OS LIMITES DE VENTO NO AEROPORTO DO FUNCHAL

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OS LIMITES DE VENTO NO AEROPORTO DO FUNCHAL
Faz agora exatamente 60 anos que o Comandante José Marcelino, figura lendária dos tempos da fundação da TAP, completou os testes aerodinâmicos que viriam a definir os limites operacionais de vento para operar no aeroporto do Funchal, hoje Cristiano Ronaldo.
Para levar a bom termo esta missão o Cte Marcelino, como carinhosamente lhe chamávamos, serviu-se de um avião Douglas DC3 Dakota da Direção Geral de Aeronáutica Civil (na imagem). Este aparelho fora fabricado em Long Beach no já distante ano de 1943 e serviu na II Guerra Mundial como transporte de carga e tropas do exército americano na versão C47.
Terminada a guerra passou por dois operadores privados e acabou por ser adquirido pela DGAC em 1963, tendo recebido a matrícula CS-DGA. Mais tarde foi oferecido à TAP e hoje descansa no Museu do Ar em Sintra.
Os testes de voo começaram em 6/06/1963 mas seriam interrompidos 21 dias depois devido à falta de vento. Sim, por vezes acontece não haver vento na Madeira.
Em Agosto foram retomados os voos e registados os valores da turbulência encontrada. Foi então que pela primeira vez foi deteado o fenómeno de “wind shear”, mudança súbita de vento, na pista 06/24. O que é isto afinal?
Muito simples. O avião vem com vento forte de frente até ao princípio da pista mas de repente “afunda-se” porque o vento passou a soprar forte de trás. O piloto tem que estar atento e salvar a situação com recurso aos motores. Não é difícil mas requer concentração e uma capacidade de reação rápida. é para isso que servem os treinos.
Terminados os testes foram considerados adequados os seguintes limites baseados no comportamento do DC3:
Sector 300/020 – vento 15 kts, rajada 25 kts
Sector 020/050 – vento 20, rajada 30 kts
Sector 120/200, vento 20, rajada 30 kts
Em 08/07/1964 o aeroporto foi oficialmente inaugurado, tendo na altura uma pista asfaltada com 1600 metros de extensão.
Semanas antes foram feitos ensaios com um avião maior, o Lockheed L1049 Super Constellation com que a TAP iria fazer as ligações Lisboa / Funchal.
Constatou-se que este tipo de avião era menos sensível à turbulência que o DC3, garantindo assim uma maior margem de segurança na operação. Ou seja, os limites continuavam em vigor mas já eram tidos como conservadores.
Em 05/10/1971 começaram os ensaios com o primeiro avião a jato, o Boeing 727-100 que tive o prazer de pilotar durante seis anos. Avião maior e mais pesado, inerentemente estável e dotado de três motores que lhe conferiam uma capacidade de manobra muito acima do que até então era conhecido por aquelas bandas. As conclusões diziam que o Boeing 727-100 representava uma “melhoria sensível de segurança” relativamente aos limites de vento impostos em 1964. Ou seja, para o Boeing 727-100 os limites eram ainda mais conservadores.
Refiro concretamente o Boeing 727-100 porque mais tarde viria o Boeing 727-200 e aí as coisas mudaram substancialmente.
Durante todos estes anos registou-se apenas um acidente fatal no aeroporto do Funchal, infelizmente envolvendo um Boeing 727-200 da TAP ocorrido em 19/11/1977.
Um mês depois aconteceu outro acidente fatal, desta vez envolvendo um Caravelle da SATA, Société de Transports Aériens, só que ocorreu no mar ainda relativamente longe do aeroporto.
Nenhuma destas tragédias foi causada por vento.
Entretanto a pista cresceu e em vez dos 1600 metros em que aterrei centenas de vezes existe hoje uma outra com 2,800 metros de comprimento onde nunca aterrei como piloto. Para fazer face a alguns obstáculos a orientação da pista sofreu também um pequeno desvio.
Nestes 60 anos os aviões evoluiram muitíssimo. A performance dos Boeing 737 e dos Airbus A320 (pilotei ambos no Funchal) está a anos luz do Super Constellation e a mais que uma galáxia de distância do velho Dakota DC3.
Neste momento a ANAC, Autoridade Nacional de Aviação Civil, está a estudar o assunto com a finalidade de alterar ou mesmo eliminar estes limites. Note-se que o Funchal é o único aeroporto do mundo que tem limites de vento publicados que não podem ser excedidos.
Quando o aeroporto encerra porque os ventos estão fora destes limites a economia da Madeira ressente-se fortemente.
Aguardemos então a decisão da ANAC, única entidade que pode tomar decisões nesta matéria. Sabemos que foram (vão ser?) adquiridos novos equipamentos de deteção de turbulência (RADAR e LIDAR) e que lá para 2024 poderemos ter novidades.
Passados 60 anos desde o estabelecimento dos atuais limites está mais que na altura de uma revisão da matéria.
Com agradecimentos a Don Gilham pela fotografia, à revista Sirius que ajudei a fundar e ao meu amigo Comandante José Vilhena, detentor da maior biblioteca de aviação civil do país
Pode ser uma imagem de avião, hélice e texto
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Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
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