Olivença, Espanha, quer o português como segunda língua materna

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Olivença, Espanha, quer o português como segunda língua materna
José Venâncio de Resende, de Olivença/Lisboa // 09 de Dezembro de 2014

Vista geral, com a Igreja da Madalena ao fundo

Vista geral, com a Igreja da Madalena ao fundo

Olivença – território administrativo espanhol (município, para nós) de cerca de 12 mil habitantes a 11 quilômetros do rio Guadiana – quer oficializar o “bilinguismo” (castelhano e português) como seu patrimônio cultural. Esta é a aposta da Associação Cultural Além Guadiana, fundada há quase seis anos para promover (1) a recuperação e valorização da sua “herança portuguesa” (língua e cultura) e (2) a aproximação cultural e afetiva com o mundo lusófono, entre outros objetivos.

Algumas iniciativas neste sentido já foram adotadas pela Câmara Municipal (espécie de Prefeitura) por sugestão da própria Além Guadiana. As informações turísticas são apresentadas em três línguas (castelhano, português e inglês). Outro exemplo é que nomes de ruas e praças (cerca de 70 na região histórica correspondente às antigas muralhas) aparecem em duas versões: o nome atual em castelhano e o antigo em português.

A rua onde se localiza a Santa Casa de Misericórdia é denominada “Caridad”, mas o antigo nome era “Calçada do Espírito Santo”. Exemplo curioso é a atual rua “Reys Católicos” (referência aos reis espanhóis Fernando e Isabel) que era a antiga “Rua de D. Manuel I” (rei de Portugal).

O que faz a diferença em Olivença é a “biculturalidade”, enfatiza Joaquín Fuentes Becerra, presidente da Além Guadiana. “A Associação respeita todas as posições (políticas, territoriais etc.) porque o nosso interesse é a cultura com o qual toda a gente concorda.” Para ele, as culturas somam-se, adicionam, não geram conflitos. “É a única terra que pertenceu a dois países no contexto da Península Ibérica”, afirma, procurando evitar a discussão das questões de soberania.

“Bilinguismo puro”

O bilinguismo, acrescido aos patrimônios cultural e arquitetônico, elevaria o patamar de Olivença, na visão de Eduardo Naharro Macias Machado, professor de português e membro da Além Guadiana. “Mas, para chegarmos ao bilinguismo puro, temos de trabalhar para que as escolas voltem ao português padrão.”

Eduardo acredita que o resultado desse processo seria traduzido em mais turismo, mais trabalho para as pessoas e em tornar Olivença referência cultural. Lembra, por exemplo, que a Igreja da Madalena – construída pelo bispo Frei Henrique de Coimbra, o mesmo que viajou ao Brasil com Pedro Álvares Cabral – é considerado o segundo templo manuelino (mesclagem do gótico final com elementos renascentistas, entre outras influências) do mundo, depois do Mosteiro dos Jerônimos, de Lisboa.

Até a década de 1960, o português ainda continuava vivo no meio do povo oliventino, apesar da falta de apoio (escola, meios de comunicação etc.), observa Joaquín Becerra. A língua era transmitida oralmente de pai para filho, numa população analfabeta na sua maior parte.

Foi perdendo terreno e, hoje, o português está restrito às pessoas mais idosas, embora muitas pessoas de meia-idade percebam e mesmo falem a língua, explica Joaquín. E começa a surgir entre os jovens grande interesse pela aprendizagem do português. “Há o sentimento de que a língua faz parte da nossa cultura.” Este crescente sentimento, em diferentes idades, deve-se ao fato de vivermos na fronteira dos dois países, o que torna o português uma língua estratégica (relações comerciais, laborais etc.), acrescenta.

“Em Olivença, o português é considerado um dos tesoiros da sua cultura imaterial, que não só faz parte da sua identidade, mas que, pela sua vez, constitui uma ferramenta de promoção cultural e económica”, diz um trecho de manifesto da Além Guadiana distribuído em Lisboa por ocasião das comemorações, em Junho, dos 800 anos da língua portuguesa.

Eventos

Para estimular o interesse pela língua, a Além Guadiana já promoveu duas “jornadas”, em Olivença, com a presença de professores universitários, linguistas e entidades educativas. Também já realizou encontro de escritores de Portugal e da Extremadura (região autônoma, espécie de Estado, à qual pertence Olivença).

Em Abril deste ano, a jornada abordou “Perspectivas da língua portuguesa em Olivença”. Pela primeira vez, contou com a presença de um político português, o deputado José Ribeiro e Castro então presidente da Comissão Parlamentar de Ciência e Cultura. Também participou um representante do Conselho da Europa.

Porém, o evento mais importante é o denominado “Lusofonias” – um ou dois dias do ano dedicados ao mundo lusófono, com artesanato, literatura, música, teatro, cinema e animações de rua, entre outras atividades. “É uma maneira de reivindicar que nós desejamos continuar a pertencer ao mundo lusófono”, resume Joaquín. Uma atividade simbólica nesses encontros é a “leitura pública”, uma hora de leitura de textos em português de diferentes autores.

Foram realizadas três Lusofonias até agora (não houve em 2013 e 2014). A maior dificuldade de realizar o evento é a falta de apoio logístico e financeiro, lamenta Eduardo.

Além disso, a Além Guadiana tem participado de eventos extra-municipais, como a audiência do Conselho da Europa, em 6 de Outubro deste ano em Santiago de Compostela, Galiza. Neste encontro, foi apresentada a situação atual do português de Olivença, um “subdialeto do alentejano oriental, com superestrato espanhol”, como define Eduardo Machado.

Na ocasião do encontro, a Além Guadiana propôs ao Conselho da Europa que agisse no sentido de recuperar o português oliventino. Por exemplo, que não apenas fosse publicado, mas também encaminhado “oficialmente” uma cópia do relatório (produzido pelo Conselho da Europa) às autoridades da Extremadura e de Olivença.

A ida a Santiago de Compostela foi decorrência de uma solicitação – apresentada pela Além Guadiana, em 31 de Março de 2009, à direção geral do Patrimônio Cultural da Junta de Extremdura (governo regional) – de que o português oliventino fosse declarado bem de interesse cultural. Em 31 de Julho de 2012, a Associação soube que esse pedido fora arquivado, revela Eduardo. “Em 6 de Janeiro de 2014, fizemos um novo pedido do qual ainda não temos resposta.”

Ensino do português

Esse interesse crescente pela aprendizagem do português precisa ser acompanhado por medidas efetivas, na visão de Eduardo Machado. Para ele, o ideal é que o português fosse considerado “língua materna” (como o castelhano), e não língua estrangeira.

De acordo com a atual lei da educação, as escolas são livres para escolher a segunda língua com valor acadêmico, desde que garantam o professor. Das duas escolas primárias de Olivença, a particular optou pelo português, e inclusive contratou o professor. Já a escola pública viu-se obrigada a optar pelo inglês, por não contar com professor de português com as características definidas na lei. Mas há grande vontade por parte desta escola em ter português.

No liceu (secundário), a escola particular mantém a opção pelo português, mas a escola pública trocou o inglês pelo francês. Agora, também falta professor de francês.

Eduardo é professor de português na Universidade Popular (municipal), frequentada por crianças (a partir de seis anos) e por adultos.

Na escola primária, com dois anos de curso, o aluno recebe o certificado A2; com quatro anos, o B1; e com seis anos, o B2. E a escola oferece ainda uma aula livre na qual se trabalham os aspectos culturais. Já na Universidade Popular, o aluno é preparado para realizar exame para qualquer nível.

Além dos cursos formais, Eduardo por iniciativa própria criou um clube de cinema, leitura, teatro, visitas e passeios culturais a Portugal. Também promove exposições, como a de Camões inaugurada em 14 de Novembro no Museu de Olivença.

Porém, adverte Eduardo, a continuidade deste trabalho depende da renovação do projeto “raízes portuguesas”, aprovado pela Câmara Municipal para o ano letivo de 2014 que termina em Maio de 2015. “A situação real do português em Olivença é eventual, tanto na escola pública quanto na Universidade Popular.”

Paisagem portuguesa

Quem chega a Olivença logo nota a marcante presença da cultura e da arquitetura portuguesa.

De imediato, sobressai o Alcácer, conhecido como “o castelo”, construído em 1334 pelo rei D. Afonso IV, vindo a ser ampliado com a edificação da Torre de Menagem, ao lado da porta de São Sebastião. Em 1488, o rei D. João II fez obras de melhoramento nesta torre, que tem 37 metros de altura e 17 rampas de acesso ao seu terraço. Em 1716, foi visitada pelo rei D. João V em sua passagem por Olivença.

O castelo está no interior da cidadela medieval do rei D. Dinis, construída no início do século XIV. Segundo uma lápide de 1306, esta primitiva cidadela foi levantada sobre os restos de outra fortificação templária. Tinha um total de catorze torres, muros de três metros de largura e altura de 12 metros, com quatro portas. Esta cidadela chegou a ter quatro muralhas, conservando-se até hoje a primeira (medieval do século XIV) e a quarta (do século XVIII). Também se conservam os seus quartéis.

Localizada no centro histórico, a Igreja da Madalena – autêntica obra-prima do estilo manuelino português – foi construída em 1510 pelo bispo de Celta, Dom Frei Henrique de Coimbra, o mesmo que acompanhou Pedro Álvares Cabral e celebrou a primeira missa no Brasil. Trata-se de um conjunto artístico admirável, com uma fachada atrativa e uma majestosa torre quadrangular. No seu interior, destacam-se as colunas torsas, a azulejaria historiada, seis retábulos barrocos de talha dourada e três neoclássicos em mármore. Acrescente-se o portal em estilo renascentista.

Outra relíquia é a Capela do Espírito Santo ou da Santa Casa de Misericórdia, provavelmente uma das mais belas da Estremadura. Iniciada em 1501, foi reformada no século XVIII e embelezada de azulejaria, que representa as obras de misericórdia, e três retábulos barrocos.

A igreja matriz de Santa Maria do Castelo teve a sua construção iniciada em 1584 no reinado de D. Filipe I (neto de D. Manuel), substituindo uma igreja primitiva templária do século XIII. Tem estilo renascentista, com três naves, altar-mor em estilo barroco e azulejaria. Destaque para o retábulo da “Árvore de Jessé”, com 10,29 m de comprimento, representando a genealogia de Jesus Cristo.

Ponte da Ajuda

Quem atravessa a ponte sobre o rio Guadiana – que liga Olivença a Elvas em Portugal – avista bem perto as ruínas da antiga Ponte da Ajuda*, também conhecida como Ponte de Nossa Senhora da Ajuda ou ainda Ponte de Olivença. Foi construída no reinado de D. Manuel I, em 19 de Dezembro de 1510, no local chamado Nossa Senhora da Ajuda.

A ponte tinha 380 metros de comprimento e 5,5 metros de largura, com 19 arcos e um torreão de três pisos a meio. Em 1597, alguns dos arcos centrais desabaram, em consequência de fortes cheias que aumentaram significativamente o caudal do rio Guadiana. Mais tarde, em 1641, após vários invernos rigorosos causando danos à ponte, esta foi reparada por ordem do general D. João da Costa, que mandou substituir dois dos arcos deficientes por pontes levadiças.

Durante a Guerra da Restauração, em Setembro de 1646, foi parcialmente destruída pelo exército castelhano, mas foi reparada após o fim da guerra. Alguns anos mais tarde, em 1709, durante a Guerra da Sucessão Espanhola, o exército castelhano fez explodir a ponte, destruindo-a mais uma vez parcialmente. A ligação entre Elvas e Olivença passou a ter que ser realizada através de terras espanholas.

Em 1967, a ponte da Ajuda, em ruínas, foi declarada monumento de interesse nacional pelo estado português. Na cimeira luso-espanhola de 1994, o governo português recusou um empreendimento transfronteiriço de construção de uma nova ponte sobre o rio Guadiana, perto da ponte da Ajuda.

O governo português assumiu, assim, os encargos financeiros e a responsabilidade de construir sozinho a nova ponte, que seria inaugurada em 2000.

Breve histórico

Nas informações turísticas do Paseo de Hernan Cortes (antigo Largo do Castelo), consta uma breve história de Olivença. Aparece em documentos pela primeira vez no século XIII, logo após a reconquista de Badajoz. Estas terras de fronteira são entregue por Alfonso IX de Leão às ordens militares, ou seja, o vizinho castelo de Alconchel passa à Ordem do Templo. Em 1278, os templários são obrigados a deixar Olivença por pressão do concelho e bispado de Badajoz. Com a morte do rei Sancho IV de Castela, guerras civis foram desencadeadas pela sucessão ao trono.

Diante da situação, o rei português D. Dinis forçou a retificação na fronteira, começando assim o período luso da história de Olivença que duraria 504 anos. Em1801, a França napoleônica – de que era aliada a Espanha – declarou guerra a Portugal, assinada pelo rei espanhol Carlos IV, que não aceitara fechar seus portos à armada inglesa. A guerra começou e, no dia 24 de Maio do mesmo ano, Olivença foi conquistada, findando o conflito com a assinatura do Tratado de Badajoz em 6 de Junho. Ficou conhecida como a “Guerra das Laranjas”.

Já Carlos Fontes** relata que “a Vila de Olivença foi conquistada pelos portugueses aos mouros, pela primeira vez em 1166. A sua posse definitiva foi reconhecida em 1297, no Tratado de Alcanizes, quando foram fixadas as fronteiras entre Portugal e Castela. Durante mais de 600 anos a sua população bateu-se contra as investidas de Castela e depois da Espanha (a partir de 1492) para preservar a sua identidade nacional.”

Fontes chega a falar de “usurpação” num momento particularmente dramático para Portugal, que vivia sob a ameaça de uma invasão pelo exército francês. “A Espanha aproveita-se desta fragilidade de Portugal e declara-lhe guerra e num acto de traição, pela força das armas, usurpa um território que não lhe pertencia subjugando uma população indefesa.”

Ainda segundo Fontes, “em 1815, após inúmeras manobras negociais, a Espanha compromete-se a devolver aquilo que havia roubado a Portugal, mas acabou por nunca o fazer. Pelo contrário, iniciaram uma sistemática política de genocídio cultural de uma parte do povo português e de ocultação das marcas de um crime”.

Sobre a conquista de Olivença, o historiador inglês A. R. Disney*** relata que Napoleão, com a colaboração de Espanha, queria afastar Portugal da aliança britânica e tornar o país um satélite da França.

Em Janeiro de 1801, enviou a Lisboa um ultimato dando ao reino duas semanas para denunciar a aliança luso-inglesa, fechar os portos aos navios britânicos, pagar uma grande indenização e permitir às forças espanholas que ocupassem pacificamente um quarto do seu território. Caso contrário seria invadido.

Portugal recusou-se a aceitar o ultimato, prossegue Disney. Então, Napoleão pediu que as forças espanholas marchassem para o Alentejo. O resultado foi a breve “Guerra das Laranjas”, em Maio e Junho de 1801. As forças espanholas ocuparam várias cidades portuguesas, incluindo Olivença.

Os combates travados terão sido uma questão de aparência, versão com a qual Disney parece concordar. Os dois lados continuavam em contato durante o conflito. As negociações de paz resultaram num acordo que Bonaparte rejeitou por considerar os termos demasiadamente brandos para Portugal.

Novo tratado, com condições bem mais duras para Lisboa, foi elaborado e assinado em 29 de Setembro de 1801. O príncipe regente D. João foi obrigado a fazer várias concessões aos franceses, entre elas indenizar os espanhóis, que reteriam Olivença como penhor. D. João não tinha alternativa senão ceder, pois sua capacidade de resistência a uma invasão francesa era mínima.

  • Monumentos Desaparecidos. Disponível em http://monumentosdesaparecidos.blogspot.pt/2009/11/ponte-da-ajuda-elvas.html
    **Olivença: Usurpação e Etnocídio. Lusotopia.
    ***História de Portugal e do Império Português, Volume I, Coleção Saber & Educação, Guerra e Paz Editores, 2009, Lisboa