A MARMITA ESTÁ DE VOLTA

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Já não é só a ameaça de uma guerra nuclear, todos os dias fomentada pelo carnificina de Moscovo, é que voltamos mesmo aos tempos da 1ª Guerra Mundial.
Parece ter sido daí que surgiu o termo da tão famosa ‘marmita’, mas os brasileiros vão mais longe e dizem que ‘marmite’, no século 16, significava hipócrita: alguém que esconde as suas intenções, da mesma maneira que a panela esconde o seu conteúdo.
A verdade é que nos dias de hoje já não há nada a esconder e o que está bem à vista de todos – mas mais sentida no bolso – é a crise económica e social que se alastra todos os dias.
Já não é só a inflação e o consequente aumento do custo de vida, é tudo o que isto acarreta em termos psicológicos para tantas famílias. É por isso que se fala, cada vez mais, de saúde mental e do combate às toxicodependências, porque está tudo ligado à enorme condição frágil da sociedade.
Andamos nestes últimos anos a fabricar pobres e alguns aproveitaram-se disso como se tratasse de um negócio.
Há por aí muita gente engravatada, em instituições de solidariedade social, que nunca sentiu na pele o que é comer de ‘marmita’, muito menos percebem patavina de pobreza e discrição social.
Voltemos então à ‘marmita’.
Já não são apenas os adultos que a levam para o trabalho, quem entrar numa escola à hora do almoço ou visitar à mesma hora o espaço de refeições do Parque Atlântico vai ver carradas de jovens a tirar a ‘marmita’ das mochilas.
O fenómeno não é açoriano, pois acaba de sair o 3º Grande Inquérito Nacional de Sustentabilidade e um dos resultados é surpreendente: 40,7% dos portugueses passou a utilizar a ‘marmita’ para levar “excedentes de refeições para o trabalho”.
Para quem luta contra o desperdício até é uma boa notícia, o problema é que, com toda a certeza, o “excedente de refeições” estará associado à escassez e aproveitamento, quando também é sabido que 32,1% dos portugueses comem menos carne e a percentagem de quem cultiva uma horta voltou a aumentar (22%).
Os políticos não falam disto e se calhar nem vêem, atarefados que andam nos seus confortáveis gabinetes a ler papéis e produzindo discursos que não colam com a realidade.
A grande Lídia Jorge, a propósito do seu novo livro “Misericórdia”, dizia com tamanha lucidez que as classes com mais poder deviam ter mais generosidade. E acrescentava: “Claro que isto não se faz por geração espontânea, mas com medidas que criem meios próprios de distribuição da riqueza, tendo em conta, sobretudo, os mais desfavorecidos. Mas há outra coisa, que é a linguagem. No momento em que as pessoas estão a sofrer muito, é errado ter-se um discurso triunfalista dos números! Não vale a pena apresentar números e quando saímos à rua percebemos que há um contraste entre o discurso político e a vida das pessoas”.
Todos os dias assistimos à divulgação de números contraditórios, cada um a tentar adaptá-los aos seus triunfalismos políticos, como se a população comesse números.
A pobreza mede-se de outra forma, com mais sentimento e menos com a frieza de números.
Numa região que já tinha um quarto da população em estado de pobreza e com a maior taxa de desigualdade na distribuição de rendimentos, a situação vai piorar com a subida vertiginosa das prestações da casa e o aumento imparável dos bens alimentares.
Já não é só dormir mal e com pesadelos.
É o medo de, qualquer dia, abrir a ‘marmita’… e não ter nada lá dentro!
Osvaldo Cabral
Novembro 2022
Diário Inconveniente/Diário dos Açores
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  • Odília Machado

    Muito grave a situação por que se está a passar e, infelizmente, ainda há quem não tenha tomado real consciência…
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  • Ana Mendonça

    Nos 4 anos de primária sempre levei marmita (lancheira) e 28 dos 34 anos que trabalhei sempre a marmita me acompanhou com uma sopa e uma peça de fruta. Não morri, cá estou aposentada, com 70 anos e saudades, muitas, da minha marmita.
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    • 2 h
  • Aida Amaral

    Grande reflexão , real e infelizmente os políticos tentam esconder!
    Mas essa realidade vai “rebentar “ e depois será tarde demais! Há muitas pessoas que ainda vivem numa bolha que tudo está bem!…

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    • 1 h
  • Maria Vieira Soares

    Uma reflexão verdadeira e que sacode consciências.
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    Natália Susana Silva

    Muito bom! A discrepância entre a realidade e a “realidade” política é cada vez maior.