crónica de francisco madruga

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A malta do Davim – Em jeito de despedida ao Sr. Silva.
O café, restaurante e residencial habitavam a Av. Nossa Senhora do Caminho.
Á entrada, um enorme toldo cobria a fachada envidraçada do edifício, soltando o olhar para o alto, entreva-se pelas vidraças que protegiam os quartos e da qual se avistavam as serras de Mogadouro.
Na entrada do café, uma arca de gelados, espaço amplo ocupado por mesas, cadeiras em tom de verde-alface.
No balcão, forrado a alumínio, colocavam-se as bebidas, os cotovelos e as conversas de circunstância.
Os jornais estavam espalhados pelas mesas. Os clientes sabiam todos os nomes uns dos outros, conheciam as suas alcunhas, as suas manhas e a sua vida.
O “Público” tinha que ser lido antes de chegar o Fernando Bártolo. Era certo e sabido que ele já teria rasgado a página das palavras cruzadas.
Com os cotovelos no balcão, já dissertavam o Francisco Pires, o António Cordeiro, o Basílio, o Francisco Cordeiro e outros ativistas.
Com os olhos focados nas letras dos jornais, outro grupo sorvia as noticias do dia. Só com a entrada de alguém e como resposta ao “bom dia nos dê Deus” levantavam a pestana.
Mais ao fundo, encostados à vidraça, como que controlando quem passa, sentavam-se os Tios, os mais velhos, os Senhores da terra. Ele era o Ti Daniel, o Ti Davim, o Aquiles e o Sr. Silva. (que me perdoem os outros).
Além de devorarem os jornais, gostavam de conversar e jogar damas. Não se cansavam, até que se iam retirando conforme a hora de almoço. A debandada começava por volta do meio- dia.
O Sr. Silva morava logo ali ao lado. Aparentemente não tinha hora. Puro engano. A esposa passava em frente ao café, olhava e sorria. O Sr. Silva soerguia-se da cadeira com alguma dificuldade e atirava um “até já”.
Mas o que o Sr. Silva gostava era de uma boa conversa. Não dava muita atenção às questões da política. Ele gostava de falar da vida, da sua vida, de Angola, da sua terra do outro lado do Sabor, da sua família, dos seus negócios e investimentos. Sim, o seu filho que por lá ficou em terras amadas dando futuro a outros povos, o seu filho que por cá andava matando mentalidades retrógradas e abrindo cabeças a novos tempos, a sua filha que por cá ficou. O seu “ouvidor” que é o narrador desta prosa, chegava sempre à conclusão que o Sr. Silva lhe estava a dar lições de vida.
Tentava sempre contrapor a ideia do fatalismo à necessidade do novo, ao medo do futuro.
Ouvia-me como se eu fosse o velho, o mais sabido o tipo das ideias novas.
Despedíamo-nos e perguntava:
– Então está de férias? Então vá aparecendo.
Entretanto o Davim fechou, fecharam- se os seus olhos e os de outros Amigos, do grupo dos Senhores, o Ti Daniel mantém-se de pé.
O Sr. Silva deixou-nos com as recordações de uma Amizade confidente, compreensiva e tolerante.
Olharei para o passado, com as aprendizagens recebidas e pelas palavras acolhedoras que sempre me dirigia.
Obrigado por ter sido meu Amigo.
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