DE BELMONTE – HISTÓRIA(S)

Views: 0

+2
Estórias de um Arquivo Judicial
As boas contas, os franceses e o Conde de Belomonte
(Estas partículas da nossa história foram retiradas de uma prestação de contas que opôs o 1.º Conde de Belmonte aos herdeiros do Capitão – Mor José Martins Velho de Mello).
Belomonte instalou-se no morro granítico da Serra da Boa Esperança, impõe-se em todo o esplendor da Cova da Beira.
O Zêzere alimenta férteis terras, enriquece-lhe os prados e as ervagens. Terra solarenga com vista privilegiada para Estrela. Paisagens deslumbrantes, boa gente!
O capitão mor José Martins Velho de Mello é um abastado proprietário, um excelente amanhador de terras.
Grande amigo de José Mendes Veiga, farto negociante de lãs e panos, natural de Belomonte.
Martins Velho é respeitado nas redondezas pela sua fidelidade às contas e nutrido ódio aos franceses. Que em tempo recente queimaram a igreja do Teixoso e escavacaram imagens de santos a machado. Em Belomonte pilham o convento da Nossa Senhora da Esperança, açoitam os pobres dos frades, picam as armas da vila! Uma matança da história e de gentes!
No mês de Setembro de 1808 é vê-lo no Largo do Pelourinho a dar vivas ao Príncipe Regente! Junta-se ao Juiz de Fora da Covilhã nos estrondosos festejos da expulsão dos jacobinos!
As suas propriedades são as mais produtivas da freguesia.
O centeio, trigo, feijão branco, milho grosso, multiplicam-se nas courelas. Um mimo! O primeiro Conde de Belomonte, Porteiro Mor da Casa Real, conhece as suas virtudes agrícolas. D. Vasco Manuel de Figueiredo Cabral da Câmara, Senhor de Azurara, de Manteigas, de Moimenta da Serra, de Tavares e Senhor do Morgado dos Cabrais, leva-o para administrador dos seus corpulentos bens.
O mês de Junho avança quentoso, muito ameno. As chuvas de Abril engrossaram as nascentes e frutificaram as terras.
Como era o primeiro dia bonito dessa primavera chuvosa, o Capitão Mor calcorreava, regaladamente, a Quinta do Freixo, deslumbrado com a ondulação do centeio dourado.
O ano corre de feição para a agricultura. Pensa em tomar de arrendamento a Quinta dos Lamaçais. Pedro Alvares Cabral, o prior de Caria, deixara-a em testamento a seu sobrinho José da Fonseca Coutinho. Uma das melhores propriedades da Beira, que foi tomada em demanda exaltada aos do Teixoso, corria o ano de 1729.
Martins Velho chegara logo de manhã cedo acompanhado pelo Leal, moço das diligências e seu braço direito. Ainda se queixa da violenta jornada até Abrantes! No mês anterior fora de cavalgadura até a Abrantes e depois de barco pelo Tejo abaixo até à capital. Para entregar a seus amos 720$000 réis dos foros recebidos dos prazos da Folha de Entre – as – Águas.
Na eira, os criados limpavam o centeio com pás e peneiras.
São seis carros de bois a abarrotar de pão. Quase trezentos alqueires de centeio, transportados para a Tulha dos Cabrais, que se impõe no centro da vila de Belomonte. Manuel Pereira, o medidor do celeiro, fala-lhe da necessidade de obras.
Também o capelão andava sempre em lamúrias! Que a casa de Deus estava abandonada! Martins Velho resmunga: – “Estes santinhos comem e bebem “à tripa-forra”, mas não fazem nada numa casa! Dizem a sua missazinha, vão aos funerais, encantam algumas beatas com farto cabedal que, “estando de saúde e com juízo, discernimento e tranquilidade, esperando salvar a alma e obter o perdão dos pecados”, os contemplam em chorudas cláusulas testamentárias! As contas do administrador apareciam sobrecarregadas com as mesadas piedosas. Ainda não esqueceu a esmola de setecentas missas mandadas dizer depois de despedidos os capelães, por causa dos franceses, pelas obrigações da capela. Cem réis cada. Uns glutões!
O administrador manda comprar um milheiro de telhas.
Na tulha aproveita-se a trave mestra antiga por estar sã. A restante madeira, caibros e ripas, era toda substituída por nova do bom castanho da serra da Boa Esperança. Coloca portas, caixilhos, caixões e o mais necessário na capela de Nossa Senhora da Piedade. Em memória de D. Gil Cabral, bispo da Guarda! Coloca no seu testamento o desejo de que sua filha, D. Maria Gil, edificasse uma capela dedicada a Nossa Senhora da Piedade. Gasta a bela quantia de 750$000 réis!
O velho capitão vai embranquecendo, sente falta das suas ordenanças. O que lhe vale é sua mulher, Dona Josepha Ângela Soares de Gamboa, companheira de toda a vida e que lhe dera quatro filhos adoráveis. Anda preocupado com o regresso dos franceses. Corre o boato que estão às portas de Almeida.
Wellington distribuiu as suas tropas nas regiões de Viseu, Celorico, Guarda e Pinhel, com o quartel-general em Celorico. A cavalaria foi distribuída ao longo do rio Mondego e Belmonte. Ordena que nenhum oficial ou soldado, por qualquer pretexto que seja, peça ou tome no caminho carros, bestas ou forragens. O que desobedecer será considerado e tratado como rapinante!
A estratégia militar não estava a correr bem. O exército aliado fora sovado junto ao rio Côa. Batido pelos franceses, viu-se atirado para os barrancos do Côa, perdendo no combate trezentos e trinta e três homens. A praça de Almeida está situada a pouco mais de três quilómetros.
Já se escutam os sinos das localidades vizinhas. – “Os franceses vêm aí!”. As ordens de “terra queimada” estavam dadas!
À aproximação dos franceses deviam ser destruídas pontes, moinhos, colheitas, com excepção daquelas que pudessem transportar.
Os jacobinos precisam de alimento! Pilham os pobres lugarejos. Martins Velho manda retirar parte do cereal da Tulha. Contrata três juntas de bois para levar o cereal, para sítio afastado do apetite dos franceses! Pelo carreto da retirada de trezentos alqueires de centeio paga 50$000 réis. Uns ladrões!
Numa manhã fria de Janeiro, algo chuvosa, o velho capitão entrega a alma ao criador, “ab intestato”! Os capelães não perdoam! S. Senhorias exigem contas à viúva e aos herdeiros, que não renunciaram à herança. A módica quantia de 4:920$510 réis! O Senhor Conde entrega uns autos de libelo móvel ao vereador mais velho da Câmara de Belmonte. José Mendes Fajardo serve a Justiça, recebe-lhes a petição, manda citar os herdeiros do capitão mor!
(…)
Nota: A bela ilustração (Tulha dos Cabrais) é da Cláudia Gonçalves e as fotos foram retiradas do sítio cm-belmonte.pt.
You and 1 other
Like

Comment
Share

Mais artigos