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Fundador do PS/A considera que o “gesto digno” seria a abstenção do partido
José António Martins Goulart, fundador e antigo líder do Partido Socialista nos Açores diz-se “desolado” e “entristecido” com a decisão dos socialistas de votar contra o programa de governo da coligação sem conhecer o documento nem aguardar pela reunião da Assembleia Legislativa Regional. O engenheiro eletrotécnico considera Vasco Cordeiro um líder “fraco”, sem condições para continuar à frente do PS/Açores
O Partido Socialista anunciou que vai votar contra o programa de Governo de José Manuel Bolieiro. Como é que reage a esta decisão?
Eu sinto uma profunda desolação e tristeza por verificar, ao ler um comunicado que me foi enviado na qualidade de militante pelos órgãos de comunicação do partido, que a decisão de votar contra um programa de governo que resultará da eleição do passado domingo foi votada por unanimidade e por aclamação. A primeira reação que senti foi ‘Aclamaram o quê?’. A decisão de não votar um programa de governo sem dar oportunidade a que a Assembleia Regional debata esse programa de governo? Estou entristecido porque sinto que o meu partido, o partido que eu ajudei a fundar nos Açores – e sinto alguma emoção quando sinto isto, e é genuína – está a pôr em causa o regime autonómico. E está a pôr em causa o regime autonómico porque, de uma penada, e são 96 linhas de um comunicado que eu li mais do que uma vez, um órgão partidário, um secretariado regional comunica a um outro órgão partidário, que é a comissão política regional, uma decisão que implica, se for levada a seu termo, a dissolução de um órgão que ainda nem sequer reuniu. E que por acaso é o órgão máximo da autonomia regional.
Como é que se pode tolerar uma arrogância de um secretariado regional liderado por um presidente do PS/Açores que, antes do órgão máximo da autonomia reunir na sequência de um ato eleitoral altamente participado, em que o Partido Socialista foi derrotado, praticamente toma a decisão de dizer ‘A Assembleia está dissolvida?’ Isto é, o órgão máximo da autonomia não tem condições para reunir por decisão do Partido Socialista. Ora, eu e os não socialistas também sabem qual é o percurso histórico do PS e sabem que, a nível nacional e a nível regional, a primeira linha do nosso combate foi a defesa da democracia. Direções livres e democráticas. Desde o PREC até hoje. E, pela primeira vez na história da nossa autonomia, eu pergunto-me que pressa teve o PS/Açores, o partido que eu ajudei a fundar, em praticamente condicionar o funcionamento normal do órgão máximo da autonomia, que é a Assembleia Legislativa Regional, na sequência de um ato eleitoral que, parece-me, não foi devidamente respeitado porque se fosse… Porque o ato eleitoral é o ato sagrado da democracia e, portanto, deveria decorrer um tempo de reflexão suficiente, os resultados eleitorais ainda não são sequer oficialmente publicados, ninguém obrigava o PS a tomar esta decisão a não ser que quisesse mesmo desvalorizar o papel da Assembleia Legislativa Regional e, ao fazê-lo, deu um péssimo exemplo do que não se deve fazer num regime democrático e muito menos no regime da autonomia regional que tanto valorizamos.
Portanto, estou muito triste, muito descrente na capacidade dos políticos que provocaram este percalço democrático na Região Autónoma dos Açores, numa altura em que todos nós devíamos estar concentrados em encontrar soluções e não em criar problemas graves a adicionar aos muitos que ainda estão por resolver e com implicação, se isto for levado até ao limite, de termos que repetir o ato eleitoral daqui a uns oito meses e para quê? Para premiar o PS ou premiar quem foi impedido de governar? Esta é a questão que penso que não foi analisada de todo na reunião do secretariado regional do PS nem na reunião da comissão política. Por isso, é pena que tenham aplaudido um erro que pode ser trágico para a nossa autonomia e para o futuro do Partido Socialista.
Mas se o PS aprovasse um governo de Bolieiro não seria dar ao Chega o protagonismo da oposição?
Eu penso exatamente o contrário. Em primeiro lugar porque o PS não tinha que votar a favor. O PS poderia abster-se. E esse seria o gesto digno de quem, tendo perdido eleições, não tinha uma atitude de amuo ou de ressentimento, por causa de um ato irrefletido, no calor da ressaca de uma derrota, querer de uma forma revanchista impedir que a coligação vitoriosa procurasse resolver democraticamente o seu problema.
Eu admito que o PS não deve ficar refém do jogo partidário, dos interesses diversos que estão na mesa e, portanto, tem que se saber comportar com responsabilidade, é um partido que governou os Açores durante 20 e alguns anos e, portanto, tem traquejo, sabe que em política há muita forma de agir e reagir, o que não faz sentido é que o partido ponha nas mãos do Chega o protagonismo de fiel da balança porque, tendo anunciado precocemente que irá votar contra, atribui ao Chega o papel de derrubar ou não o Governo Regional.
Portanto, ao tomar esta atitude precocemente, precipitadamente, o PS/Açores entrega às mãos do Chega a decisão de, ‘Se quisermos, ainda podemos salvar o Governo Regional, se não, haverá a tal coligação negativa pela segunda vez’ – que o presidente do PSD previu, e todos nós que analisamos estas coisas podemos prever que é, se o PS votar contra e o Chega mantiver a mesma posição, este ato eleitoral terá sido banalizado e a vontade do povo nele expressa não será respeitada. Portanto, de que terá servido a eleição do passado dia 4?
Isto é que é extremamente reprovável, no meu entender, porque o Partido Socialista não tinha que votar favoravelmente o programa de governo do PSD, não deveria preocupar-se com o que o Chega irá fazer ou não fazer, deveria preocupar-se em assumir a posição mais responsável para defender a democracia, para defender a autonomia regional, a credibilidade dos órgãos de governo da Região Autónoma dos Açores e não contribuir para a instabilidade que foi o que acabou por fazer hoje [sexta-feira, dia 9 de fevereiro].
Que ilações deve retirar o Partido Socialista do resultado das últimas eleições?
Eu olho para a minha ilha [Faial] e dou-a como exemplo, porque resido nela e tenho contacto com as pessoas do PS e de outros partidos, sabendo todos eles que já não estou a participar na política ativa do meu partido ou a qualquer outro nível. Mas continuo a acompanhar como cidadão, interessado em dar alguma achega, porque sou procurado para emitir opinião, por isso tenho acompanhado de perto alguns momentos, uns de maior dificuldade, outros de sucesso do percurso do meu partido. Mas nos últimos tempos tem-se verificado claramente que o PS não soube desempenhar o seu papel de maior partido da oposição.
Julgo que os açorianos penalizaram o Partido Socialista e, em particular na ilha do Faial – as pessoas podem não estar cientes disso – mas o PS que dividiu com o PSD os quatro lugares da Assembleia Legislativa Regional e ficou 2-2 [deputados eleitos], mas se tivesse perdido oito votos tinha ficado 3-1 a favor da coligação. Foi por oito votos que o PS empatou. Isto tem que ser analisado de forma muito fina. E de repente noutra ilha acontecia o mesmo e o resultado eleitoral poderia ter sido facilmente uma maioria absoluta da coligação. O PS esteve à beira de ter uma derrota muito maior por poucos votos e isto quer dizer que o PS não desempenhou bem o seu papel de partido da oposição. E devia ter a humildade democrática de o reconhecer. E se os políticos que ainda estão à frente do PS se propõem demitir, antes da Assembleia reunir, de desempenhar os cargos para que foram eleitos, irão ser penalizados. Acho que é óbvio.
O povo não aceitará que se passe em branco sobre o resultado destas eleições. E se houver um ato eleitoral a muito curto prazo, no espaço de sete a oito meses, o grande prejudicado será o Partido Socialista. O povo não compreenderá como é que o PS, e porque é que o PS impede que a Região tenha um governo com plenos poderes numa altura em que a economia, a política no sentido global e nacional, a estabilidade que envolve o próprio regime democrático está em cima da mesa e a ser despedida. Qual é o impacto que terá a curto prazo uma decisão destas?
Aclamaram o presidente derrotado do PS/Açores? Concordam com a continuidade do mandato? Isso deveria ser resolvido em congresso regional dentro de poucos meses. Não compreendo a arrogância, não compreendo a precipitação, não compreendo a falta de visão estratégica em termos políticos e, uma vez mais, o partido que beneficia deste quadro de instabilidade que o PS anunciou é o Chega. O Partido Socialista fez o favor de dizer que o Chega é que tem o poder de decidir se há Assembleia Legislativa Regional em funcionamento durante uma legislatura ou durante parte da legislatura, porque o PS já esgotou toda a sua munição dizendo que prefere que não haja o resultado efetivo de um ato eleitoral e que quer eleições antecipadas daqui a uns meses. É lamentável que tal tenha acontecido.
Acha que Vasco Cordeiro tem condições para continuar à frente do Partido Socialista na Região?
Depois do que acabei de dizer, obviamente que não. A irresponsabilidade atingiu um patamar tão alto e, interpretando eu esta aclamação como sendo feita a quem, no secretariado regional, redigiu um texto que depois foi submetido a uma comissão política que o aprovou por unanimidade e aclamação, julgo que ele se quis reforçar internamente, menosprezando completamente o interesse dos açorianos que, bom ou mau, querem um governo e que o papel da oposição é opor-se às más políticas e propor alternativas para as corrigir.
Um líder partidário que impede que o órgão máximo da autonomia funcione até para que ele possa liderar o processo de oposição para, num tempo certo, no fim de uma legislatura se submeter a votos, não está a fazer nada a dirigir um partido que o leva a uma situação que só pode resultar em descrédito e de descredibilização da própria função de presidente do Partido Socialista nos Açores.
Acho que Vasco Cordeiro devia ter refletido, não refletiu sobre todas as consequências do ato que anunciou e receio que o tenha feito por pressão do partido a nível nacional e julgo que isso também significa que ele é um líder fraco, porque se ele de facto tomou a decisão em função de pressões recebidas do líder nacional do Partido Socialista, Pedro Nuno Santos, não está em condições de continuar a presidir a um partido que tem estatutos próprios e que tem uma estrutura regional autónoma.
Rui Pedro Paiva/Carolina Moreira
Açoriano Oriental
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