SANTOS DA CASA NÃO FAZEM MILAGRES

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SANTOS DA CASA NÃO FAZEM MILAGRES, Crónica 344, 29.6.2020

Por toda a parte vemos governos, artificial e democraticamente eleitos, – manipulação, fraude, etc., – que se comprazem em seguir as ordens do grande capital e dos donos disto tudo, destruindo países, indústrias e serviços, exportando a juventude, matando (de forma mais ou menos acelerada) os velhos a quem se retiram pensões, saúde, justiça e demais serviços. Ciclicamente surgem epidemias e guerras para acelerar o processo. Criam-se enormes vagas de pobres e desempregados que já nem a dignidade de números têm, como na Grande Depressão de 1929.

 

Virão novas eleições…e teremos mais do mesmo, duma cor ou doutra que os eleitores andam daltónicos e as políticas dos partidos também. Li que nalgumas civilizações ancestrais, o povo tinha o costume de sacrificar os dirigentes aos deuses para combaterem epidemias, só os sumos-sacerdotes escapavam, cá o problema é de difícil resolução pois é do inferno dos pobres que se fabrica o paraíso dos ricos, e ainda não se pode ter um manjerico mágico que dê para os santos populares todos, como este:

E o mundo, ao qual pertenço, o que fez? Encolheu os ombros e saiu para jantar fora, que a crise ainda permite esses luxos e esta vida são dois dias. Temos de usufruir e comer. Se não comermos morremos. Sabemos dos maiores desfalques, falcatruas, negociatas sem que a justiça funcione, prenda e condene os malfeitores. E tudo se passa com o complacente beneplácito do povo silente e amordaçado nas teias do medo, sem saber que, há muito, perdeu a liberdade de escolha (pensa que é o seu voto que os elege). O eleitor pensa ingenuamente que pode influenciar os resultados eleitorais ou escolher o seu futuro, mas até isso lhe tirarão e em breve perderá a liberdade de sonhar.

 

Virão novas ditaduras e novas guerras, de formas nem imaginadas por George Orwell no “Triunfo dos Porcos” e em “1984”, e eu, mais impotente que nunca, teclando palavras para a minoria esclarecida e lúcida, mas sem poderes de alterar seja o que for. Refugio-me na diáfana ilusão das palavras que a poesia cria, na esperança infundada de que resistirão a mais este cataclísmico fim da civilização ocidental como a conheci, numa repetição da queda do Império romano ou de tanta civilização que desapareceu sem deixar rasto atual. Muito provavelmente nem sobreviverão as palavras que o reino da utopia ainda me deixa soletrar e a minha vida terá sido em enorme vácuo contra a minha vontade, mas já nada mais posso fazer, também eu cobardemente cúmplice, mas ainda não-silente.