VICTOR RUI DORES SOBRE Chrys Chrystello memória e mundividência

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  1. Chrys Chrystello

memória e mundividência

Cavaleiro andante por amor à literatura, J. Chrys Chrystello, ex-jornalista e ex-professor, investigador, cronista, poeta, tradutor, editor e promotor dos Colóquios da Lusofonia, continua a escrever com os olhos da memória.

Acabo de ler dois livros deste autor: um de crónicas, Liames e Epifanias Autobiográficas, ChrónicAçores V (1949-2005), uma Circum-Navegação (Letras Lavadas edições, 2022); o outro de memórias, Alumbramento: Crónicas do Éden, ChrónicAçores VI (2005-2021), uma Circum-Navegação (2005-2021), (Letras Lavadas edições, 2022).

Falar de Chrys Chrystello é falar de um cidadão participativo, de um pensador livre e frontal, de um espírito inquieto e irrequieto, de uma voz incómoda e incomodada e, acima de tudo, de um homem da mundividência e do multiculturalismo, exemplo de bom gosto, saber científico e paciência. O bom gosto nasce do amor que ele de há muito vem dedicando aos Açores e à sua literatura. O saber científico é fruto de uma vida inteira dedicada à investigação. A paciência, tendo como tem muito de treino e vontade, só floresce quando é posta ao serviço de uma causa em que se acredita. É o caso dessa monumental Bibliografia Geral da Açorianidade (Letras Lavadas edições, 2017), em dois volumes, fruto de um amplo, criterioso e extensíssimo levantamento bibliográfico (19.500 entradas) levado a cabo, durante 7 anos, por este luso-australiano, e que só pode ser a prova provada e comprovada de uma pujança editorial e de uma indiscutível identidade cultural açoriana.

De resto, Chrys Chrystello já havia dado boa conta de si com a publicação, entre outras, das seguintes obras: ChrónicAçores: Uma Circum-Navegação de Timor a Macau, Austrália, Brasil, Bragança até aos Açores (Calendário de Letras, 2011) e Crónica do Quotidiano Inútil (Calendário de Letras, 2012), com uma segunda edição revista e aumentada com aquele mesmo título, mas agora com o subtítulo de 50 anos de vida literária (Letras Lavadas, edições, 2022), que reúne os seus textos poéticos – uma poesia do real, militante e de combate, que denuncia as verdades ilusórias e renuncia às máscaras de um quotidiano alienante.

Mas é sobre os dois livros, assinalados no segundo parágrafo deste escrito, que aqui me proponho tecer alguns breves olhares. Num e noutro, Chrystello, observador infatigável do que se passa à sua volta, pega em momentos do real para os transformar em matéria narrativa.

Sentindo a usura do tempo e acionando os retroativos da memória, o autor convoca, invoca e evoca pessoas, lugares, coisas e acontecimentos marcantes que povoam o seu imaginário, isto é, tudo aquilo que lhe ficou suspenso na memória telúrica. Recorda geografias afetivas: Porto, Trás-os-Montes, Bragança, Timor, Bali, Austrália, Macau, Médio Oriente, Brasil, Açores. Lembra viagens inesquecíveis. Atenta e argutamente observa e ironiza o real. Faz crítica social e política. Navega sonhos e utopias. Desdenha (d)as novas mitologias do “quotidiano inútil”. Pugna pela liberdade e pela justiça social. Defende a língua portuguesa, ele que é poliglota. Dialoga com poetas e escritores. Lança olhares sobre livros e obras de arte. Celebra a vida e a amizade. Questiona o destino do homem no palco do mundo. Preocupa-se com os infortúnios dos outros. Acima de tudo, reflete sobre a condição humana.

Estamos perante dois livros de grande espessura evocativa porque registos de uma escrita da memória. Sobretudo em Liames e Epifanias Autobiográficas, o autor analisa minuciosamente algumas das suas experiências vividas, sentidas, sonhadas e evocadas. E, prosador vernáculo que se esmera no cultivo da língua de Camões, escreve com ritmo discursivo e fluência narrativa. Da Lomba da Maia (hoje, seu microcosmo de referência) para o Mundo.

 

Horta, 7/3/2023

Victor Rui Dores