Um ferry a navegar, a exemplo da Madeira

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1. Há um ano, precisamente, a Atlanticoline divulgou os horários dos transportes marítimos de passageiros e viaturas, entre Santa Maria e Flores, recorrendo ao aluguer de dois navios “ferries” que operariam entre maio e finais de setembro.
Com o surgimento da pandemia, o Governo dos Açores, em 22 de abril, decidiu suspender toda a operação da linha amarela, prometendo retomá-la em 2021 – decisão, a meu ver, precipitada e errada.
Assim como foram retomadas as ligações das restantes linhas nos grupos ocidental e central, o mesmo poderia ter acontecido com a linha amarela, reduzindo embora o número de viagens, mas proporcionando a mobilidade de pessoas e viaturas entre os grupos oriental, central e ocidental e mantendo o transporte e comércio de produtos inter-ilhas. Foi um duro golpe que as viagens de avião não superaram. Mesmo que a prometida baixa das tarifas aéreas até 60€ entre em vigor.
A maioria dos passageiros dos ferrys são idosos e famílias, com passes especiais, sem capacidade financeira para alugar viaturas com tarifas de época alta, durante estadias mais prolongadas.
2. Este ano, a situação repete-se.
O Secretário dos Transportes afirma que o Governo planeia voltar a suspender a operação sazonal, alegando que as condicionantes do ano transato se mantém, mas a Atlanticoline já a dá como certa.
Teremos um arquipélago desligado, dividido a meio, entre São Miguel e as “ilhas de baixo” e os que delas são naturais, impedidos de viajar, ao contrário do que o atual Governo prometeu no seu programa: “A criação de verdadeiras “autoestradas do mar” é o novo paradigma para o relançamento do transporte marítimo inter-ilhas.”
Em que se fundamenta este paradigma e que alterações serão introduzidas ao modelo anterior? O programa nada diz. Afirma apenas que “o Governo vai estudar e implementar um novo modelo de transporte marítimo de mercadorias e de passageiros inter-ilhas que assegure regularidade, previsibilidade, estabilidade e segurança das operações realizadas e permita a mobilidade entre as ilhas, com a manutenção do serviço público já prestado.”
O certo é que a vida não para. Quem se dispõe a governar tem de apresentar propostas concretas sobre como resolver os problemas e não prometer estudos que, todos sabemos, duram tempos infindos, ao gosto de quem os encomenda.
3. Sobre os transportes marítimos de passageiros e viaturas que a maioria dos açorianos aplaudiu e de que muito beneficiou ao proporcionar-lhes o conhecimento das ilhas a baixos custos, há muitas discordâncias de entidades empresariais e políticas micaelenses. Desde o início, contestaram a intromissão de entidades públicas num negócio que deveria ser de privados. Depois, alegam que o investimento é demasiado elevado, não traz retorno económico e por isso não deve continuar. Em sua substituição apresentam o transporte aéreo como solução, desconhecendo os benefícios gerados nas trocas comerciais, o poder de compra dos utentes e a cultura das populações no recurso às viagens pelo mar.
Estão neste caso, por exemplo, os vendedores da Graciosa que, em viatura própria, se deslocam, com facilidade e rapidez nas ilhas do grupo central, para comercializar peixe seco de grande qualidade, alhos, meloas e outros produtos típicos da ilha branca; os negociantes micaelenses que transportam melancias, hortaliças e legumes que escasseiam noutras ilhas de onde levam vinho e outros produtos locais; ou os intercâmbios culturais e desportivos, as deslocações de grupos de idosos tão procuradas em ano de eleições autárquicas… enfim, os barcos e o mar como estrada larga de aproximação das ilhas.
O argumento da viabilidade e do retorno económico é extremamente perigoso e não pode ser usado apenas num sentido e quando nos convém, pois, normalmente, contestamo-lo quando é referido por entidades públicas nacionais, ao reclamarmos a participação financeira do estado nas nossas adversidades e no desenvolvimento regional.
Não tem lógica usá-lo, quando a Europa atribuiu aos Açores o Estatuto de Região Ultra-periférica e o POSEIMA os quais nos permitem reivindicar do orçamento da União Europeia verbas avultadas para superar as dificuldades a que estamos sujeitos e desenvolver as nossas potencialidades.
4. Afirmar que “É ancestral a ligação do povo açoriano ao mar” soa a frase feita, sem conteúdo prático, quando se ignora, propositadamente (?), que a transportadora marítima regional – Atlanticoline – transportou em 2019, mais de 562 mil passageiros e mais de 30 mil viaturas entre as ilhas do arquipélago.
Estes devem ser pontos de partida para decidir retomar, já este ano, o transporte marítimo de passageiros e viaturas de Santa Maria às Flores, com um “ferry”adequado, nos moldes de segurança em que opera a “linha branca” que liga o Faial à Terceira, via Pico, São Jorge e Graciosa. Como acontece na Madeira com as viagens regulares do “ferry” Lobo Marinho que se mantém a navegar neste tempo de pandemia, e com as necessárias precauções.
Por que não segue o Governo dos Açores o exemplo da Madeira e retoma as viagens sazonais? Ou “a correção da trajetória” da política de transportes visa extinguir este serviço público e privatizar a Atlanticoline?
Governar uma Região-Arquipélago é atender às pretensões dos habitantes das nove ilhas e saber resistir a grupos económicos e políticos em favor do bem-comum.
José Gabriel Ávila
jornalista 239 A
ESCRITEMDIA.BLOGSPOT.COM
Escrita em Dia – José Gabriel Ávila
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