autonomia açoriana e o 5 de junho que quase todos já esqueceram

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AUTONOMIAS E PRAGMATISMO – 2.3.2019- CRÓNICA 239

Declaração de interesses: sou profundamente independentista, como se comprova pelos 24 anos de ativismo em prol da libertação de Timor. Creio que esse meu independentismo se deve à Batalha de Ourique, à de Aljubarrota e à libertação do jugo castelhano em 1640.

Dito isto, sei que a independência é o fim último de toda a autonomia, mas a História da Humanidade nada abona a favor. Lembremo-nos (lista não-exaustiva) do holocausto arménio, da ocupação “ilegal” da Irian Jaya pela Indonésia, da Frente Polisário, Palestina (5,3 milhões), Crimeia (2 milhões), Ossétia do Sul, Abecásia (Geórgia), Nagorno-Karabakh (Azerbaijão), Tibete (6,2 milhões), Cabinda, Caxemira, Groenlândia, País Basco (2 milhões), Chechénia (1,2 milhões), Curdos (36 milhões na Arménia, Azerbaijão, Irão, Iraque, Síria, Turquia), Tâmil (Sri Lanka), Morávios, Moldavos (Transdnístria), Iorubas, Ogoni e Igbos (Nigéria), Sikhs (Punjabi), Balúchis (Paquistão, Irão, Afeganistão), Uigur (China), Catalães (7 milhões), Tártaros, Shan (Birmânia), Hmong (Laos, China, Vietname, Tailândia), os massacrados Rohingya (Mianmar, Bangladeche, Paquistão, Tailândia e Malásia), Naga (Índia), Canarinhos, Sardos, Corsos, Tuaregues, Kalahui (Havai), Galeses, Galegos, Inuítes (Canadá, EUA, Dinamarca), Escoceses (5 milhões), Mapuche (Argentina, Chile), Zanzibar (Tanzânia), aborígenes australianos, Lapões, Dacota (Sioux, EUA), Quebequenses e outros (Açorianos?).

Tanta nação sem estado, sem país, tanto rebelde com causa mas sem casa. O silêncio internacional leva-nos a ignorar lutas esquecidas e autonomias adiadas, a independência não é um dado adquirido, existem dezenas de povos que ainda sonham decidir o seu destino… outros vivem na angústia de fronteiras artificiais e coloniais (África), uns tantos com fronteiras conquistadas pela 1ª e 2ª Grande Guerra na Europa, outros anexados pela China (ou em vias de como Taiwan), a divisão artificial da Índia, Paquistão, Bangladeche (Ásia). Uns irão conseguir libertar-se dessas divisões artificiais e a maioria só com novas guerras poderá almejar a tanto.

A ONU reconhece apenas 16 territórios não-autónomos: Anguila, Bermudas, Gibraltar, Guam, Ilhas Caimão, Malvinas, Turcos e Caicos, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Virgens (EUA), Monserrate, Nova Caledónia, Pitcairn, Sara Ocidental, Samoa Americana, Santa Helena e Toquelau.

A realidade e o pragmatismo alertam-nos para comparar os países que há 50 anos, ou menos, conquistaram a independência e a sua situação atual. Basta olhar para as antigas colónias. Podem ter obtido independência, sem grande melhoria económica, social, de justiça ou equidade. Nalguns casos, lutas tribais, guerras civis, corrupção, nepotismo e ditaduras trouxeram mais do mesmo ou pior. O mundo ocidental explora as riquezas e empobrece estes países independentes, elites dominantes que mais não fazem do que fartar-se (lembro Angola e Timor).

A independência vale sempre a pena, são os países, quem dentre os seus, escolhe os algozes. Se um dia os Açores se independentizam (totalmente ou em federação), o que mudaria? As moscas, e pouco mais.

A grande riqueza da terra, mares e ares seria espoliada pelos que detêm o poder económico e nas nove ilhas há pouca massa crítica. Iríamos substituir uns colonizadores por nativos, não menos exploradores, sem que a riqueza fosse distribuída igualmente. Os grupos económicos locais estariam em posição privilegiada para tomarem as rédeas do poder, do comércio à banca, transportes, energia. Nada me garante (pelo que conheço) que não fossem mais tiranos do que os atuais (subjugados a Lisboa) com a sede de vingança de humilhações de 500 anos, nada augura que fossem mais justos, equitativos, menos discriminatórios.

Quase ninguém fala em independência e menos ainda a desejam, mas deviam. Não é pelos 1500 km que nos separam, mas pela diferença de paradigmas, o ritmo cadenciado, ondas e marés.A identidade insular é distinta da portuguesa e europeia e para se cumprir falta a vivência de uma autonomia plena que corte as amarras. Se não fosse a bandeira azul com estrelas no aeroporto e o Euro, ninguém sabia que estamos na Europa. Pertence o arquipélago à Europa por mera e fortuita coincidência geopolítica, mas a alma das ilhas está equidistante de Américas e Europa. Todos sabemos que não há autonomia sem dinheiro e quando há dinheiro a autonomia é só para alguns, como aconteceu no rico Timor onde uma pequena elite vive desafogada e a população faminta como no tempo colonial. Ainda vou naturalizar-me açoriano!