Como combater a desinformação? OSVALDO CABRAL

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Como combater a desinformação?
Como ajudar os cidadãos para que sejam mais resistentes às notícias falsas?
Esta é uma questão que tem suscitado amplo estudo e debate por parte de inúmeros especialistas, em vários países, com muitas teses sobre as teorias de desinformação, propaganda e conspiração, que se tornam “virais”.
Greg Weiner, um destes especialistas, cientista político da Assumption University, nos EUA, defende uma tese, corroborada por muitos, de que a via educacional é um dos instrumentos mais eficazes para o combate à desinformação.
Como se sabe, nas redes sociais a desinformação é replicada e evolui a um ritmo difícil de controlar pelas próprias plataformas.
Conta Weiner que, quando as grandes operadoras, como o Twitter e Facebook, cancelaram a conta de Trump e a Fox News deixou de ser leal ao ex-Presidente, ele virou-se para outras plataformas, como a One America News Network e a Newsmax, que o receberam de braços abertos.
Resultado: a Fox News perdeu 25% de audiência e a Newsmax quase triplicou a sua audiência, o que só prova, na teoria do referido especialista, que a mentira encontra sempre uma saída para se implantar.
Numa sociedade livre, como ele explica, a melhor resposta à desinformação viral é fortalecer o nosso sistema imunológico contra ela, desenvolvendo cidadãos motivados e capazes de distinguir a verdade da ficção.
Um dos focos para esta motivação é na comunidade escolar, onde o “pensamento crítico” deve ser ensinado e desenvolvido como actividade intelectual nobre.
O problema, na teoria de Greg, é quando, nos dias de hoje, o pensamento crítico é, muitas vezes, mais crítica do que pensamento…
A equação é simples: quando queremos trabalhadores qualificados, instruímos os alunos com as ferramentas adequadas, mas se quisermos cidadãos informados, a abordagem passa a ser a de ensinar a cultura de hábitos de boa informação.
Ela está bem identificada nas sociedades democráticas, como a nossa, onde os média tradicionais são regulados e os seus profissionais obedecem a princípios éticos.
Qualquer solução geracional passa pela educação e os média tradicionais devem fazer parte integrante desta educação e cultura de hábitos.
Só assim será mais fácil combater a desinformação a que todos, mas principalmente os mais jovens, estão expostos, por razões incontornáveis da nossa globalização, a começar pela ligação permanente às plataformas digitais.
A imunidade colectiva só se alcança com este foco na educação, pelo que a ausência dos média das escolas é logo um obstáculo a este combate.
Foi um erro acabar com as disciplinas de Iniciação ao Jornalismo no ensino secundário, como agora se comprova.
Os jornais são incontornáveis para a defesa da liberdade e do pensamento plural, como têm demonstrado ao longo destes séculos.
Quanto mais enfraquecida for a imprensa, pior será a democracia e todo o sistema de escrutínio da sociedade.
A Câmara Municipal de Ponta Delgada, ao tempo do Dr. José Manuel Bolieiro, tomou uma decisão inovadora neste aspecto, ao mandar várias assinaturas dos jornais do concelho para distribuir pelos alunos, docentes e pessoal auxiliar das escolas do município.
Replicar esta ideia por toda a Região seria um progresso extraordinário para a literacia da informação, pelo que Governo Regional e Associação de Municípios dos Açores têm aqui um papel decisivo, contribuindo para a literacia dos média nas escolas e, ao mesmo tempo, fortalecendo o apoio económico à imprensa das nossas ilhas.
Tenho sido chamado – como outros colegas – por escolas da nossa ilha para conversas com alunos acerca da problemática da desinformação, do jornalismo e a influência das redes sociais.
Constato uma ausência generalizada, por parte dos jovens, no contacto com os média tradicionais açorianos e uma cada vez maior propensão para a obtenção de “notícias” apenas pelos canais das redes sociais.
Começa mesmo a formar-se a ideia, perigosa, entre estas comunidades mais jovens, de que tudo o que vem lá relatado é verdadeiro, “porque se assim não fosse não estava lá publicado”, como já ouvi bastas vezes.
É uma geração fortemente influenciada pela informação desregulada, sem filtro de verdade e totalmente exposta a parâmetros que nem as próprias famílias ou educadores conseguem controlar.
À semelhança do que já acontece no Continente e um pouco na Madeira, é imperioso que se crie nos Açores um programa específico que ajude a alertar os jovens para a desinformação, “fake news” e os ajude a criar hábitos de leitura dos jornais.
A Secretaria Regional da Educação, a Secretaria da Cultura e a própria Universidade dos Açores, em colaboração com os média regionais, poderiam liderar este programa de literacia mediática, sobretudo agora, nesta época pandémica, em que há, cada vez mais, uma enorme necessidade de informação de qualidade.
Durante esta época de crise sanitária, em que o medo se apoderou de milhões de pessoas, a Comissão Europeia detectou, em média, por dia, mais de 2.700 notícias falsas sobre a Covid-19.
Inês Amaral, docente na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, explica que “é a primeira vez que há uma pandemia na era digital e que, à escala mundial, há esta generalização do medo. E esse poderá ter sido um factor-chave para fazer crescer a desinformação e trazer dividendos — não só económicos, mas também políticos”.
O consumo desenfreado de informação, neste novo mundo pandémico, mostrou-se propício para a propagação das notícias falsas, tão depressa como o próprio vírus.
Nos Açores não fugimos ao fenómeno, tal é a exposição dos jovens às plataformas digitais, que têm uma forte penetração em todos os lares açorianos, com cerca de 70% das famílias açorianas a terem computador em casa e mais de 60% dispondo de ligação à internet com banda larga.
No futuro, segundo Bill Kovach, um jornalista americano de descendência da Albânia, ex-chefe do departamento de Washington do New York Times, o desafio será saber onde procurar o tipo de informação que nos permita estar inseridos numa comunidade, porque “sem partilha de informação uma comunidade não se pode formar e, por isso, o papel mais importante para os média será o de fornecer a informação básica de que a audiência necessita para funcionar em comunidade”.
É este desafio que o “Diário dos Açores” também enfrenta nestes 151 anos de publicação.
Com as dificuldades acrescidas que toda a imprensa regional está a enfrentar, agravadas pela crise sanitária, o “Diário dos Açores” pretende dar esse contributo no combate à desinformação, mantendo-se no rigor do jornalismo com critério, combativo, plural, incómodo e de respeito para com os seus leitores, na linha dos seus fundadores.
O nosso obrigado aos que nos lêem todos os dias, aos que nos suportam com o seu patrocínio e aos inúmeros colaboradores desinteressados que ajudam a trazer mais qualidade a este jornal.
(

Osvaldo Cabral

– Diário dos Açores de 05/02/2021) — with

Osvaldo José Vieira Cabral

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  • O compreender-se que há um problema, já é bem um indicio que se vive num mundo de ardis mil. Isso aponta para sociedades empobrecidas em sentido de valores familiares, sentido de honra, brio, rectidão, seriedade. As crianças e adultos aprendem mel…

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    • 10 h
  • Muito interessante!
    Gostei de ler e de me sentir informada.
    Obrigado.
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