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Aterramos. Segue-se a correria até às malas, passadeiras rolantes num corredor interminável. Há que manter o momento linear para facilitar a gestão das crianças.
Tapete 1, verificamos no monitor. O último. Ajudo uma senhora a desengatar o carrinho e tiro um para albergar as três malas que trouxemos. O tapete combina malas de dois voos, de diferentes proveniências: Gatwick e Lajes, lado a lado.
Assim que me aproximo vejo um sapato alto preto perdido no topo da passadeira das malas. Pego no telemóvel, qual máquina fotográfica para o instantâneo diário visual.
Entre o enquadramento e o olhar, um senhor inglês de idade avançada e propício sentido humor, arrisca uma tirada sobre o tema:
— Someone left a shoe… (procurou algo na memória que não se revelou atempadamente)
— Cinderella, disse eu.
— Imagine it’d be from an old lady!
Rimos. A imaginar essa fatalidade de destino, de pertencer a alguém enrugado pela vida, em vez de uma jovem moça.
Olha-me com um sorriso largo e finaliza.
— Not everyone would get this, diz aliviado.
Tirou duas malas com uma cinta arco íris, a dele e a da mulher, e continua:
— I shall take these two and leave the old ones behind.
Um homem espirituoso logo à chegada.
Como é bom viajar e colecionar histórias.
O sapato lá ficou. Pode ser que sirva à pessoa certa.
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Tu entraste com o pé direito na cidade, já a dona do sapato, talvez, não.