Artesã observa que os estrangeiros são os que dão mais valor ao artesanato açoriano

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Artesã observa que os estrangeiros são os que dão mais valor ao artesanato açoriano
Artesanato em bambu, coco e macramé de jovem da Ribeira Grande tem conquistado várias idades e nacionalidades
Milene Melo tem 20 anos e é natural da Conceição, freguesia da Ribeira Grande. Descobriu recentemente uma paixão pelo artesanato, mais concretamente pelo macramé, pelos trabalhos em bambu e coco, e ainda em gesso e cimento. Este gosto surgiu numa fase mais atribulada da sua vida, conta, quando teve de terminar algumas disciplinas na escola secundária. Sem motivação para estudar e tirar a carta de condução, começou a ficar “desesperada.” Aqui surgiu o artesanato, que veio trazer um sentido e um ânimo ao seu dia-a-dia. A escolha do nome do projecto deveu-se ao facto de se tratar de artigos “bastante sustentáveis”, explica a jovem, que utiliza maioritariamente materiais naturais, evitando o plástico.
“No ano passado senti-me tão angustiada pelo facto de os meus colegas irem para a universidade e tirarem a carta de condução e eu sentia-me completamente estagnada. Então comecei a fazer macramé. Surgiu assim. Ainda tenho um suporte de vaso, que foi a primeira peça que fiz. Comprei fio barbante e fiz um suporte de vaso, comecei a aperfeiçoar os nós, comecei o nó duplo e o nó espiral. Não me saiu bem, mas fui tentando.” Aprendeu sozinha, a ver vídeos e a experimentar para ver até onde era capaz, aprendendo com os erros. Agora, tem a técnica e a perspicácia como se já fizesse macramé há tanto tempo: “Agora tenho capacidade de olhar para uma peça e de perceber como se faz sem ter de ver um vídeo. Logo de manhã é a melhor altura para fazer macramé, com a mente fresca. Normalmente faço descalça, a ouvir aquelas músicas descontraídas. De manhã é que surgem as melhores peças”, conta Milene, sobre o processo criativo no macramé.
Das linhas de algodão natural surgem as malas, um dos artigos mais procurados da “Honest Green Art”, e ainda painéis decorativos, marcadores de livros, porta-chaves, suportes de vasos, bases de copos e de pratos, painéis, carteiras, cintos, pulseiras. “Imensa coisa. O macramé permite fazer muitas coisas,” sendo apenas necessária criatividade, os materiais e as mãos.
Surgiu entretanto outra matéria-prima: a casca de coco. A artesã começou a usar o coco após ter lido sobre os seus benefícios para a saúde e ter integrado o fruto na sua alimentação: “Cortei-o com uma serra tico-tico, porque não sabia como haveria de cortar aquilo. Depois percebi que a casca era bem dura. Comi o fruto e aproveitei a casca. Comecei por lixar a parte de dentro e de fora. Achei muito engraçado ter a forma de tigela. Gostava de coco e pensei em continuar a comprar e reaproveitar a casca, porque dá para fazer várias coisas, basta ter imaginação. Faço tigelas, vasos, copos, saboneteiras”, peças resistentes e sustentáveis.
Depois, surgiu a ideia de aproveitar o bambu, que a jovem artesã encontrava quando explorava os trilhos e a natureza mais desconhecida de São Miguel: “Sempre gostei muito de peças em bambu. Tenho um tio que é carpinteiro e tem uma carpintaria, e essa paixão já vem de família. Aprecio bastante os trabalhos em madeira. Gosto muito de fazer trilhos, inclusive nesse ano comecei a ter uma panca com lagoas e fui à procura dessas lagoas todas, nomeadamente a Lagoa dos Lourais e a Lagoa da Prata, que são tão desconhecidas, mas tão lindas,” lembra Milena Melo sobre esta descoberta.
Sobre o processo de colectar, tratar e utilizar este material natural, Milene explica que “facto de eu conhecer muitos trilhos também me permitiu ver onde havia bambus. Então retiro e aproveito o bambu dessas áreas selvagens. Comecei a cortar o bambu e a levar comigo. A madeira é molhada, e fica ainda mais pesada para levar. Para partir também não é fácil. Chego a casa, deixo secar durante duas semanas, para certificar que fica mesmo seco. Depois começo a trabalhar: aqueço a água a alta temperatura, coloco bicarbonato de sódio e vinagre de maçã, que fazem uma reação à madeira para limpar bem. Depois deixo secar por mais uma semana e meia, e começo a lixar, fazer os cortes.” Do bambu nascem vários objectos úteis, como copos, tigelas, cinzeiros e tudo o que a imaginação alcançar. Para trabalhar o bambu e o coco, materiais muito resistentes, a artesã utiliza as máquinas na carpintaria do seu tio: “Desenrasco-me bem.” Com trabalhos também em gesso e cimento, Milene faz também bases de copos e bijuteria e esculturas básicas.
“Honest Green Art” cativa várias
idades e nacionalidades
A sua participação na Feira Quinhentista foi a primeira vez que mostrou publicamente o seu artesanato. Os primeiros passos foram de insegurança, por não saber se as pessoas gostariam dos seus artigos: “Não divulgava muito, até porque tinha um bocado de receio para divulgar as minhas peças aos outros. Era insegurança, inclusive quando fui para a feira tinha esse sentimento. Mas depois de ouvir tanto feedback positivo, acho que já me libertei um bocado disso. Ainda tenho muito que aprender,” sente. A sua participação despertou também um convite para vender os seus artigos num hotel em Ponta Delgada.
No evento, que juntou ainda bancas de outros artesãos, a “Honest Green Art” interessou muita gente, especialmente os estrangeiros, nomeadamente do Canadá, Estados unidos, Brasil, e Itália, o que surpreendeu Milene: “Os estrangeiros apreciam muito. Para além de apreciarem muito o calçado português, apreciam muito o artesanato de cá. Principalmente jovens. Tive essa percepção. Muitas meninas estrangeiras iam à minha barraca e ficavam deslumbradas, a apreciar as minhas peças. Normalmente quem gosta mais das minhas peças são pessoas entre os 30 aos 40 anos. E fiquei estupefacta como crianças tão novas apreciam artesanato. Até apreciavam coisas simples que eu na idade delas não sabia o que era. Os estrangeiros adoram tudo cá: o mar, o sol, as praias…” e ainda, tudo indica, o artesanato. Pela experiência da jovem artesã, os locais apreciam em certa medida as peças artesanais, mas “noto que as pessoas de fora apreciam mais” e não se importam de pagar um preço justo pelo trabalho e investimento que os artigos acarretaram, explica.
As malas em macramé foram as mais famosas na feira: “As pessoas adoram malas. Nesse aspecto não fui bem preparada. Levei seis ou sete malas e vendi tudo. São peças diferentes e todas personalizadas. Também vendi muitos painéis e cinzeiros de bambu.”
“Adoro aquilo que faço. Nunca vou deixar de parte os meus trabalhos manuais”
Prestes a ingressar no ensino superior, apesar de dividida entre optar pelo curso de Relações Pública e Comunicação ou História, a ribeiragrandense vai fazer por conciliar os estudos, o part-time e o artesanato. “Adoro aquilo que faço. Nunca vou deixar de parte os meus trabalhos manuais. Sinto que é cada vez mais uma terapia para mim. Até porque começou mesmo como terapia, numa altura em que eu não estava nada bem.
No futuro, Milene Melo quer fazer workshops de macramé e partilhar os seus conhecimentos: “Mas tem de ser uma cosia muito bem estudada. Algumas pessoas perguntavam-me se já tinha dado workshops ou se estava a dar, por isso é uma ideia que está a piscar na minha cabeça.”
Para já, os artigos da “Honest Green Art” podem ser encontrados na sua página de Instagram. Milene Melo revela que, possivelmente, venderá no Azoris Garden Hotel, e pretende igualmente ter os seus artigos no Chá da Gorreana e na loja Mulher do Capote.
Mariana Rovoredo
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