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É voz corrente ouvir, entre as gentes do Porto, em geral, e entre as de Valongo, em particular, que a palavra molete será um neologismo português, com base no estrangeirismo francês Mollet, que entrou para o nosso vocabulário por alturas do ataque do General francês Soult à cidade do Porto, em 1809. Mais: seria, sem dúvida, interessante e até mesmo romântico acreditar que havia um militar de alta patente, de seu nome Molet, grande apreciador de pão, que não dispensava, ao pequeno-almoço, o saboroso pão, o que teria levado os valonguenses, quando, pela manhãzinha, colocavam as cestas nas carroças que iam abastecer o Porto, a dizer algo como isto:
– Lá vai o pão para o Molete, num aportuguesamento do nome francês. E que, assim, os pequenos pães de Valongo começaram a chamar-se simplesmente moletes.
E, como quem conta um conto, acrescenta-lhe um ponto, outros vão mais longe na fantasia, afirmando que o tal Molet teria mesmo trazido de Paris o seu próprio padeiro, que fazia um excelente pão, a que os tripeiros rapidamente chamaram moletes. Uma outra versão, igualmente efabulada, coloca o suposto militar, sitiado com as suas tropas por terras de Valongo, confrontado com um sério período de crise, em que é forçado a proceder a racionamento de mantimentos. Então, numa atitude extrema, ordena aos seus responsáveis pela distribuição de víveres que procedam ao corte em quatro partes do pão, na altura algo parecido com as actuais sêmeas (um pão bastante grande), em quatro partes, dando assim origem a pequenos pãezinhos, evidentemente, os moletes.
No entanto, a verdade é que não conseguimos descortinar quaisquer registos da existência desse tal militar de alta patente chamado Mollet. E a tese de que a palavra terá tido origem em Portugal, no início do século XIX também cai por terra quando se consulta o “Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antigamente se usaram”, de Frei Santa Rosa de Viterbo, datado de 1865, que regista o uso da palavra já em 1512 em associação ao pão, como adjectivo, ou seja, descrevendo as suas qualidades.
Certo, certo é que molete deriva do francês molette, não do nome, que tem significados completamente diferentes, mas sim do adjectivo, o adjectivo mollet, no feminino mollette, diminutivo de mole, agradável. À letra, em português, “molzinho”, pão molzinho, tenrinho.
Mas ainda em relação à ficção de Molet, poder-se-á colocar a hipótese da criação da palavra molete, enquanto nome, ser efectivamente uma invenção das gentes do Porto, com base na substantivação do adjectivo francês já existente. E é bem possível que tenham sido os franceses, em terras de Valongo em contacto com os valonguenses, durante a invasão napoleónica de Soult, a dar origem ao molete, quando, ao descreverem as famosas qualidades dos nossos pequenos pães, o apelidavam de pain mollet, molzinho. Daí ao aportuguesamento da palavra poderá ter sido um pequeno passo, sabendo-se que existe uma enorme tendência para simplificar a designação das coisas. De pão mollet para simplesmente molete!
Mas que o molete, nome masculino, singular, comum e concreto é nosso património exclusivo disso não há dúvida e, já agora, para terminar, também é bem provável que o mollete espanhol, cujo significado é exactamente o mesmo, tenha sido inspirado no molete do Porto.
João Carlos Brito, Falar à Moda do Porto