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A propósito de um artigo difamatório publicado hoje no DN sobre mim da autoria de Fernanda Câncio, deixo os seguintes esclarecimentos, bem como uma nota final sobre este caso enviada pela coordenadora para a área da saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, médica e professora Dra Sílvia Jardim.
1. O artigo citado na revista Scopus Critique foi aprovado para publicação antes de publicado em livro. Se Fernanda Câncio se tivesse informado sabia que entre o tempo de submissão e aprovação de artigos a revistas e a sua publicação decorrem entre 1 a 5 anos. E que temos provas da data de aceitação.
2. As sugestões da parte de António Araújo a questionar todos os júris dos meus concursos (mais de 100 académicos ao longo da vida avaliaram os meus CVs em distintos momentos) são do mais ignóbil que já li nesta campanha difamatória.
2. Não existe nenhum artigo igual com autorias distintas. Estão online em acesso livre. O artigo publicado em co-autoria teve naturalmente o contributo da investigadora Luísa Barbosa Pereira, que comigo faz pesquisa.
3. Colocar este assunto na capa, referenciando por exemplo Fernando Rosas, quando no texto o mesmo explica que não “se está a referir ao meu CV”, é no mínimo lamentável. Até a escolha da minha foto – escolhida para corroborar suposta “fraude” é um tratado sobre o mau jornalismo e a crise deontológica que o mesmo atravessa em alguns casos.
4. Ter um artigo científico publicado também em capítulos de livros não só é prática comum, legal, ética corretamente, como útil cientificamente. Qualquer autor com uma obra publicada tem dezenas de trechos de textos inteiros republicados em capítulos de livro ou em livros seus. É legal. Os autores são donos dos seus textos, publicam-nos onde querem. Isto é banal – nos mais destacados cientistas nacionais e internacionais da minha área é generalizado. Ninguém recebe por republicações direitos de autor.
Há muitos dos autores, sobretudo os mais velhos, que têm mesmo em revistas científicas, até 3 e 4 vezes o mesmo artigo. O que não constitui crime. Recentemente estas revistas começaram a impor que o texto não deve ser publicado noutras, e, portanto, na geração mais nova é mais raro haver republicações em revistas. Penso que não tenho, em 70 artigos, nenhum integralmente repetido, e se tiver partes é em menos de 20% dos artigos. Por exemplo, caracterizamos a população de Portugal e repetimos essa parte em dois artigos distintos; o contexto do 25 de Abril, etc. Se eu quero falar de comissões de trabalhadores, introduzo o mesmo contexto para falar de educação no 25 de Abril. É legal, normal, não há notícia alguma.
5. A importância disto num júri de concurso é nenhuma. A função de um júri académico não é contar artigos e caracteres. Para isso bastaria um computador ou uma secretária. Um CV não se mede a metro, nem ao quilo. Evidentemente que, como pendia sobre mim a acusação ignóbil de ter duplicado as minhas publicações, eu tive que fazer a discussão nesse campo, mas um CV não é, nem nunca foi isso.
Em júris muito competitivos o autor é obrigado a selecionar 3 a 5 artigos, é assim na FCT também. Nos concursos para a carreira docente somos obrigados a entregar 5 obras integrais para o júri ler. O CV pode demonstrar que publicou muito ou pouco, em boas revistas ou não, se é um autor muito lido ou não, mas a qualidade do trabalho só pode ser avaliada lendo textos na totalidade. Em alguns concursos que fiz como investigadora visitante nem sequer tive que entregar o CV – ninguém vai ler 115 páginas e contar artigos!– mas apenas selecionar 5 páginas dele, um projecto, e entregar 5 livros na íntegra, que o júri lê. É isso que faz. Não conheço concursos destes sem entrega obrigatória de obras. No Brasil junta-se ter que dar aulas públicas – aqui, na Agregação, também. Ou achavam que os júris não sabiam distinguir obras de republicações?
6. Terá escapado à jornalista que o meu CV com “milhares de caracteres repetidos” foi selecionado pela direção do IHC entre os 15 melhores, entre 400, para a avaliação do próprio IHC junto da FCT.
7. Há problemas éticos a debater na Academia?
Por exemplo, uma jornalista achar que se pode substituir a um júri nomeado pelo conselho científico é um gravíssimo problema ético – querer fazer de justicieiro e substituir-se aos órgãos científicos é grave. Andar a contar caracteres do meu CV que foi defendido com 7 catedráticos especializados, é grave, e lamentável. É como a jornalista pegar na bula de um medicamento e ir para os jornais dar lições de medicina. Se não fosse trágico, era cómico.
Há muitos problemas éticos nos CVs hoje. Creio que não são os meus. Por exemplo, há quem tenha feito o doutoramento e depois disso não investigou nem inovou mais, isso configura auto plágio, mas mesmo assim não é ilegal, ainda que cientificamente mediocre. Há quem use uma pesquisa e a salamize (parta em bocados para dar muitas publicações). É altamente questionável, também, que estejamos a ceder os nossos textos e direitos a revistas que depois proíbem a sua cópia noutra revista e vendem os nossos direitos sem nos pagar, ganhando milhões – isso, sim, é generalizado. É o problema do produtivismo, “publique ou pereça”. Contra tudo isto tem havido uma política de open access cada vez maior, a que aderi com entusiasmo. Por isso a jornalista pode ler “milhares de caracteres repetidos” meus em acesso livre. Aliás, quando me ligam e pedem um texto digo logo sim: onde quiserem publiquem, e em acesso aberto, sem me pagarem nada.
8. Há mais de 200 académicos do mundo inteiro chocados com a campanha de difamação, que deram o nome (não são anónimos) em defesa do meu percurso académico, dezenas são chefes de departamento e editores de revistas científicas. Há já uma parte do país perplexa com a violência e a barbárie desta perseguição, andaram atrás dos meus editores, colegas estrangeiros. Já ninguém anda a debater o meu CV, nunca foi assunto, – aliás o mesmo só pode ser debatido entre especialistas, porque os outros não fazem a mais pequena ideia do que estão a falar.
Nas minhas 115 páginas de entradas de CV há uma entrada que marca a minha carreira como historiadora, porventura mais importante que todas as outras, A História do Povo na Revolução Portuguesa, é uma obra publicada em várias línguas, debatida, lida e estudada em Universidades várias na Europa. Em Portugal sou contactada pela jornalista para debater a minha pesquisa inédita sobre o 25 de Abril? Não – para contar caracteres. É risível. Decadente. Revela uma parte do um país carcomido.
A maioria do país não está a pensar no meu CV, está chocada com o que isto significa porque demonstra que há nichos de decadência democrática na Academia e na Imprensa, que usam métodos de terror para disputarem lugares. Não há memória em Portugal de uma campanha desta natureza contra uma mulher, académica, figura pública. É ignóbil.
Usar de campanhas públicas difamatórias contra quem está a prestar concursos em processo de avaliação é repugnante. Usar do terror – supostos testemunhos de alunos, até um morto! – assediar-me, como stalkers há 3 semanas, a mandarem-me mensagens, é digno de chefes de campos de terror.
O país está chocado. Não com o meu CV – que demonstra muito trabalho colectivo e um certo excesso de trabalho individual, pouco salutar para mim. O país está chocado com a quantidade de meios usados nesta campanha difamatória. Uma mediocridade, assente na total ausência de respeito pelas instituições e pelo Estado de Direito.
Uma nota final da coordenadora da área da saúde da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dra Sílvia Jardim
“Defender a voz de Raquel Varela como mulher portuguesa, intelectual e historiadora em Portugal e no mundo é defender o pensamento crítico, a pesquisa verdadeiramente científica no campo das humanidades, a liberdade do debate de ideias e de políticas públicas e ser intransigente com qualquer abuso opressor e especialmente com a violência de qualquer ordem e, especialmente, a violência psicológica implicada nos ataques à idoneidade de caráter da pesquisadora em tela. É também a defesa de uma voz altissonante na academia em prol do trabalho e os trabalhadores. Repudio veemente a campanha difamatória sofrida por Raquel Varela.”
Sílvia Rodrigues Jardim
Médica. Doutora em Psiquiatria
Coordenadora da Saúde do Trabalhador
Universidade Federal do Rio de Janeiro
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