O MIRADOURO DA LAGOA DO FOGO

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Um tema de Regime
A questão do malogrado projeto para o miradouro da Lagoa do Fogo, polémico desde o seu começo por partir de uma intenção errada que não é a de resolver as consequências da crescente massificação do turismo em época alta (só abrandada pela pandemia) e promover a defesa do património natural – o mais frágil e protegido da ilha – mas sim basear-se numa ideia, que tem tanto de pacóvia como contra a essência do que são os Açores, de que a “arte de bem receber” implica ter construções sobredimensionadas e caprichos pessoais em tudo o que é atração. E este não é caso único, vejamos o que está a acontecer no Monumento Natural do Algar do Carvão, outro ex-libris açoriano, com um centro comercial de 2 milhões de euros e 1000 m2 de betão do bem-receber, desintegrado do lugar e que em nada nos caracteriza. Isto numa região em que os ditos centros não funcionam metade do horário laboral normal. Talvez com este circuito alternativo dos centros turísticos milionários quem nos visita não se apercebam do facto de sermos umas das regiões mais pobres da Europa, com menor poder de compra, com uma grande percentagem da população a viver abaixo do limiar de risco de pobreza. O mesmo circuito alternativo que gradualmente criam ao privatizar acessos a zonas costeiras a atrações naturais com valores para outros bolsos. Como se qualquer cidade, vila, freguesia não estivesse sempre a uma distância inferior a 5 minutos de carro, para agora enchermos todas as ilhas e monumentos naturais de grandes centros de interpretação com museus/lojas/cafés para a concessão ao amigo/casas de banho/anfiteatros/salas de aula/o que mais lá couber, quase sempre desrespeitando e descaracterizando gravemente o que realmente vão lá os turistas visitar. “A referência mundial do turismo de Natureza”, “um exemplo de desenvolvimento” dizem. E é uma pena, porque temos ótimos exemplos de como intervir na paisagem, verdadeiras referências de integração e resposta ao programa aí necessário. Os países desenvolvidos, económica e culturalmente, evitam intervir nos seus momentos naturais, preservam-nos e aumentam as suas áreas de proteção afastando, para bem longe, os carros. Já nós por cá fazemos ao contrário, encurtamos Reservas para validar projetos altamente questionáveis, mas “seremos a referência”, talvez de como não construir tantos parques de estacionamento em cima de monumentos e reservas ecológicas. É interessante também estudar a diferença de estratégia e resultados entre as regiões que artificializam as suas paisagens para grandes centros, túneis, passadiços e neo-varandas para selfies, com os que perceberam isso há umas décadas e optam por uma renaturalização e realmente protegê-las e valorizá-las. Os destinos únicos banalizando-se e os banais a tentarem diferenciar-se.
Dito isto, o tema volta agora à baila porque esteve 10 meses “de molho”, após uma consulta pública bastante crítica e participada e cujo resultado não foi divulgado. Há poucos dias, surge no rodapé de uma notícia sobre o barquinho da SRAAC na Lagoa do Fogo – aí já se gerou uma enorme indignação sobre a poluição, várias centenas de carros diariamente nas cumeeiras já parece ser mais consensual – que o Sr. Alonso Miguel avançou com o novo projeto do Miradouro para a Secretaria Regional das Obras Públicas para abertura de concurso público para a sua construção.
Ontem na ALRA, a proposta da IL para que este projeto fosse abandonado e fosse estudada a solução – mais lógica – de criar bolsas de estacionamento e apoios afastadas, nas vertentes Norte e Sul, com acesso por sistema shuttle (que era a única boa ideia da primeira versão, entretanto perdida para a segunda, que não passa de uma camuflagem menos polémica do que a anterior, ainda com mais problemas de aglomeração) foi chumbada, com votos favoráveis da IL e do Chega, sendo que os partidos PSD, BE, CDS, PAN, PS e deputado Carlos Furtado concordaram em baixar à Comissão, embora votassem contra por não concordarem com o facto do documento ser apresentado em formato de Projeto de Resolução de Urgência e não permitir propostas de alteração nem votação dos pontos individualmente. De realçar também a diferença abismal de posturas (e civilidade) entre os membros dos partidos que compõem o Governo.
Algumas declarações que valerão a pena ficar guardadas:
Deputada Délia Melo do PSD
– “Ao aprovarmos esta urgência…poderia pôr em causa aquele projeto que já está pensado para o local”.
O ponto nº1 do Projeto de Resolução é efetivamente abandonar o projeto que está para lá pensado, depois contradizendo-se:
– “Neste momento nós consideramos que deverá haver uma reflexão mais profunda, temos de ouvir outras entidades antes de tomarmos qualquer decisão em relação a esta questão, àquilo que se vai fazer naquele local”.
– “Este projeto deverá baixar à Comissão para uma maior discussão, uma discussão mais alargada, antes de tomarmos uma decisão que poderá por em causa o espaço em questão”.
Então, perguntamos, porque razão foi o projeto enviado para a Secretaria Regional de Obras Públicas, se falta (e nisto concordamos totalmente) uma discussão mais alargada e serem ouvidas outras entidades? E que tal darem um exemplo de seriedade e executarem um Estudo de Impacte Ambiental na área mais protegida e sensível da ilha, como indicam as normas europeias, por parte da Secretaria cuja principal função é proteger Reservas Naturais? Por falar em discussão, onde se encontra o relatório sobre a discussão pública efetuada no site do governo no último verão? E as várias informações vitais omissas para tomar uma decisão em consciência, algumas das quais referidas hoje no debate? Como resolvem o estacionamento para centenas de viaturas, se afirmaram que não iriam construir mais do que aquilo que lá estava e a proposta destrói metade dos já escassos existentes? Quanto irá custar uma obra desta envergadura num terreno e vertentes com estas características? E as infraestruturas?
Já foram pedidos esclarecimentos sobre todo o processo, continuamos a aguardar os próximos capítulos desta viagem pelo túnel que vai ser longa, esperando que este não seja tratado como tema de Regime, como até aqui!
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