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Professores, precisam-se
Lembro-me de todos os professores que tive. Do primeiro ao último.
O primeiro foi o professor Rodrigues, na escola primária, vá lá saber-se por quê alcunhado de “cabeça de areia”. O último foi Soares Martinez, com quem fiz História Diplomática. O primeiro, quando morreu, teve grinaldas de muitos antigos alunos a colorir-lhe a campa. O último mereceu notícias do género “morreu o terror da Faculdade de Direito”.
Mas lembro-me de todos, de uns mais que de outros, no ciclo, no liceu, na universidade.
A partir de certa altura, já longínqua, passei também eu a ser professor. A primeira vez que senti o peso da idade foi quando, na Manuel de Arriaga, tive como colegas antigos professores meus. Mas senti-me verdadeiramente idoso quando comecei a ensinar filhos de amigos meus e de antigos alunos.
Em todas as escolas por onde passei, fui muito para além das disciplinas que ministrei. Em actividades extracurriculares que não eram exigidas, nem sequer pedidas, e, por isso, se traduziam em muitas horas não pagas. Foram recitais de poesia, peças de teatro, bailinhos de carnaval, concertos, sempre reunindo alunos e alunas à volta da Arte. Só nos últimos anos, haverá quem se lembre dos bailinhos de carnaval da Escola Secundária Vitorino Nemésio e da “Noite” da mesma, que encheu dois Auditórios do Ramo Grande com música, poesia dita e teatro.
Ao longo dessas mais de três décadas, no início de cada ano lectivo, perguntava aos alunos e alunas das turmas que me eram dadas: “quem aqui quer ser professor no futuro?”. Muitos dedos se levantavam, na década de oitenta. Diminuíram na década de noventa, eram já poucos na primeira década do século XXI e, hoje, já ninguém quer fazer de tal profissão modo de vida.
As crianças e jovens que actualmente estudam no nível secundário das nossas escolas, sonham com profissões que os realizem mais, que lhes confiram maior estatuto social e que sejam melhor remuneradas. Os cursos superiores que escolhem dar-lhes-ão acesso a tal sonho, ao qual têm todo o direito.
Mas talvez nos estejamos a esquecer de que, para chegarem à universidade, terão de cumprir muitos anos de ensino. Quatro no 1º ciclo (1º, 2º, 3º e 4º anos), dois no 2º ciclo (5º e 6º anos), três no terceiro ciclo (7º, 8º e 9º anos) e mais três no secundário (10º, 11º e 12º anos). E faltam cada vez mais professores em cada um desses níveis. Problema que se regista no continente e nas ilhas.
Para ultrapassarmos tão preocupante problema, temos de nos perguntar: primeiro, como foi possível chegarmos a tal ponto de pré-ruptura; segundo, como poderemos voltar a tornar atractiva tão nobre profissão, se é que ainda vamos a tempo?
Foram muitos anos a pagar mal aos professores, a maltratá-los, a enchê-los de burocracia, desviando-os da sua principal função que é a de ensinar. Por isso, não levo a mal aos meus alunos e alunas, quando decidem que não querem que os seus futuros passem por ser maltratados, afogados em papéis e, ainda por cima, mal pagos. Quem andou anos a fio a espalhar a ideia de que os professores são uns inúteis, que não fazem nada, que têm férias a mais e privilégios injustificados, terá sido bem-sucedido nos seus intentos – nenhum jovem quer isso para si, só se fosse doido… Mas… quem os vai ensinar?
Foram muitos anos a deixar andar. À espera que as coisas se resolvam por si. Que haja milagres. Depois de ter dado condições de estabilidade a muitos professores que ainda o querem ser, Sofia Ribeiro não quis deixar andar. Com apenas dez meses de governação, meteu-se num avião e foi a Lisboa, reunir com o Ministro da Educação, para tentarem encontrar meios para inverter uma situação de falta de professores que já é dramática e que pode vir a piorar muito.
A audiência foi ontem. E, à hora em que escrevo estas linhas, não posso saber qual o resultado das conversações. Mas sei que o Ministro convocou para a reunião os seus dois Secretários de Estado para a Educação. Sinal claro de que também deve estar muito preocupado.
O futuro só pode passar por tornar a profissão de docente atractiva. O que impõe a necessidade de tabelas salariais mais justas, reformas mais dignas, condições de trabalho mais capazes. Torna-se imperativo e urgente devolver aos professores o respeito que merecem, pela importância que a Educação tem em qualquer sociedade. Porque, se tivessem razão os detractores desta classe, se fosse verdade que os professores ganham muito e trabalham pouco, os jovens destas ilhas e deste País quereriam certamente seguir tal profissão. É que eles… não são doidos!
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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