Turismo (in)sustentável

Views: 0

Turismo (in)sustentável
Ao fim de quase duas décadas a viver em solo açoriano, concedo-me o privilégio de ser uma açoriana de alma, uma micaelense de família, uma faialense carinhosamente adotada e uma santamarense de coração. Confuso? Talvez nem tanto, mas não é esse o ênfase deste artigo.
O que de facto pretendo partilhar convosco, é que por incrível que pareça, nestas ilhas paradisíacas, ainda é comum cometermos a loucura de “dar uma boleia”, porque na verdade ainda não se sente a insegurança de outras paragens. Foi numa ocasião destas, que há poucos dias dei boleia a um individuo de nacionalidade espanhola, que estava em São Roque (Pico), e que naquele dia pretendia visitar a ilha do Faial. Rapidamente fez questão de me contextualizar, explicando que desde há muitos anos, gostava de viajar de forma o mais sustentável possível, que fugia das grandes cidades, mas que não prescindia de alguma comodidade. Os requisitos eram apenas estes, pelo que à distância de um oceano, entendeu que estava na altura de visitar os Açores. Percebi que estava meio desconfortável, apreensivo, desconfiado. Expliquei-lhe que vivia dividida entre as ilhas do Pico e do Faial, após 15 anos a viver em São Miguel, apesar de ser natural do continente português. Acho que esta informação foi suficiente, para ele acreditar que eu iria encaixar os seus comentários sem qualquer tipo de julgamento, não fosse a boleia se ficar apenas por Santa Luzia! Deixei-o falar. Gosto de receber, tenho o maior prazer que quem nos visita leve daqui as melhores recordações, porque como dizia Saramago “É preciso sair da ilha, para ver a ilha”, e os olhos do alheio, alcançam sempre mais do que aquilo que quem aqui vive, há muito se habitou. Indignou-se ao perceber que só havia duas viagens diárias de autocarro entre S. Roque e a Madalena, ainda para mais por ser um adepto do transporte público, na medida em que entendia ser a forma mais sustentável de as pessoas se deslocarem dentro da ilha. Admito que desconhecia o facto, pelo que apenas me restou partilhar da sua indignação. Acrescentou que perante a inexistência de um transporte público regular, ainda questionou um taxista sobre o custo do percurso entre S. Roque e a Madalena, que normalmente (diz ele!) ronda os 20 Euros. Rapidamente descartou esta hipótese, e diligenciou alguns contatos no sentido de encontrar um carro para alugar, mas até aquele momento, não havia conseguido disponibilidade em nenhuma das rent a car locais. Estranhei, mas justifiquei-me com a enorme procura pelo Pico nos últimos anos. Mais do que não ter conseguido alugar um carro, percebi que o que de facto o chateava, era a existência de um mercado paralelo (ilegal) de aluguer de viaturas e do preço exorbitante que lhe fora sugerido, sem qualquer tipo de registo pelo serviço. O percurso era curto e não demorou mais de vinte minutos, tempo mais do que suficiente para se queixar da dificuldade que teve em encontrar um sítio para comer e me pedir algumas sugestões sobre o que deveria visitar na sua passagem pela ilha do Faial. Admito que me vi obrigada a contrariar a
minha vontade, que naquele momento era mesmo a de levar este turista, a passear pelo paraíso, numa tentativa de o compensar por todas estas situações menos felizes, mas como diz o meu sogro (santamarense ferrenho!) “só trabalha, quem não sabe fazer mais nada” e talvez por isso, eu tinha mesmo que continuar a minha jornada de trabalho.
Permitam-me por isso, fazer aqui uma pequena referência, a um dos meus paraísos:
· No final de 2020, o Índice de Envelhecimento demográfico (relação entre a população idosa e o número de pessoas com idades compreendidas entre os 0 e os 14 anos) na ilha do Pico, era de 161,7 pessoas idosas por cada 100 pessoas jovens;
· No final de 2020, a diferença entre o número de nados-vivos e o número de óbitos ocorridos foi apenas positivo na ilha de São Miguel, registando a ilha do Pico um saldo negativo de 57;
· Santo Amaro é uma freguesia do concelho de São Roque do Pico, com 12,70 km² de área e 288 habitantes. A sua densidade populacional é 22,7 hab/km²;
· Em 2021, na freguesia de Santo Amaro existiam 255 habitantes (menos 33 do que em 2020), 264 camas turísticas e novos pedidos de licenciamento com capacidade para mais 400 camas.
Juntando tudo aquilo que até aqui foi escrito, fica evidente o porquê de eu ter subscrito, em consciência, a Petição Pública, encabeçada pelo Duarte Neves, intitulada “O desenvolvimento turístico desequilibrado e a especulação imobiliária insustentável nos Açores e na Ilha do Pico”.
E fi-lo, e apelo a que o façam, não porque esteja contra o turismo, porque tenho a certeza que ninguém estará, nem eu, nem os peticionários (onde se incluem proprietários de unidades associadas à atividade turística), nem por certo os residentes, mas sim porque perante tamanha pressão, urge (re)pensar, legislar, regular e fiscalizar este fenómeno, cujos limites não se vislumbram, com impactos negativos, em primeira instância, na comunidade local, transformando a beleza da sua genuinidade e identidade, tornando impossível a aquisição ou arrendamento de imoveis por jovens, famílias e nativos da terra.
Mas afinal, queremos ou não queremos turismo? Queremos, mas não a qualquer custo! Queremos um desenvolvimento turístico equilibrado e sustentável nos Açores, com respeito pela natureza, pela harmonização paisagística e urbanística, pela inclusão dos visitantes na comunidade local, com serviços auxiliares (saúde, transportes, restauração, acesso a bens de primeira necessidade, entre outros), capazes de corresponder às expectativas de quem nos visita.
Será uma utopia?
Haja saúde!
Petição Disponível em:
O desenvolvimento turístico desequilibrado e a especulação imobiliária insustentável nos Açores e na ilha do Pico https://peticaopublica.com/?pi=PT116849
2 comments
Like

Comment
Share
View more comments

Sobre CHRYS CHRYSTELLO

Chrys Chrystello jornalista, tradutor e presidente da direção da AICL
Esta entrada foi publicada em turismo lazer viagens. ligação permanente.