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- Fernando RamalhalEm 2921 no vigésimo aniversário, escreviO texto completo:CAUSAS NATURAIS VERSUS ACTIVIDADES/RESPONSABILIDADES HUMANASA propósito do vigésimo aniversário do acidente com a ponte Hintze Ribeiro sobre o rio Douro, entre Castelo de Paiva e Entre-os-Rios, um texto que escrevi para mim próprio em 2014 com base na sua relação com a Sedimentologia e com as barragens (as duas áreas em que mais intensamente e demoradamente desenvolvi a minhas actividades como Geólogo).“Na análise aos possíveis antecedentes do acidente com a ponte Hintze Ribeiro sobre o rio Douro entre Castelo de Paiva e Entre os Rios, ocorrido em Março de 2001, tentei seguir uma estrutura “paralela” à do poema If… (Se…) de Rudyar Kipling. Sem ter a pretensão de “fazer poesia”, mas apenas de apresentar sequencialmente (tanto quanto possível temporal) os condicionalismos que poderiam ter levado a resultados/consequências diferentes:Se a ponte não tivesse sido construída no já longínquo ano de 1886, constituída por um tabuleiro metálico com os tramos apoiados em pilares de alvenaria com fundações directas no leito arenoso do rio e destinada à passagem de peões e dos veículos hipomóveis da época;Se, ao longo ao longo de mais de um século, a ponte não tivesse suportado cargas muito maiores devido ao tipo de veículos que a utilizaram, incremento tanto no seu número como nos seus pesos brutos;Se, ao longo do séc. XX, não tivesse sido construído um apreciável número de barragens na bacia do rio Douro (referindo apenas as principais): Miranda, Picote (a mais antiga, construída entre 1954 e 1959), Bemposta, Aldeiadavila e Sarcelle, no Douro internacional, e Pocinho, Valeira, Régua, Freigido, Carrapatelo e, já a jusante da ponte, Crestuma, no Douro nacional, e ainda Torrão, no rio Tâmega (afluente da margem direita do Douro, confluente imediatamente a montante da ponte);Se a presença destes “obstáculos” (cujas consequências são acumulativas) não determinasse a retenção de enormes volumes de água nas suas albufeiras, “apenas” descarregada como resposta às necessidades de um caudal mínimo (ecológico? para navegação?), do controlo de cheias e da sua exploração na produção de hidroelectricidade;Se disso não resultasse a alteração do regime hídrico do rio, com regularização do caudal potencialmente expresso pelo aumento do caudal mínimo, pela redução do caudal máximo, pelo aumento do caudal médio;Se, concomitantemente e como consequência, não se verificasse a retenção dos sedimentos das albufeiras das barragens e da correlativa redução dos caudais sólidos a jusante de cada uma delas e da sua previsível deposição no leito;Se as descargas das barragens pelos descarregadores de cheias e de fundo, pelas tomadas de água para as turbinas e pelas comportas (eclusas) de navegação (estas últimas existentes em quase todas as barragens do Douro nacional) não têm sido suficientes para a manutenção das características (tanto qualitativas, como quantitativas) do caudal sólido original;Se as alterações dos caudais líquidos e sólidos não se tivesse traduzido numa redução média da deposição de materiais sedimentares no leito do rio, muito previsivelmente acompanhada pela erosão (remoção) das aluviões anteriormente existentes, em equilíbrio com as características hídricas originais (a redução do caudal sólido do rio Douro tem também expressão na degradação das praias do litoral a sul da sua foz ― a localização da área afectada é condicionada pelo sentido das correntes litorais e ondulação predominantes);Se não tivessem sido feitas dragagens do leito, tanto para a abertura/manutenção do canal de navegação do rio (correlativo com as eclusas de navegação das barragens do Douro nacional), como para a obtenção de inertes (respondendo ao crescente aumento das suas necessidades face ao incremento da construção civil);Se não existissem alterações climáticas, eventualmente responsáveis por ocorrências extremas correspondentes a períodos de fraca pluviosidade e/ou de precipitações extraordinariamente fortes e/ou prolongadas com picos de cheia anormalmente altos (no seu valor em cota e caudais e/ou nas épocas do ano em que ocorrem), como o que se verificava no momento do acidente;Se, considerando as iniciais soluções técnicas do projecto e construtivas (inerentes à antiguidade da ponte), elas não foram integralmente e extensivamente avaliadas e acauteladas as suas possíveis inadequações face às consequências das alterações do regime fluvial e à utilização da ponte, designadamente a conservação das alvenarias dos pilares na sua parte submersa e a exposição das suas fundações resultante da erosão/redução da deposição dos sedimentos do leito;Se todos ou alguns dos processos evocados, potencialmente envolvidos na “história” da ponte e do rio, não foram ao longo de mais de um século de facto avaliados/quantificados, por eventual indefinição de a quem caberiam, ou se não foram adequadamente valorizados, ou se falhou uma apreciação conjunta e coordenada dos seus resultados, ou se cada uma das partes responsáveis não tinha conhecimento da existência das outras avaliações.Então, tendo tudo sido adequadamente avaliado, ponderado e interrelacionado e adoptadas as soluções/providências mais apropriadas, o acidente poderia não ter ocorrido necessariamente naquelas condições, naquele momento, com aquelas tão graves consequências.Quando o processo foi a julgamento, a decisão judicial apenas poderia ter sido a que de facto foi: a queda da ponte resultou exclusivamente de causas naturais.A “causa última” foi uma causa natural, a ocorrência de caudais excepcionalmente elevados naquele inverno e, particularmente, naqueles tempos mais próximos, com a consequente intensa erosão em torno das fundações dos pilares e o agravamento da sua degradação; cada um dos factores potencialmente envolvidos (mesmo que globalmente avaliados e quantificados) poderia não ser por si só necessariamente responsável pela ocorrência.Nota:Um maior desenvolvimento do raciocínio/da análise poderia/deveria levar à abordagem, no domínio da Geologia, dos conceitos de causas, efeitos, consequências, culpas, e culpados.”
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- ActiveMaria Antónia FragaQue excelente análise às causas múltiplas do acidente! Vou guardar no meu arquivo. Muito obrigada fico ao Dr. Fernando Ramalhal.
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