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Conversas pandémicas XLIII – Decisões certas no momento certo
1. Clássicos
“Nunca faltaram espanhóis esclarecidos, capazes de prever o desastre iminente. Mas, para nosso infortúnio, aqueles que tinham visão careciam de autoridade e aqueles que tinham autoridade careciam de visão. E algumas pessoas de visão calaram-se por cobardia. ” [Santiago Ramón y Cajal (1852 – 1934). Médico. O “pai da neurociência moderna”. Nobel de Fisiologia e Medicina em 1906.]
2. O atraso na tomada de medidas como determinante de mortalidade
Um grupo de cientistas das Universidades de Zurique e Toronto (com investigadores de medicina evolutiva, História, geografia e Epidemiologia) estudou a gripe pandémica de 1918-19, no cantão suíço de Berna, tendo publicado os resultados num artigo no “Annals of Internal Medicine”. A equipa analisou 9000 relatórios médicos, com mais de 120 mil casos de gripe, de 473 municípios de Berna, de junho de 1918 a junho de 1919, com métodos epidemiológicos modernos, reconstruindo as medidas adoptadas para evitar a propagação da pandemia.
Concluiu que, em caso de pandemia, o atraso das medidas e uma descentralização na decisão na tomada de medidas podem provocar consequências mais duradouras, graves e mortais. A gripe espanhola foi a maior catástrofe demográfica da história recente da Suíça, com 25 mil mortes no país.
Comparando com a pandemia de COVID19, os cientistas perceberam que a 2ª vaga de casos começou sensivelmente na mesma semana do calendário, e as medidas implementadas foram semelhantes.
Constata-se que apesar de haver diferenças entre as duas pandemias, os paralelismos são cada vez maiores. Perante a elevada taxa de mortalidade durante a 2ª vaga da pandemia na Suíça, e com a ameaça de uma 3ª vaga, devido às mutações do vírus vinda do Reino Unido, África do Sul e Brasil, as lições do passado podem ajudar as autoridades na resposta.
Na 1ª vaga, em julho e agosto de 1918, o cantão agiu com relativa rapidez, força e centralmente, chegando a restringir as reuniões e fechar escolas, o que está associado a uma descida do número de infeções.
Depois da 1ª vaga ter diminuído, o cantão levantou todas as restrições, em setembro de 1918, o que provocou um rápido ressurgimento dos casos e o aparecimento de uma 2ª vaga.
No começo da 2ª vaga, em outubro de 1918, o cantão de Berna reagiu de forma vacilante, ao contrário da 1ª vaga, por receio das consequências económicas. As autoridades cantonais deixaram a responsabilidade das novas medidas nas mãos dos municípios, durante várias semanas. Esta decisão, hesitante e descentralizada, foi fatal e contribuiu para que a 2ª vaga fosse mais forte e duradoura. A agravar, pouco depois do pico da 2ª vaga, em novembro de 2018, houve uma greve nacional, com manifestações por razões sociais e laborais e movimentações de tropas, para as controlar. Estas concentrações maiores foram acompanhadas de um ressurgimento das infeções. Cerca de 80% dos casos e mortes registados foram atribuídas à 2ª vaga.
Em Portugal podemos constatar que no dia 31 de Outubro de 2020, 1 mês e meio após a reabertura das escolas, com todos os níveis de ensino simultaneamente, registavam-se 2500 mortos, por COVID19. Nessa altura imperavam as posições de desvalorização da Pandemia, por todo o lado, considerando-se alarmistas todos os que alertavam para os riscos de ressurgimento, e pediam medidas de planeamento e prevenção, para o que aí vinha.
No dia 31 de Janeiro de 2021, 3 meses depois do dia 31 de Outubro de 2020, Portugal registava 14500 mortos. Mais 12000 mortos. Em 12 semanas.
Uma catástrofe.
3. O exemplo nesta Pandemia vem da Escandinávia, mas é a Dinamarca, não a Suécia!
A Dinamarca testa mais para ter menos casos, uma estratégia exemplar, e que o Prof. Manuel Carmo Gomes explanou na última reunião do Infarmed.
No Natal a Dinamarca tinha 517,8 novos casos cumulativos, ao longo das 2 semanas anteriores, por milhão de habitantes, enquanto Portugal tinha 406,6. A partir daí os números na Dinamarca desceram, ao passo que em Portugal, aumentaram, até 28 de janeiro.
No dia 9.02.2021 Portugal registou 253,3 novos casos cumulativos ao longo das 2 semanas anteriores, por milhão de habitantes, enquanto a Dinamarca continua a controlar a epidemia, com 63,2 casos.
A Dinamarca aumentou a testagem para diminuir os casos, enquanto Portugal, com o mesmo número de testes, o número de casos continuou a aumentar. Ou seja, muitos infectados “não foram detectados”. Esta é a principal razão pela qual, em situação de surto evidente, numa determinada área geográfica, se deve testar maciçamente. E aumentar as restrições de mobilidade nessa população, de imediato!
A taxa de positividade (número de testes positivos, sobre total de testes realizados) é o melhor indicador para percebermos se estamos a fazer testes suficientes.
Na Dinamarca a taxa de positividade era 2,8% no Natal, 0,5% no dia 04.02.2021.
Em Portugal, a taxa de positividade era 10,1% no Natal, 18,1% no dia 04.02.2021 (chegou aos 20,5%, no dia 01.02.2020). Nos Açores tem andado abaixo dos 2%, na ilha com maior incidência.
4. Testar, testar, testar. E, depois, rastrear e isolar.
Manuel Carmo Gomes frisou, na reunião do INFARMED que já referi, que a única estratégia possível para desconfinar, sem um disparo súbito no número de novos contágios, é a testagem, na sequência daquilo que o grupo “Contain Covid-19”, tem vindo a dizer desde a sua 1ª carta publicada na Lancet, a 18 de Dezembro.
Transpondo para a realidade açoriana, o que defende este Grupo nas suas cartas, publicadas na Lancet, que obviamente subscrevi, é simples: para mantermos uma incidência baixa é preciso tomarmos acções firmes e impormos intervenções fortes; assim, reduziremos o número de novos casos rapidamente, sob pena de, não o fazendo, condenarmos a economia açorina e a saúde mental dos açorianos.
Uma das medidas é realizar pelo menos 300 testes por milhão de habitantes todos os dias — mas o ideal seria mesmo 5.000 — quando a incidência chegar a apenas 10 novos casos diários por milhão de habitantes.
Viola Priesemann, investigadora alemã do Instituto Max Planck, e líder do “Contain Covid-19”, já explicou de onde aparece esta incidência limite: a maior parte dos países consegue gerir uma epidemia com 10 novos casos diários por milhão de habitantes, mas perde rapidamente o controlo se ela ultrapassar os 50 – a taxa de positividade torna-se muito alta, e o rastreio de contactos deixa de ser suficientemente rápido. O número foi calculado com recurso a uma fórmula matemática que relaciona o número básico de reprodução (Rt, que deve estar sempre abaixo de 1 para a epidemia não crescer) e o registo de novos casos de infecção.
A importância de testar muito é que assim, mesmo com números baixos, continua a ser possível detectar um novo surto, logo que ele surja. Testar bem é igualmente fundamental. A testagem “em anel”, em que todas as pessoas em redor de um caso diagnosticado são testadas rapidamente, para que as infeções assintomáticas sejam encontradas, é uma metodologia que se aproxima do ideal.
Uma incidência abaixo dos 10 novos casos por milhão de habitantes, na Primavera de 2021, significa 100 casos por dia em Portugal, sensivelmente 2 casos por dia em São Miguel, e 1 na Ilha Terceira. Uma meta muito ambiciosa, mas tecnicamente fundamental.
Na 2ª carta publicada pelo grupo na revista Lancet (“Agir cedo”) sugeriu-se a implementação de medidas de mitigação antes de os números subirem como um pico (não depois), reduzindo o número de contactos físicos na população e implementando regras de proteção individual, como o uso de máscaras, o distanciamento social e a desinfeção regular das mãos.
A Dinamarca já provou, na prática, como gerimos esta pandemia: aumentar a testagem para identificar mais casos, travar mais cadeias de transmissão e, com isso, ao fim de poucos dias, reduzir o número de novos casos.
Esta é a estratégia que o governo regional dos Açores tem implementado. Muito bem. Cabe a cada um de nós fazer a sua parte.
Mario Freitas
Médico consultor (graduado) em Saúde Pública e Delegado de Saúde
(Diário dos Açores de 12/02/2021)
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