PEDRO PAULO CÂMARA – YVES DECOSTER

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Quadro nr.4 , Texto :

Pedro Paulo Camara
Por detrás da janela da minha existência, por vezes reflexo ou materialização de arame-farpado agreste, ergue-se o pranto negro de mil gerações, amordaçadas pelo desencanto roxo do preconceito e do moralismo hipócrita e redutor. Mas janela só será janela enquanto a alma o permitir e o corpo não a transpuser. Dias virão em que esta fenestra será porta e porto de abrigo e não…
Pintei os lábios de vermelho e aguardei por um beijo, digno de ressuscitar qualquer dormente bela adormecida, ou um qualquer belo vigilante, expectante, como eu, no limite da ilha. Vem e traz os teus beiços proeminentes até ao meu regaço para que possam trilhar caminho ao encontro dos meus, embalados pela quinta faixa do álbum de estreia da ilusória Norah Jones.
Pressinto a tua chegada por detrás da quinta vaga ao pôr-do-sol. Terá o melro negro antecipado o teu regresso? A fêmea passa os dias debruçada no seu ninho, estrategicamente colocado no ramo central da velha nespereira do inculto quintal, languidamente triste. Há três noites, o vento atirou ao chão os dois ovos, gémeos e irmanados, agreste, esmagando a esperança de vida concretizada. Desde então, ela e ninho permanecem calados espreitando o horizonte, ao amanhecer, ao entardecer, como quem aguarda no deserto um pingo de chuva.
A vida também se constrói de silêncios e de espera.
Esta janela não se fechará! E tu chegarás, um dia, sorridente, mesmo que enrugado e sem dentes, de braços estendidos, confiante e disponível. Sorrirás e eu apaixonar-me-ei, novamente, redobradamente, pelos espaços vazios da tua boca e do teu ser. Por detrás do cortinado hialino, tomarei o teu casaco e tu tomarás um chá branco, nascido nas profundezas da cratera, níveo como o nosso afeto ardente.
Nesse dia transformado em noite, nessa noite transformada em dia, e assim consecutivamente, esta janela estará escancarada ao mundo, para que a rua possa ser contaminada pelas faúlhas de felicidade que emanarão dos nossos corpos completos. Come away with me… e eu escrever-te-ei a mais bela e demorada canção de amor eterno.
Pedro Paulo Câmara
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