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Há exatos 43 anos, a 20 de fevereiro de 1978, morria Vitorino Nemésio, um dos maiores nomes da literatura portuguesa do século XX. Nemésio foi poeta, romancista, ficcionista, cronista, ensaísta, biógrafo, historiador da literatura e da cultura, jornalista, investigador, epistológrafo, filólogo e comunicador televisivo, para além de toda a atividade de docência na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Nemésio nasceu a 19 de dezembro de 1901 na Praia da Vitória, filho de Vitorino Gomes da Silva e de Maria da Glória Mendes Pinheiro. Foi no Liceu de Angra que foi introduzido no mundo das Letras pelo professor Manuel António Ferreira Deusdado (autor da Revista de Educação e Ensino). Publicou, em 1916, o seu 1º livro de poesia, o Canto Matinal. Teve algumas dificuldades com o ensino, acabando por se transferir para a Horta, no Faial, onde concluiu o Curso Geral dos Liceus a 16 de julho de 1918. Nesta cidade, teve contacto com o grande fluxo marítimo e animação noturna resultante do aproximar do final da I Guerra e da presença constante de estrangeiros devido a este porto ser um local de reabastecimento de frotas e de descanso para os marinheiros.
No ano de 1919, Nemésio iniciou o serviço militar, como voluntário de Infantaria, fazendo então a sua primeira viagem para fora dos Açores. Dois anos depois, entrou para a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Acabou por, 3 anos depois, mudar-se para o curso de Ciências Histórico-Filosóficas da Faculdade de Letras de Coimbra. Em 1925, matriculou-se no curso de Filologia Românica da Faculdade de Letras. Durante este período conheceu o escritor republicano espanhol Miguel Unamuno, com quem manterá uma troca de correspondência até à morte deste, em 1936. Em 1926 foi cofundador e diretor do jornal republicano académico Gente Nova, clara consequência do seu contacto com o republicanismo espanhol.
Nemésio casou-se, a 12 de fevereiro de 1926, em Coimbra, com Gabriela Monjardino de Azevedo Gomes, com quem teve, em um espaço de 5 anos, 4 filhos, Georgina, Jorge, Manuel e Ana Paula. Neste entretanto, transferiu-se para a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde concluiu o curso, em 1931, com excelentes notas. Iniciou a sua atividade de docência na mesma Faculdade, com o ensino das disciplinas de Literatura Italiana e, mais tarde, de Literatura Espanhola. No ano de 1934, Nemésio doutorou-se em Letras pela Universidade de Lisboa com a tese A Mocidade de Herculano até à Volta do Exílio. Foi então convidado pela Vrije Universiteit Brussel para lecionar na Bélgica, onde esteve entre 1937 e 1939, período antes do início da II Guerra.
A sua condição de terceirense, açoriano, ilhéu, estaria fortemente presente na sua obra. Em termos de ficção, o autor terceirense começou a sua carreira com a publicação do volume de contos Paço do Milhafre, a partir de 1924, posteriormente renomeada o Mistério do Paço do Milhafre, em 1949. A sua escrita era marcada pela descrição dos lugares e do desenho das personagens, dando um lado muito real às personagens. A sua obra, que tem títulos como Corsário das Ilhas, Festa Redonda, Varanda de Pilatos, entre tantos outros, passou ser conhecida e reconhecida.
O auge do romance em Nemésio foi atingido em 1944, com a publicação de uma das obras-primas da Literatura Portuguesa do século XX, que eu aconselho vivamente, Mau Tempo no Canal, cuja ação decorre nas 4 principais ilhas do grupo central do arquipélago açoriano: Pico, Faial, São Jorge e Terceira, entre 1917 e 1919 (estes anos representam aquele período em que Nemésio se encontrava no Faial e, em contacto, com várias culturas e várias personalidades).
Na sua escrita, Nemésio evidenciou a açorianidade, que o representava e à sua cultura. A primeira vez que Vitorino Nemésio utilizou a palavra foi quando falou da sua açorianidade, das suas saudades da terra natal, da sua alma enquanto açoriano que se encontrava longe de casa, no continente. Em Coimbra, a 19 de julho de 1932, na comemoração dos 500 anos da descoberta dos Açores (na época acreditava-se que os Açores tinham sido descobertos em 1432 e não como hoje se defende, em 1427), o autor terceirense definiu o que era a acorianidade: «A geografia, para nós, vale outro tanto como a história, e não é debalde que as nossas recordações escritas inserem uns cinquenta por cento de relatos de sismos e enchentes. Como as se¬reias temos uma dupla natureza: somos de carne e pedra. Os nossos ossos mergulham no mar.»
Voltando à vida de Nemésio, em 1958, lecionou no Brasil. Dois anos depois, a 19 de julho de 1961, foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique e, 6 anos depois, a 17 de abril de 1967, Grande-Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada (postumamente, a 30 de agosto de 1978, foi homenageado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada). Recebeu o Prémio Nacional da Literatura, em 1965 e, em 1974, o Prémio Montaigne. Quando a 12 de setembro de 1971, atingiu a idade limite legal de exercício de funções públicas, proferiu a sua última aula na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Nemésio foi autor e apresentador do programa televisivo Se bem me lembro, entre 1970 e 1975, onde dava palestras, mostrando a sua capacidade única como comunicador. Nemésio escreveu biografias também e colaborou em diversas revistas e jornais, assumindo, já depois de ser Catedrático Jubilado, entre 11 de dezembro de 1975 e 25 de outubro de 1976, a direção do jornal O Dia.
Vitorino Nemésio morreu a 20 de fevereiro de 1978, em Lisboa, no Hospital da CUF. Como seu último desejo, pediu que os sinos tocassem o Aleluia em vez do dobre a finados. Jaz no cemitério de Santo António dos Olivais, em Coimbra.
A obra de Nemésio já estava há muito tempo esgotada, assim uma edição das obras completas do escritor terceirense começaram este Outono a ser publicadas, em 17 volumes, em uma iniciativa da editora Companhia das Ilhas, em parceria com a Imprensa Nacional-Casa da Moeda. O 1º volume foi apresentado na edição de 2018, a XIII, do Outono Vivo, na Praia da Vitória, pelo Professor Luiz Fagundes Duarte, e aborda a poesia publicada por Nemésio entre os anos de 1916 e 1940.
Nemésio sempre amou e “cantou” como ninguém a sua Praia da Vitória. Escritor da açorianidade, Nemésio deixou uma vasta obra, que vale a pena ser lida pelas novas gerações. Temos de procurar divulgar a obra deste grande Português do século XX, além de incentivar à leitura de suas obras. Tal como Nemésio, nunca devemos perder o amor à nossa terra e à defesa dos interesses locais, pois as nossas raízes, o meio social em que crescemos e vivemos marca para sempre a nossa visão do mundo. A açorianidade é algo que está muito bem impregnada na nossa alma de ilhéus.
Francisco Miguel Nogueira
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