DA GALLICIA À GALIZA – DISCURSO DE ABERTURA 18º colóquio OUT.º 2012

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DA GALLICIA À GALIZA – DISCURSO DE ABERTURA 18º colóquio OUT.º 2012

“Estamos numa cidade com origem no Paleolítico inferior-médio, Idade do Bronze, que se desenvolveu com os Romanos, tendo proeminência as águas termais das Burgas e a via Braga – Astorga. Ganhou relevo com os Suevos quando foi capital, ligada à lenda da conversão ao cristianismo. Foi anexada pelos Visigodos em 585 e não sofreu a invasão muçulmana, mas teve a invasão normanda (1008-15). Em 1122, D. Tareixa de Portucale concedeu ao bispo Diego III a jurisdição e em 1188 passa a município. Em 1386, o duque de Lencastre na marcha rumo a Babe, Bragança, faz-se coroar rei de Castela, firmando um pacto com Juan I mas não passou de Leão. Segue-se um período de invasões, guerras, e destruições. Os bispos que partilhavam o poder com os senhores feudais, perdem influência de 1586-1628, os franciscanos cedem aos dominicanos e jesuítas, que mantêm a urbe medieval com 3 mil habitantes (1752), sem se desenvolver antes do séc. XIX e a expandir-se num crescimento que se mantém hoje.

Esta comunicação não é académica, pois nem amores nem sentimentos se podem dissecar num laboratório. A minha ligação à Galiza data de 1030 AD, segundo me ensinou a avó paterna, e começou aqui perto em Cellanova, coevo do Conde D. Nuno, sogro da Infanta Sancha, filha de Henrique de Borgonha, conde de Portucale. No séc. XXI, no primeiro colóquio (2002 Porto), conheci um jovem empresário, Ângelo Cristóvão, que sonhava com a Galiza lusófona, e foi o meu guia da História que não aprendemos. Portugal e Galiza são povos irmãos de costas voltadas, como se houvesse um imenso mar a separá-los. Na escola falam-nos da variante galega da língua como quem fala das guerras de Esparta e Atenas, nesta lusa mania de desvalorizar a história. O problema é político e sensível, de difícil resolução. Só os utópicos, a elite que pode mover nações e gerar a diferença, acreditam que o futuro da Galiza passa pela unificação da língua escrita (de que o Acordo Ortográfico 1990 é o instrumento a brandir contra o status quo da imutabilidade histórica dos reinos). A história sempre se fez de guerras e de casamentos entre tribos, hoje faz-se pela globalização económica que desconhece as fronteiras imemoriais e é aí que a língua comum assume um papel vital de moeda de troca entre os povos. Mesmo os que se insurgiram contra a Lusofonia surgem agora vocais e aparentes paladinos, para a captação do mercado de 240 milhões de almas. Se a guerra dos afetos entre povos irmãos parecia exclusiva da coutada dos poetas, agora desponta o interesse económico na cruzada da língua comum, como motor capaz de inverter políticas centralistas e nacionalistas. Nisso reside a grande arma, neste longo caminho de sobreviver através da língua e cultura comuns, em vez de ficarmos marginalizados em variantes e dialetos redutores da identidade global que é a Lusofonia. Foi o que nos trouxe à Galiza neste 18º colóquio para que juntos possamos fortalecer o que nos une, património imaterial de tantos. Fala-se mais Português em Angola hoje do que no tempo da presença portuguesa, apesar da forte competição das línguas nativas. Em Goa existe um recrudescimento do interesse e novos livros têm surgido, 50 anos após a extinção da presença lusófona. Em Macau a língua portuguesa é mais falada e estudada hoje do que quando os portugueses lá estavam. Em Timor como segunda língua oficial já há mais de 25% de falantes, sendo importante em contextos hostis onde sob a ocupação neocolonial indonésia foi usada como língua de resistência.

Vários idiomas da Tailândia, Malásia, Índia e Indonésia têm palavras portuguesas/galegas. A própria língua japonesa tem várias palavras portuguesas/galegas como: álcool, veludo, jaqueta, bolo, bola, botão, frasco, irmão, jarro, capa, capitão, candeia, castela (bolo de pão-de-ló), copo, vidro, tempero, tabaco, sabão, sábado, choro, tasca, biombo etc. Há um idioma próprio falado na Malásia, Singapura, Tailândia, Ceilão e Indonésia que se chama Papiá Kristang (língua cristã) ou português de Malaca que é constituído por palavras portuguesas/galegas com formas gramaticais diferentes. Existe também o Patuá de Macau, em vias de extinção. Os portugueses/galegos falam com estas gentes sem dificuldade. Também no Reino de Espanha há quem fale Português, como língua de resistência ao domínio cultural que faz sujeitar a escrita do galego às normas ortográficas castelhanas, tentando obviar à preservação da identidade cultural do velho reino da Galiza. A língua galega é sob todos os aspetos (históricos, filológicos e paleolinguisticos), português, da Galiza, mas Português. No entanto na Extremadura espanhola, onde nunca houve uma língua comum, também o Português é ensinado a milhares de pessoas. A língua não é só um meio de comunicação nem arma económica, expressa o sentimento dos povos, permite a preservação das lendas e narrativas, recria as baladas dos bardos, favorece a leitura dos clássicos, aproxima povos e perpetua o ADN. É nossa vontade e desígnio que na Galiza se proceda à reintegração da língua na Lusofonia como a História o manda e, por isso, apoiamos desde a primeira hora a criação da AGLP. A questão da ortografia é meramente política, sendo um grave erro estratégico não afirmar que “galego e português são a mesma língua”. Tem faltado construir pontes pois os políticos portugueses estão temerosos de ofender a vizinha Espanha e os galegos temem que depois da autonomia cultural venha outra. É fundamental o galego ser atual. Os povos só evoluem intelectualmente quando se expressam na língua materna e não na colonizada, castelhanizada como o «portunhol”. O galego atual será o encontro com as origens em que simultaneamente ganham um poderoso meio de comunicação, a nível cultural e comercial, que ajudará a crescer a Nação Galega neste mundo globalizado. Escrever galego-português na norma lusófona dá-lhe dimensão mundial e é a única forma de salvá-lo da morte. O português-galego não é um idioma de Portugal, mas dos países que o adotaram como oficial além da Região Autónoma Especial de Macau na China. Além do mais, lembremos que Afonso X, rei castelhano, trovou em galego-português por ser uma língua melódica. Os nossos projetos de divulgação de autores açorianos, tradução em várias línguas, cancioneiro açoriano, antologias, livros que temos editado, os artistas que temos promovido, entre tantos outros projetos permitiram já levar os Açores a locais desconhecidos. Hoje, aqui, estão alguns desses autores a partilharem o que há de comum entre a Galiza e os Açores: duas insularidades culturais no seio da Europa.

. DISCURSO DE ACEITAÇÃO DE ACADÉMICO CORRESPONDENTE DA AGLP 18º colóquio, OUT.º 2012

Aos 22 anos (1972) lancei o primeiro livro de poesia, a que outros (crónicas e ensaio político) se seguiram. Fui sempre jornalista e tradutor. Faço 40 anos de vida literária e mais de 47 de jornalismo sem acalentar grandes ilusões quanto ao valor dos meus escritos. Considero uma honra maior a oportunidade de proferir uma palestra (março 2010) na Academia Brasileira de Letras. Hoje, segue-se a segunda maior honra, ler palavras emotivas para confessar que a AGLP pode contar com o total e dedicado apoio, na luta para a reposição da língua portuguesa da Galiza, em todas as esferas da vida e nos fóruns internacionais. Falta concluir a unificação ortográfica da língua de todos nós. Nisso quer a AICL quer a AGLP estão unidas, pois podemos preservar todas as inúmeras diferenças, mas mantendo unificada a escrita. Respeitando a diversidade do Português, que é a sua grande riqueza, impõe-se fazer um esforço no sentido de aproximação das suas formas, em domínios ligados ao uso contemporâneo, como é o caso da terminologia científica e técnica e dos neologismos decorrentes de novos modos de vida e de convivência internacional, sem prejuízo da salvaguarda das especificidades de cada variante, enquanto manifestações de identidades e alteridades culturais irredutíveis. Obrigado, por aceitarem este mero aprendiz de feiticeiro da escrita no seio de académicos bem mais distintos e qualificados do que eu. Como simples artesão da palavra, poeta e sonhador de utopias manterei a saudável loucura ao serviço da língua, nem que seja em pequenos poemas como este:

Galiza como Hiroxima mon amour

acordaste e ouviste o teu hino

bandeira desfraldada ao vento

ao intrépido som

das armas de breogán

amor da terra verde,

da rubra terra nossa,

à nobre lusitânia

os braços estendes amigos

desperta do teu sono

pega nos irmãos e irmãs

caminha pelas estradas

ergue bem alto a tua voz

diz a quem te ouvir quem és

orgulhosa, vetusta e altiva

indomada criatura

nenhum poder te subjugará

nenhum exército te conquistará

nenhuma lei te aniquilará

és a Galiza mon amour