diário da nova realidade

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O Verão pintou-se da cor da pandemia, cinza, sem sol e sem graça. A TV repete vezes e vezes sem conta as mesmas notícias, covid, não covid, teste, não teste, vacina não vacina, é culpado não é culpado, o juíz quer protagonismo, o juiz deveria ser condecorado. Os jornais trazem noticias de todos conhecidos, mais um virgula menos virgula pouco varia. Não há festas, não há espetáculos, a cultura está resumida a um retângulo de um ecrã, com publicidade de 3 em 3 minutos. Os livros estão caros e falar em cd é ser cota. A TV repete séries e filmes.
A humidade torna tudo mais peganhento, escorre a água, mergulhamos num mar agitado, mas a sentimo-nos peganhentos, colados á roupa, o pé no sapato de trabalho chora pelo fresco da tijoleira.
Falamos, falamos á distancia, cremos no que nos dizem dos lares donos e senhores dos nossos idosos, por vezes podemos vê-los nos quadradinhos dos écrans, enquanto alguém nos diz, tem dificuldade em ouvir e ficamos com a noção que os olhos estão vazios e o sorriso é consequência de uma ordem.
As crianças nem sabem se o ano escolar acabou, as restrições á partilha e ao convívio mantém-se. Os jovens sofrem, não foram vacinados em nome da proteção dos mais velhos ficaram condicionados nas suas opções. No futuro irão pensar em nós com carinho? Pensamos nós neles? Pensamos que serão os responsáveis pela nossa velhice. Calam a revolta, conversam em surdina, e chamam-nos de mentecaptos.
Protestamos, e esvaziam as nossas ideias pois não somos especialistas, mas os especialistas diariamente contradizem-se.
A tarde corre, as polémicas continuam, as trafulhices da pinarreta fazem-me esquecer a amargura de não ter o picar do ponto, o beijo e o chocolate. Tenho o relatório na secretária, o orgulho de termos mantido o barco á tona e o vazio do vazio. Números, expectativas goradas, investimentos adiados… o rumo é um horizonte inatingível, quiçá numa linha invisível ou tracejada.
Cai a noite, um telefonema, o relato do refúgio, onde se matam as saudades, mas falta o toque, o perfume do jardim, o afago.
É a nova normalidade possível!
Não gosto, não quero, não desejo e não concebo que seja o que nos oferecem numa bandeja de prata como um repasto.
May be an image of twilight, nature and cloud