos jornais insulares “O Autonómico” (1916) e “A Actualidade” (1923), na sua ilha de São Miguel, e “Folha de Angra” (1922), na ilha Terceira.
Violante de Cysneiros parece ter sido a antecâmara poética da multifacetada produção literária de Armando Côrtes-Rodrigues – escritor, poeta, dramaturgo, cronista e etnólogo – que viria a consagrar-se no teatro e no cinema (“Quando o Mar Galgou a Terra”, em 1940), na poesia (com Antologia de Poemas de Armando Côrtes-Rodrigues, organizada por Eduíno de Jesus em 1956), nas crónicas (com Voz do Longe, em 1966) ou na etnografia (com o Cancioneiro Geral dos Açores em 3 volumes e com o Adagiário Popular Açoriano em 2 volumes, todos editados em 1982).
Nos seus oito poemas que nascem e jazem no panteão nacional da revista Orpheu, ela, Violante de Cysneiros, chega a dedicar um soneto ao próprio Armando Côrtes-Rodrigues (“E sempre de Mim Presente / Todo o Meu Ser se limita / Em Eu Me Ser Realmente”), mas é em vinte edições do semanário “O Autonómico”, de maio a dezembro do ano seguinte, 1916, que mais se revela em textos literários com a rubrica “Azulejos”.
Aqui acompanha e entranha o ritual cíclico da mãe natureza.
Na primavera escreve assim:
“Andaram pavões no meu jardim sob as olaias floridas. E a primavera veio sentar-se ao meu lado, junto do lago adormecido, onde um cisne branco ficou sonhando no segredo das cores.”
No verão escreve assim:
“Meio-dia. Sol a pino. O calor abafa e sufoca. No chão gretado e poeirento as sombras recortam-se com uma nitidez quente. A aragem escalda com um bafo infernal e sente-se tremer o ar por este silêncio de morte.”
No outono escreve assim:
“O outomno na minha alma é uma nau que ergue as velas para a partida do além.”
E no inverno escreve assim:
“Assim falou a Morte: Anda sentar-te ao pé de mim, agora que o inverno vem entristecendo a beleza da paisagem e que um nevoeiro denso paira nos montes como um véu impenetrável de mistério.”
São quatro estações que valem por oito anos de penumbra literária.
Violante de Cysneiros desceu das nuvens pela mão redentora de Pedro Paulo Câmara.
Nasceu em 1915, morreu em 1923.
Agora, assim, vive para sempre.”
José Andrade
2 comments
1 share
Like
Comment
Share
View more comments
Pedro Paulo Camara
Caríssimo amigo, muito obrigado pelas generosas palavras e por todo o trabalho desenvolvido em prol da cultura e da identidade.