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DO MESTRE AQUILINO RIBEIRO
SOBRE NÓS HUMANOS…E OS OUTROS
Um texto para a história das nossas perplexidades e dos nossos medos que se dá à estampa num momento em que a Ciência e os cientistas finalmente parecem acordar e empenhar-se no estudo sério, objetivo e multidisciplinar dos agora designados UAP’s – que o autor do clássico “Malhadinhas” e de “Andam faunos pelos bosques” qualifica pelo jargão arquetípico da época de “brasa”- os anos de 1950: “discos voadores”, o meme resistente que ainda se lê e ouve por aí… para além do amorável, mui resistente e imperial “marciano” dos nossos pesadelos ancestrais desde H.G. Wells.
Deliciem-se com o tema e/ou pelo menos com a fabulosa prosa aquiliana.
DISCOS VOADORES « ET ALIA»
Diário de Notícias – Dezembro 1954
EU sou dos que acreditam nos discos voadores. Acredito, mais, que vêm de longe, de outro planeta, que não de nações do nosso Mundo e significariam então engenhos de guerra na fase experimental. Para não acreditar, teria que estabelecer urna premissa ou duas premissas; primo, que a Terra era um cárcere de que nós, os homens, seriamos os cativos e de que haveria um carcereiro intencionalmente votado a ter-nos presos, e que, em última análise, as nossas ideias, os nossos inventos, as nossas faculdades do espirito girariam em torno do mesmo óbice como num eterno e inelutável carrocel; secundo, que o firmamento, de que uma noite de lua indecisa me deixa ver até a sua envergadura confim a assombrosa luminária de estrelas, estaria ali sem uma razão mais alta, que é, dos três mundos, segundo a minha razão, dar lugar ao ser vivo, animado, suscetível de um progresso infinito, como pretendia Giordano Bruno.
Nesses astros, a não supor que nós é que temos o monopólio da perfetibilidade sideral, houve plausivelmente uma evolução paralela à do nosso planeta, com as suas crises, os seus períodos multisseculares de construtura física até o aparecimento do primeiro protozoário. Entre nós, a flor mais pura do jardim celeste é o homem, com tão assombrosa relojoaria que ele próprio, dando conta, não achou melhor definição que julgar-se feito à imagem e semelhança de Deus. Mas que desmedido orgulho o seu abalançar-se a crer que constelações e galáxias estão ali para o alumiar em seu trânsito titubeante desde a caverna de troglodita até os aposentos de colchão pulmann e ar condicionado na Sexta Avenida, trigésimo andar, com ascensor, ouvindo, ao deitar, uma valsa de Strauss do outro lado do Oceano?!
Tudo parece solidário, interdependente no Universo, sujeito às mesmas leis da conservação e sublimação no tempo e no espaço. Por isso, eu acredito piamente como Fontenelle na pluralidade dos mun¬dos habitan-tes, e como Bruno, cujos vaticínios estupendos estão a realizar-se dia a dia — tal comunica¬ção verbal de continente para con¬tinente— na visita de astro para as¬tro. É uma questão de ciência, e lá vai ela pela escada de caracol, que é o conhecimento do mundo dos fenómenos, devagar mas resoluta, esclarecendo uns mistérios e solu¬cionando problemas vários de mo¬do a dessecar e sanear utilmente este vale de lágrimas.
De resto, como não havia eu de acreditar nos discos voadores ou outros engenhos interplanetários se numa exposição que ultimamente esteve patente em Londres se exibia o projeto e maqueta de um aparelho nem mais nem menos para ir à Lua? Se nós terreanhos, que decerto representamos na escala uma evolução um lugar retardado — noção essa tão objetiva como nos apercebermos com evidência aritmética dos nossos passos desde o neolítico, através da idade do bronze, idade do ferro, idade média etc., até os nossos dias — alimentamos já semelhantes projetos podia admitir-se que os habitantes de outros planetas, de idade mais avançada, mais progressivos portanto, não só o alimentem como realizem? Dir-se-á: porque não entraram em comunicação real e inso-fismável, com os terreanhos? Porque se limitam — se não são burla ou mistificação de mau gos¬to os casos referidos pelos jornais — a chegar, beber os ventos e despedir sem outra fórmula de processo? Na nossa ignorância de seres criados, diz a paleontologia, apenas há os seus 100.000 anos, o que é a infância para a vida racional, não sabemos responder. Dar-se-á o caso que possuam uma mentalidade muito dife-rente da nossa. Pode acontecer que nos estudem como os entomologistas estudam um inseto. Talvez esperem a boa opor¬tunidade. Porventura estejam a forjar os instrumentos de boa compreensão ou a organizar o vocabulário das nossas algaravias. Paralelismo evolutivo não quer dizer identidade. Tudo é possível, por consequência. Por ora, para eles talvez não sejamos mais interes¬santes com os nossos automóveis, os nossos faróis, as nossas madamas pintalgadas, os nossos feios óculos de trazer ao volante, mesmo com os nossos aviões e palácios, que julgamos a última palavra da civilização e da inventiva, do que um ninho de vespas, movidas em seus rodopios pelo férreo e inferior instinto de conservação e perpetuação, ou um bando de antíopas sarabandeando em noites estreladas de uma roseira para um escarapeteiro. De forma que os marci-anos, ou os íncolas de outras esferas, vêm e vão, cingindo-se a tomar no-tas. Todavia não serei eu o único pacóvio a acreditar nestas viagens, interplanetárias. Não se constituiu recentemente nos países neerlan-deses uma comissão de homens notáveis na ciência e na indústria com o fim de acolher e prestar homenagem ao primeiro marciano que chegue à fala connosco? Parece capítulo de um romance de Júlio Verne e é uma verdade verdadeira, quer dizer, com os selos todos diplomáticos.
Como “descem lá dos espaços tão extraordinários peregrinos? A astronomia não responde ainda de modo decisivo a semelhante quesito. Aliás que sabemos nós da essência das coisas, eletricidade, átomo, etc., etc.? «Sabemos como se comportam em suas manifestações e descobrimos o processo de utilizarmo-nos delas e já não é pouco. Que esses engenhos tragam consigo o seu espaço magnético, com uma acondicionação que lhes permita este deambuleio astral em meios diferences, é ainda uma hipótese.
Seja como for estou persuadido de que estamos em vésperas de uma grande e inaudita revolução terrestre. Maior, no campo das ciências puras e aplicadas, do que a descoberta do motor de combustão e da fissura nuclear. Maior, no domínio do pensamento, que as descobertas de Galileu e de Newton. Supondo que são os marcianos que exploram a Terra, ao acaso de ancoradouro, eles que são, pois, mais velhos do que nós uns milhares de anos — calcule-se o que isso representa na plana da civilização deitando olhos ao último estádio da nossa época com as infinitas aplicações da eletricidade, luz, telégrafo, telefone, radiofonia, com o automóvel, avião, foguetões telecomandados, etc. — que maravilhosas coisas não terão a revelarmos os bons sábios daquele globo celeste? Não falando em matéria filosófica, sendo crível que tenham erguido, e derrubado muitas teorias, fabricado e demolido muitas teodiceias, nem em matéria política, que hão-de igualmente ter passado pelas desvairadíssimas transformações que nos têm custado rios de sangue e os olhos da cara, patriarcados, sobados, petrarcados, consulados arcontados, impérios, monarquias absolutas e constitucionais, demagogias e democracias, ensinar-nos-ão outras coisas, sem entrar no social, que parecem; comezinhas de todo e de que depende, em última análise, a felicidade humana. Bastava que nos dissessem como se conjuram as gripes e outras doenças de bacilos relapsos e extremamente malfazejos, se encontra em urbes como Lisboa manteiga genuína, se veste um homem a seu cómodo e com elegância antropológica, como os talhos poderão fornecer o bife tenro e haja em todos os açafates, sem bulhas nem ralhos, pão fresco e à farta, e em todos os lares paz e alegria sem necessidade de um polícia à mão esquerda de cada cidadão.
Aquilino Ribeiro
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