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A CAUSA DAS COISAS
O Conselho de Administração da RTP suspendeu, a 1 de Junho de 2011, as emissões da RDP Internacional em Onda Curta, com o aval do então Ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão. Esta suspensão foi justificada com a necessidade de avaliar o impacto destas transmissões, muito embora oito anos após a suspensão nunca tenha sido apresentada qualquer avaliação.
Após as eleições de 5 Junho do mesmo ano, o recém-nomeado Ministro dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, transformou a decisão transitória em efetiva, declarando em comissão parlamentar , relativamente à onda curta: “vamos eliminar? Vamos. Não há aqui dúvidas”. O Provedor do Ouvinte classificava então a decisão como “meramente arbitrária, perfeitamente infundada, e põe em causa efetivamente – lesa – os interesses dos portugueses emigrantes e dos lusofalantes”. Financeiramente, o custo anual do serviço de onda curta andaria pelos 860 mil euros, incluindo despesas com salários da equipa residente no emissor de Pegões, um valor irrelevante para o orçamento geral da RTP .
A prometida avaliação nunca foi feita. A razão para esta omissão é simples: o Contrato de Concessão então em vigor obrigava a RTP a garantir o serviço de onda curta. A decisão oficial de extinção do serviço seria, por isso, ilegal, e não poderia ser tomada.
À data da extinção da emissão de onda curta da RDP, faziam emissões exclusivamente em língua portuguesa: Rádio Exterior de Espanha; Rádio França Internacional; Voz da Alemanha; Rádio do Vaticano; Voz da Rússia; Rádio China Internacional; Rádio NHK do Japão; Voz da América; Rádio Canadá Internacional; Rádio Havana; Rádio Argentina para o Exterior; Rádio Cairo; e Canal África.
A emissão da RDP Internacional em Onda Curta é uma ferramenta imprescindível pois garante o acesso à rádio de serviço público pelas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, promover a cultura e língua portuguesas, garantir emissão de rádio em caso de calamidade. Hoje só tem acesso à RDP internacional quem tiver internet ou satélite, o que exclui muitos dos potenciais ouvintes por razões financeiras, técnicas, geopolíticas e mesmo geracionais.
O problema agrava-se considerando o desinvestimento acentuado na Onda Média. Segundo o Provedor do Ouvinte, João Paulo Guerra, «o último investimento na Onda Média tem 20 anos». O Provedor do Ouvinte esteve em 18 de Fevereiro de 2020 em Castanheira do Ribatejo em visita, de moto-próprio, à Estação Emissora de Onda Média. «O emissor sofreu uma avaria em consequência de uma trovoada. Feitas as contas, e tendo em conta que a reparação poderia multiplicar-se em sucessivas avarias e falta de peças sobressalentes, concluiu-se que seria mais económico e seguro adquirir novo emissor, que custaria entre 70 e 80 mil euros, quantia insignificante nos orçamentos da RTP mas que não vai ser investida. A RTP decidiu não investir mais na Onda Média», pode ler-se no relatório.
O cenário de abandono dos emissores é motivo de vergonha para as sucessivas administrações. «Por todo o País, na rede de Onda Média, as torres de emissão estão velhas, gastas e sem manutenção, exibindo os efeitos de uma política de desinvestimento e abandono, deixando que as torres caiam para justificar depois o fecho das estações emissoras e a alienação dos terrenos. A vandalização e os assaltos para roubo dos componentes é outra fase na destruição dos emissores. No Norte já quase não existe Onda Média. Desde o temporal de Janeiro de 2013, de que resultou a queda da torre de Miramar, não existe emissão de OM. A estação emissora de OM da cidade de Chaves também foi encerrada depois de um assalto. O Alentejo e o Algarve praticamente não têm cobertura de Onda Média. O emissor de Onda Média mais a Sul no território continental é atualmente o de Elvas. No Algarve, encontra-se fora de serviço o emissor de Santa Maria, na Meia Légua, entre Faro e Olhão. O emissor de Faro, assaltado, está desactivado. O mesmo rumo se tem verificado na Região Autónoma dos Açores, nove ilhas, atualmente com um único emissor de Onda Média, nas Flores. A torre /antena de emissão de St. Bárbara, na Terceira, está avariada desde 2015».
Sendo certo que a qualidade é menor do que a transmissão FM, «a Onda Média tem muito mais alcance» e, em caso de catástrofe, funcionam como segurança de informação não só para o público mas também entre as forças de Proteção Civil e demais órgãos de soberania.
A administração da RTP justifica os cortes nas Ondas Média e Curta com a canalização de recursos para a Frequência Modulada. No entanto, a rede de FM apresenta cada vez mais debilidades na cobertura do território e nos destinos da RDP África e RDP Internacional, onde deveria retransmitir as emissões chegadas por satélite e pela internet, uma vez que dissipou as Ondas Curtas.
“A regeneração da rede de FM não é apenas uma questão de sobrevivência para a rádio: é o último imperativo para poder cumprir o Contrato de Serviço Público”, garante o Provedor do Ouvinte.
Os problemas começam nas falhas de cobertura do território. “Não estamos a falar apenas das zonas de sombra nas maiores cidades”, explica, mas antes falhas sistemáticas “ou mesmo ausência de receção de sinal” seja da Antena 1, 2 ou 3, uma situação confirmada pelas persistentes queixas diretas que o Provedor recebeu ao longo de 2020.
Na base do problema está o orçamento da RTP para a rádio, que não existe. Como explica João Paulo Guerra, o que pode parecer uma afirmação absurda ou exagerada foi confirmado pela diretora técnica Maria João Dias Ribeiro, em entrevista ao Provedor.
“Não tenho orçamento. Solicito equipamento e depois a RTP é obrigada à lei da contratação pública. Isto leva imenso tempo”, disse a responsável.
Significa isto, explica o Provedor, que as “obras na rádio” apresentadas por Gonçalo Reis no final do seu mandato como prova do investimento na Rádio, “não resultam de planos estratégicos da Radiodifusão e do respectivo Serviço Público mas da boa vontade da Administração face às suas prioritárias preocupações com a TV”.

ESQUERDA.NET
A rádio pública ao abandono