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Intervenção do Diretor Regional das Comunidades na homenagem aos 70 anos de vida literária de Eduíno de Jesus promovida pelo 36º Colóquio da Lusofonia
Ponta Delgada, Escola Secundária Antero de Quental, 3 de outubro de 2022
“Começo com uma nota prévia e uma declaração de interesses.
A nota prévia é para expressar o quanto me apraz realizar esta intervenção no 36* Colóquio da Lusofonia em plena biblioteca do nosso liceu.
Remete-me para quando aqui fui presidente da Associação de Estudantes da Escola Secundária Antero de Quental e, depois, presidente da Associação dos Antigos Alunos do Liceu Antero de Quental, conjuntamente com a minha colega de sempre, Maria João Ruivo.
Aqui e então cruzei caminhos com o nosso querido homenageado, provavelmente o mais antigo aluno do nosso mais antigo secundário.
A declaração de interesses é para confessar, desde já, que tenho pelo Doutor Eduíno de Jesus uma imensa estima e uma enorme consideração.
Como todos nós aqui presente, certamente.
Por isso, em boa hora, a Associação Internacional Colóquios da Lusofonia organizou esta oportuna e pertinente homenagem ao decano dos poetas dos Açores.
Abro aqui um parêntese para evocar o seu fino sentido de humor:
A última vez que chamei “decano” a Eduíno de Jesus, ele respondeu que isso não era grande mérito, porque bastava simplesmente viver mais anos que os outros…
A verdade é que celebrar 70 anos de vida já é uma conquista biográfica.
Mas celebrar 70 anos de vida literária torna-se um raro desígnio cultural.
E celebrar 70 anos de vida literária a escrever e a publicar e a intervir e a projetar – com qualidade, intensidade e novidade – revela-se, afinal, um privilégio singular de Eduíno de Jesus.
Ditosa a pátria literária açoriana que conta tantos e tão bons poetas que a cantam e nos encantam, de Antero a Eduíno…
Deste falam e falarão, melhor do que eu, outros tantos artífices de uma escrita comum com sabor a sal.
Detenho-me no livro Eduíno de Jesus: A Ca(u)sa dos Açores em Lisboa – Homenagem de amigos e admiradores, organizado por Onésimo Teotónio Almeida e Leonor Simas-Almeida, editado em 2009 pelo Instituto Açoriano de Cultura e, por feliz coincidência, patrocinado pela Direção Regional das Comunidades.
Dele, retenho e reproduzo uma boa meia dúzia de testemunhos escritos com cumplicidade, mas com autoridade.
Desde logo, Álamo Oliveira avisa que Eduíno de Jesus “é daquelas pessoas sobre quem temos a obrigação de dizer o melhor-mais-que-possível. E isto, afinal, é difícil. As palavras como que encolhem o seu poder encantatório e logo surge o remorso de sempre se ficar aquém do que se queria dizer”.
Urbano Bettencourt evoca a geração açoriana da década de vinte do século passado, que se revela e afirma a partir da segunda metade dos anos quarenta em torno do Círculo Literário Antero de Quental.
E conclui que: “Eduíno de Jesus é, entre os seus companheiros de grupo, aquele que mais longe levou uma reflexão sobre a natureza autónoma do fenómeno literário e político, isto é, dotado de uma especificidade própria, em termos de processo e funcionamento”.
Eduardo Bettencourt Pinto recorda a primeira vez que leu Eduíno de Jesus:
“Apossei-me do livro com a avidez de quem está perante um tesouro literário, coisa que não acontece com frequência. Fui descobrindo o esteta, o filósofo de submersos quotidianos, o observador, ao rés e ao longe, da vida. Em certos momentos poéticos uma reflexão lírica de sussurro; noutros, um ressoar lauto de quem está perante uma audiência atenta num palco de sementes verbais. No decurso da leitura ainda a euforia auroral da palavra certa, medida, sentida nos quatro cantos da voz, trabalhada até ao sopro, até à exaustão. Um verdadeiro acontecimento literário”.
António Machado Pires considera Eduíno de Jesus “um poeta não alinhado, um poeta que se afirma poderosamente só, pela identidade não filiada da sua poesia”. “Aliás – conclui – um bom escritor nunca é filiado: ele é que alinha os outros!…”
Daniel de Sá escreve que “no olhar de Eduíno de Jesus vê-se-lhe a alma. E percebe-se uma inteligência culta que parece querer esconder-se para não envergonhar quem tais dons não tenha. Uma lição do Eduíno é como que um pedido de desculpa por saber mais do que quem lhe pede conselho ou informação. E ele trata as palavras com carinho, como se fossem pessoas”.
Finalmente, para Onésimo Teotónio Almeida, “Eduíno de Jesus é uma espécie de mascote para várias gerações açorianas que ele, coevo polícrono, acompanhou, e que sempre o olharam com afeto e veneração”.
E acrescenta: “Já não há, nas novas gerações de gentes do reino português das letras, figuras deste calibre, googles de quejanda estirpe, poços sem fundo de conhecimentos, que nunca se atrevem a vir a público abrir a boca sobre nada sem ter penteada a frase, o cachecol a coordenar com a cor do verbo e as luvas a assentarem justas sobre os adjetivos e advérbios”.
Quem sou eu para acrescentar o que quer que seja sobre Eduíno de Jesus – o poeta, depois de Álamo Oliveira, Urbano Bettencourt, Eduardo Bettencourt Pinto, António Machado Pires, Daniel de Sá, Onésimo Teotónio Almeida…
Está tudo dito, porque dele tudo se pode dizer.
Resta-me aditar uma palavra final sobre Eduíno de Jesus – o dinamizador cultural, a verdadeira Ca(u)sa dos Açores na Casa dos Açores em Lisboa.
Desde há muito na capital portuguesa, e desde sempre com a saudade açoriana, Eduíno de Jesus dedicou sucessivas décadas à nossa primeira casa dos Açores – como presidente da direção, como presidente da assembleia geral e, sobretudo, como diretor cultural.
Criou e dinamizou incontáveis sextas-feiras culturais para divulgar e valorizar figuras e factos da identidade açoriana.
Deixou um legado – que ainda hoje, felizmente, perdura – a caminho do centenário da afirmação dos Açores em Lisboa.
Eduíno de Jesus é sinónimo de Cultura, de Açores, de Lisboa. De Cultura dos Açores em Lisboa.
A sua vida confunde-se com a sua Causa e com a nossa Casa.
Nasceu logo no ano seguinte ao promissor nascimento desta primeira embaixada açoriana.
Cruzaram ambos caminhos inatos por mútua opção vitalícia.
É uma instituição dentro doutra.
Abraço este merecido tributo num tripé de cumplicidades. Como conterrâneo, como admirador, como Diretor Regional das Comunidades.
E olho para a frente.
Aguardo os próximos anos e os próximos poemas com a suprema sabedoria e a renovada inspiração de quem conta as ilhas em décadas.
Nove ilhas, nove décadas.
Agora, à conta da décima ilha, e no regresso à sua ilha de sempre, que conte mais e bons anos de vida literária…”
José Andrade
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