PAULA SOUSA LIMA E AS PALAVRAS

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AMIGOS, aqui vai a crónica deste sábado:
Acerca das palavras LVIII – géneros e afins
Caríssimas leitoras e caríssimos leitores, conquanto possais ter uns quantos anos mais do que eu ou uns quantos menos, creio que todos vós aprendestes na escola – e verificastes na vida – que há dois géneros: o masculino e o feminino. Pois, assim todos aprendemos, assim todos cremos estar certos, mas não, não estamos, somos todos, ou quase todos, muito ignorantes, muito distantes do que se considera efetivamente certo – certo neste tempo que é o nosso e que não cessa de nos surpreender, para o bem e para o mal.
Todos vós que me leis muito bem sabeis que se tem feito, de há uns largos anos para cá, finca-pé no respeitante à dicotomia masculino/feminino e à necessidade de a sublinharmos na escrita com fórmulas extenuantes, que exigem sempre o “a” depois dum “o”. Essa necessidade, tão defendida por senhoras exímias na defesa dum feminismo algo oco e feito de fórmulas, é coisa que hoje, no momento em que escrevo, vai sendo condenada. Sim, amáveis leitoras e leitores, condenada, considerada imprópria, desrespeitosa, espartilhadora, por aí fora. Agora que eu já me tinha habituado a explicitar masculino e feminino, vêm dizer-me que estou errada, que estou ultrapassada, que firo a sensibilidade de algumas pessoas, e mais não sei quê, nem quero saber, mas tenho de saber, caso contrário ainda vou a linchamento público, credo, é caso para temer.
Ora, então o que é que se passa? Passa-se que, depois de tanto tempo a afirmarmos a diferença do feminino e o respeito pela explicitação deste género, depois de homens e mulheres terem descoberto que haviam nascido no corpo errado e feito difíceis transformações físicas para mudarem de sexo, apareceram uns seres iluminados a dizer que não se identificavam com o género masculino nem com o feminino ou que só se identificavam parcialmente com um ou com outro ou, ainda, que se identificavam com os dois simultaneamente. Achais estranho? Não? Se não, congratulo-vos, pois eu, pedindo muita desculpa a essa comunidade híbrida ou fluída, creio que é fluída que se autodenomina, eu, confesso, ainda acho estranho. Mas vou habituar-me, farei por isso, respeitarei todos os géneros e afins.
Como é que fica a língua portuguesa no meio desta salganhada? (desculpai, caros fluídos) Não temos neutro, é um facto, o Latim tinha, podia ter-no-lo legado, mas não, não temos neutro. Todavia, ah, maravilha das maravilhas, houve quem, muito inteligente e cautelosamente, já tenha resolvido o problema. E como foi? Coisinha simples, notai, mesmo muito simples: escreve-se, por exemplo “amigo”; à frente, a seguir a uma barra, coloca-se o “a”, para não desagradar às senhoras, e ainda à frente, a seguir a outra barra, coloca-se “x”, para não desacomodar os fluídos, portanto ficamos com esta coisa deliciosa “caro/a/x amigo/a/x. Parece-vos, leitoras e leitores, que brinco? Não, não, garanto-vos que falo muito a sério, até já há organismos públicos a usar esta nova e encantadora fórmula. Outra maneira de contornar a questão é, em vez de se escrever “senhoras e senhores”, escrever-se “pessoas”. Muito elegante, obviamente.
Quedo-me a pensar em duas coisas: como se lerá o “x” e que fará a Igreja Católica perante esta questão da fluidez? Para a primeira pergunta não tenho resposta, mas ocorrem-me sons caricatos. No que se reporta à segunda, lembro que a célebre fórmula “fruto da videira e do trabalho do Homem” já passou a “fruto da videira e do trabalho das pessoas”. Bem, está perfeita, não precisa de retoques, pois “pessoas” é justamente a palavra que representa a fluidez. Mas não será possível que que Pedro ou João ou Judas tenham sido fluídos? E Maria de Magdala não se poderia sentir mulher e homem? Sabe-se lá. Não neguemos o que não sabemos. Por isso, se calhar, era mais adequado que a Bíblia declarasse: “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos, às suas discípulas e a todxs xs outrxs…”
Gabriela Mota Vieira, Duarte Melo and 22 others
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  • Jorge M. Ferreira Santos

    Muito Bom. 😁( Também me ri. 😉). Beijinho
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  •  GIF may contain bien

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  • Ló Rego Costa

    Muito inteligente e actual. Afinal de contas, é o Séc. XXI e estamos a assistir a grandes mudanças. Para uns, as mudanças próprias da evolução deste século, para outros, a reacção natural a essas mudanças. As mentes mais abertas não sofrem tanta contrariedade…
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    • 5 h
  • Ludgero Faleiro

    Cuidado com a excomunhão tá bem. Olhe que a “fuidez ou hibridez” vai queixar-se à Sta Sé e os pelourinhos nos adros das igrejas ainda poderão ter actividade “chibatória”😁😂
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    • 5 h
  • Carmelio Rodrigues

    A transformação física muda o físico mas não o sexo.
    Até hoje, o sexo e’ impossível de se mudar; até hoje, não há transformação sexual.
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