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Timorenses sem tecto, à deriva em Lisboa, vítimas de redes de tráfico humano
A vagar pelo coração histórico da capital, são vítimas de redes de tráfico de seres humanos. Gente que abusou da confiança deles e que os largou no desconhecido.
19 October 2022
By Francisco Sena Santos
Source: SBS
Nestes últimos três meses, chegaram a Portugal mais de três mil migrantes timorenses. A maior parte, confiou em empresários, eles dizem que paquistaneses e indianos, que lhes prometiam o que, obviamente, é a ambição de uma vida melhor. Mas o que estão a encontrar é frustração, incerteza, angústia.
O trabalho muito precário que começaram por encontrar ao chegar, desapareceu.
Era trabalho temporário em campos do Alentejo, do Ribatejo e da Beira Interior. Era trabalho típico de verão, apanha de fruta. O verão acabou no final de setembro e com o fim do verão também o fim das campanhas agrícolas. E eles ficaram à deriva.
Enquanto ainda tiveram trabalho, foram explorados.
São de poucas falas, sente-se que por um lado têm medo de falar, por outro lidam mal com a fala em português.
Um deles acaba por contar o que lhes pagaram por um mês de trabalho, de manhã à noite.
Recebiam escassos 200 euros por mês, o que é menos de um terço do salário mínimo nacional. Viviam em condições indignas: em camaratas em armazéns, sem condições mínimas de higiene e privacidade.
Alguns contam que nem chegaram a receber o pagamento de um mês porque os intermediários, eles dizem que indianos e paquistaneses, lhes disseram que esse dinheiro era preciso para tratar os documentos da legalização deles em Portugal.
Os documentos nunca apareceram e eles ficaram sem aquele muito escasso dinheiro ganho com o trabalho deles.
É de notar que, para entrar em Portugal os cidadãos timorenses não necessitam de visto, apenas precisam de indicar ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras um local onde vão ficar alojados e devem mostrar que têm algum dinheiro para sobreviver. A lei portuguesa de imigração permite-lhes arranjar trabalho e encetar o processo de legalização em território nacional.
A realidade, agora, é que não têm trabalho, nem dinheiro, nem onde dormir. Vivem agarrados ao telemóvel e com medo de esgotarem o cartão para comunicar.
Sem trabalho no campo, viajaram para Lisboa.
Toda a gente que passa pela Baixa, o centro da cidade de Lisboa repara neles, em grupo, à deriva.
Na tarde desta terça-feira estavam mais de 300 no eixo com uns 500 metros que envolve o Martim Moniz, a Mouraria e o Intendente. É uma zona muito frequentada por migrantes asiáticos.
É o coração histórico da cidade de Lisboa, logo ao lado da grande praça do Rossio.
Alguns abrigam-se à noite nas arcadas do Teatro Nacional, nesta praça. Também há os que se encostam às igrejas de São Domingos e de São Nicolau, na mesma zona.
Outros percorrem mais uns 200 metros e pernoitam apoiados por caixas de cartão sob as arcadas da praça do Terreiro do Paço.
Estes grupos são apenas uma pequena parte dos mais de 3.000 migrantes timorenses chegados a Portugal desde julho.
Têm quase todos entre 18 e 30 anos. Vieram com a aspiração de encontrar um futuro e de poder ajudar a família que continua pobre em Timor.
Tornaram-se um caso social que está a ser acompanhado pelo governo, por organizações de apoio social, várias ligadas à igreja católica, e pelo município de Lisboa.
Para gerir este fluxo imprevisto de timorenses, o governo português criou um grupo de coordenação que inclui representantes de oito ministérios, forças de segurança e entidades públicas nas áreas da segurança social, habitação, emprego e finanças.
Equipas de intervenção social estão a acompanhar estes timorenses a quem está a ser dada informação sobre direitos. Ao mesmo tempo está a ser promovido o acompanhamento nas transferências para alojamento digno – mas eles não querem ficar separados uns dos outros, o que complica alojá-los em Lisboa.
Está a ser garantido apoio alimentar, apoio na questão da documentação que têm ou que precisam, e também encaminhamento para ofertas de trabalho de preferência acompanhadas de alojamento associado.
Ao mesmo tempo, estas equipas de acompanhamento estão a tentar saber onde estão os outros timorenses que também chegaram nestas últimas semanas e que não se sabe onde estarão.
Há a noção de que todos são vítimas de redes de tráfico de seres humanos. Gente que abusou da confiança deles e que os largou no desconhecido.
A polícia está a trabalhar para desmantelar estas redes de tráfico humano que largaram em Portugal estes tantos timorenses.
Um facto a registar: a grande solidariedade humana. Muita gente em Lisboa tenta transmitir-lhes carinho e alguma forma de apoio. Ainda que nalguns casos, com pudor – para que esse apoio não seja considerado intrusivo.
Como comentava uma senhora voltada para um dos grupos no Martim Moniz: temos de saber ajudá-los e respeitá-los.
Fim
Oiça a notícia feita para a rádio SBS em Português no link abaixo:
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