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José Bárbara Branco
22m ·
Pedro Girão
47m ·
ESTADO NOVO (A)NORMAL
Aproxima-se outro confinamento. Desta vez, ao contrário do que aconteceu em Março, sabe-se o que há a esperar e sabem-se as consequências. E o que há a esperar deste confinamento é nada, nenhum efeito relevante pois, tal como no anterior, só a Primavera resolverá o assunto; até lá, façam o que fizerem, teremos apenas mais do mesmo: a evolução natural da epidemia, medo, sensacionalismo, mentiras e ignorância. Quanto às consequências do confinamento são conhecidas: pobreza, depressão, fome, desespero, menos saúde, muitas mortes evitáveis por outras causas.
Mas os portugueses gostam disto. Não tenho qualquer dúvida de que a maioria apoia o endurecimento das medidas, porque “a culpa é dos irresponsáveis que andam para aí a transmitir o vírus”. Não foi por acaso que o regime de Salazar governou em ditadura durante 48 anos, de 1926 a 1974, com o aplauso geral. Repito, com o aplauso geral (e com a ajuda activa de muitos delatores e guardiões do Estado Novo). Só no dia 26 de Abril se revelaram de forma súbita muitos milhões de fervorosos democratas – que na antevéspera eram tranquilos fascistas.
António Costa, Rui Rio, Marcelo Rebelo de Sousa e tutti quanti sabem-no bem. Sabem bem que quanto mais baterem no povo mais o povo gosta deles. Sabem bem que o discurso “a culpa é do vizinho” podia ser o lema nacional. Sabem bem que o medo, a cobardia, a ignorância e o seguidismo são características partilhadas pela maioria dos portugueses. Não tenho dúvidas de que este assassinato a sangue frio a que chamam confinamento será recebido com aplausos. No fim de contas, temos quase 1 milhão de funcionários públicos (mais os respectivos dependentes). Temos portanto muita gente que, quer trabalhe ou não trabalhe, quer trabalhe bem ou trabalhe mal, quer cumpra, quer se arraste ou quer meta baixa, recebe o mesmo no fim do mês. Que melhor cenário do que um confinamento? O que lhes importa que os outros morram à sua volta?
Os mais preocupados com o aumento de casos, quando não o fazem por simples ignorância, ocultam em geral o próprio pânico, bem como o desprezo pelos muitos milhões de portugueses que não têm os mesmos privilégios, a mesma capacidade de aceder à Saúde, as mesmas hipótese de sobreviver.
Soluções? A solução é a mesma desde o início: reforçar os cuidados de saúde, usar todos os meios científicos comprovados para a profilaxia e tratamento, tratar os doentes, chorar os mortos, aguardar pacientemente o fim da pandemia, e viver; parece-me bem simples. Mas para quem tem medo da morte nada é simples. Para quem teme correr riscos nada é simples. Preferem paralisar, defender-se e matar outros por omissão de cuidados.
Não faço um apelo à revolta; não é esse o meu estilo. Mas faço um apelo ao raciocínio e à tranquilidade. E, claramente, faço um apelo ao desprezo pelos que nos governam e pelos muitos outros actores políticos que apoiam os que nos governam. (São quase todos.) Muitas vezes, quando se fala em política fala-se em corrupção. Talvez não seja justo; mas de cobardia e de assassínio premeditado podemos agora falar com segurança.
Apanhem o sol possível, respirem o ar possível, entretenham-se o melhor possível (evitem as notícias!), cuidem da vossa saúde não-Covid o máximo possível (se conseguirem), e espero que sobrevivam todos, não só ao Covid, mas à maior pandemia, à mais perigosa, a que usa gravata e discursa em público: a pandemia do medo e da hipocrisia.
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