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Carta a Rodolfo Franca
Exmo Senhor deputado do PS: depois de um ano e meio a ler o que vai publicando nos jornais, não posso deixar de lhe dirigir algumas linhas, cujo principal propósito é desculpar V. Exa.
Sei bem que soa a condescendência, este início de carta. Quem é você para desculpar seja quem for? já o ouço a pensar. Sou apenas um leitor assíduo dos seus escritos, e, por tal, sinto-me no pleno direito de o desculpar, mesmo que a maioria sinta ser indesculpável a sua produção. Nada vejo de condescendente no perdão, mais que não seja pela necessidade de perdoar os que não sabem o que fazem…
Perdoo-lhe Novas e vanguardistas ideias fervilham, já escaldam nas mãos, trancadas que estavam, à séculos e séculos, na exasperante espera do inevitável dia – o dia do incontornável destino algures preparado para as compreender não saber escrever. Claro que poderia louvar o facto de insistir, de continuar a tentar. Mas não o vou iludir. Esta não é daquelas coisas que se aprendam tentando. Ou se tem, ou não se tem. E V. Exa notoriamente não tem. A sua escrita é densamente complicada, chegando ao ponto de, no fim, o leitor se perguntar sobre o que quer dizer com as palavras que alinhou. Nada pior para um escritor, tal pergunta.
Desculpo-lhe, igualmente, aventurar-se V. Exa pelos difíceis entrefolhos do humor. Novamente sem sucesso. Mas acho que já sabe que não lhe correm bem os exercícios. Aliás, tenho a certeza, dado que em bastantes passagens sente a necessidade de avisar quem lê que está a ser irónico. Quase tão patético como no caso dos frustrados contadores de anedotas que chegam ao fim, ninguém se ri, e então eles passam a explicar a anedota. A mesma é cheia de graça, eles contaram-na brilhantemente, nós é que somos parvos, ou não temos sentido de humor, é preciso tornar a coisa clara…
Desculpo, ainda, o facto de por vezes deturpar a verdade nos seus artigos. Não sei se por má-fé, ou por incapacidade em entender as matérias, ou por ambas juntas, já o apanhei a dizer que as coisas são o contrário do que realmente são, como no caso da “adaptação à Região do diploma nacional que rege o modo como pais e encarregados de educação poderão participar, organizadamente, na vida ativa das instituições de educação e ensino”.
Trata-se de manter todo o disposto a nível nacional, acrescentando vantagens às associações de pais da Região. E V. Exa sabe disso, pois ouviu todas as explicações da Senhora Secretária, já que faz parte da comissão parlamentar onde a governante foi ouvida sobre o diploma. Mas depois vem escrever e publicar que se pretende “reduzir do diploma nacional para o regional”, quando sabe que é exactamente o oposto, visando-se acrescentar. Má-fé ou incapacidade de compreensão? Seja o que for, ainda o desculpo, agora já com imensas reservas…
Desculpo-o, por fim, quanto ao uso exagerado de diminutivos, embora não contribuam nada para a sua masculinidade. Usamo-los muito quando falamos com crianças, tipo “o bebé gosta da sopinha, gosta?, depois vai tomar banhinho e toca para a caminha para dormir o seu sonito”. Discutível, mas aceitável. Já diferente é o empregado de mesa que me pergunta se gostei do bifinho ou se quero a continha. Fico desconfiado… Mas bem pior é V. Exa dirigir-se aos seus leitores com este tipo de linguagem. Trata-nos como crianças por alguma razão especial?
Só não lhe desculpo um erro, dado há duas semanas, quando escreveu “trancadas à séculos e séculos”, em vez de HÁ séculos e séculos. Ainda esperei pelo artigo seguinte, numa nota final ou num P.S, V. Exa pedir perdão pelo erro. Tal não aconteceu, sendo que não me resta outro remédio que não seja pensar que se escreve como escreveu.
Por que não o desculpo por esta omissão do agázinho, quando já o desculpei por coisas bem mais graves? Por uma única razão: porque V. Exa é professor. E um professor não pode dar este tipo de erro. Como não pode deixar de saber como se escreve há, sendo que, em tal ignorância, não poderá corrigir os seus alunos, que ficarão a pensar que se escreve à.
Diz-se por aí que, se o PS tivesse ganhado as eleições regionais com maioria absoluta e tivesse formado governo, estava reservado para V. Exa um alto cargo na Secretaria da Educação. Mais uma vantagem por não ter sido assim. Porque se V. Exa fosse Secretário ou Director Regional da Educação, não saberíamos dos seus erros de português, a não ser que algum Presidente do Executivo de qualquer escola recebesse um ofício assinado por V. Exa a dizer que “à necessidade de estarmos atentos aos resultados do Prósucesso”.
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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